quinta-feira, janeiro 21, 2016

Da mente, das partículas elementares, dos mistérios, dos atraentes enigmas que nos habitam
[O caos nunca impediu nada, foi sempre um alimento inebriante]


Ora muito bem. No post abaixo mostrei um vídeo fantástico e contei um dos meus famosos (e embaraçosos) deslizes e, mais abaixo ainda, mostrei um filme alusivo aos Descobrimentos mostrando Cabral, ele mesmo, a produzir indevido efeito sobre um índio maneiro.

E, assim sendo, quem queira pagode é descer, que, aqui, agora, a conversa é outra. Não é que seja dramática mas divertida também não será.




Atraem-me algumas matérias que desconheço e que, por algum motivo, me aparecem como mágicas ou simplesmente poéticas. Acontece isso, por exemplo, com a física da matéria. Por acaso, agora que falo nisto, penso que há já algum tempo que não leio ou ouço nada sobre o tema.

[Ao escrever isto, interrompi a escrita e estive a ver alguns vídeos sobre o assunto]

Não me esforço por perceber. Aliás, prefiro até nem perceber. Neste tipo de coisas acho que, se mergulhasse nos aspectos mais técnicos e guiasse o meu raciocínio segundo os já desbravados caminhos do saber, deixaria que escapassem à minha percepção os aspectos mais luminosos e encantadores do assunto.

Sou capaz de ler livros sobre estes assuntos, de forma salteada, como quem lê um poema aqui, outro ali. Acho fascinante que aquilo de que tudo é feito se situe para lá da fronteira do nosso total entendimento. Fotões, quarks, a forma como se deslocam, o rasto que deixam, tudo isso para mim é magia. Já o contei (e é o mal de uma pessoa escrever como se não houvesse amanhã, já lá vão cinco anos, às tantas corremos o risco de nos tornarmos repetitivos): podendo escolher uma cadeira opcional na faculdade, por puro diletantismo escolhi Introdução à Física da Matéria, de um curso que não era o meu. Inesperadamente, tive um dezanove que tive que ir defender e para cuja sessão fui numa total inconsciência, sem me preparar e sem fazer a mínima ideia do que me esperava. Ainda estou para saber como, mantive a nota e recebi muitos parabéns. E muita gente manifestou a sua incompreensão sobre o que me levava a não me dedicar a sério a uma área na qual me movia com tanta facilidade. A questão é que a física das partículas, para mim, era como a poesia: um fascínio. E, nem por isso – ou talvez por isso - não me licenciei em literatura, ramo de poesia (se é que o há).

Igual atracção tenho por tudo o que se prenda com o cérebro, com o seu funcionamento, ou sobre maneiras de ser, o que as motiva, o que leva uma pessoa a ser como é. 

Tenho no meu pai a prova de como as ligações no cérebro podem apagar-se, renascer, flutuar, mudar de comprimento de onda, transformar-se. Desde que teve o último e profundo AVC já lhe vimos toda a espécie de comportamentos. No primeiro dia, lúcido, chorou quando me viu. Mal podia falar, tinha perdido meio campo visual e parte do corpo estava imobilizado e, muito naturalmente, isso desgostava-o bastante. No segundo, parecia estar numa euforia, cheio de planos para quando regressasse a casa (instalar acesso à internet, mudar os vidros das janelas, sei lá) e referia-se a uma enfermeira como sendo parecida com aquela miúda que vai à televisão e que tem umas grandes mamas. A minha mãe, espantada com aquele comportamento, recomendava que ele falasse baixo, que disparate, que alguém podia ouvir e que, para além do mais, mamas grandes têm elas todas, aumentam-nas. Ele ria-se. Depois lembrou-se: era a Ana Malhoa -- e a minha mãe ficou parva com o que ele tinha ido buscar. 

E foi variando. Houve uma altura que queria ter relações sexuais, até se queixou ao meu marido de que a minha mãe não queria. A minha mãe encabulada, mandando-o calar, e ele a insistir. Sentiu-se a minha mãe na obrigação de nos explicar o óbvio: que ele não estava minimamente em condições e que aquilo era mais um dos epifenómenos a que se vinha assistindo.

Quando a minha mãe esteve doente neste verão, choroso (apesar de não saber o que ela tinha nem ter bem a noção de há quanto tempo estava ela fora de casa), dizia ele que estava a rezar à Nossa Senhora. Fiquei perplexa e sem saber se era verdade ou mais uma baralhação. Sempre o ouvi, tal como ouvia ao meu avô, pai dele, referir-se aos padres como os padrecos ou a padralhada, sempre o ouvi referir-se às mulheres mais crentes como umas beatas. Não me lembro que alguma vez tenha ido à missa, quanto mais rezar.

Contou-me a minha mãe que ontem, estando ela a tentar evitar que ele durma durante o dia, senão não dorme de noite e não a deixa dormir, se queixava, com um certo toque de ironia, à senhora que lá vai tratar da higiene: não tenho conseguido dormir, aí o fiscal não me larga. Outras vezes refere-se à minha mãe, com arrelia, dizendo: ‘anda aí feita doutora, a dar ordens, só a querer que eu amoche’. Outras vezes, logo de seguida, é capaz de querer ir para um lar porque acha que dá muito trabalho e que tem pena de ser uma prisão para a minha mãe. E oscila entre todos os estados de espírito, sem razão aparente. Outras vezes percebemos que nem é ele: são os comprimidos. Há dias chamou a minha mãe e disse-lhe que já tinha morrido e queria saber onde é que iam pôr o caixão. Já não é a primeira vez que diz isto. A minha mãe já se ri, e diz-lhe como se se zangasse: ‘Ai! não sejas parvo, então achas que, se tivesses morrido, estavas a falar? Cala-te com essas conversas que não têm jeito nenhum’. A semana passada chamou-a, parecia assustado. Praticamente não vê nada mas, então, dizia que a minha mãe tomasse conta das crianças que ali estavam, todas de roda da cama, sem pararem sossegadas e sem ninguém a olhar por elas. Quando a coisa derrapa para estes domínios, a minha mãe pensa que é algum medicamento que está a provocar alucinações. Ou pensa que sabe qual é e reduz a dose (embora receie que alguma outra coisa descarrile), ou vai ao neurologista que lá muda ligeiramente aquele processo alquímico que serve de caldo no qual a mente se movimenta.

No entanto, li num livro de Oliver Sacks (a ver se um dia destes falo sobre ele que é deveras, mas mesmo deveras, interessante) que aquelas alucinações podem não ter a ver com a medicação mas com o facto de praticamente não ver. Há pouco fui ver se encontrava algum vídeo sobre isso e encontrei. Está ali em baixo.

São matérias tão misteriosas... É o nosso corpo e, no entanto, como ainda é um enigma, pelo menos para a maioria das pessoas.

Pela parte que me toca, não sei se há alguma relação entre a física das partículas, as neurociências, a poesia, a álgebra ou a geometria descritiva, os modelos de simulação e a inteligência artificial, a simetria e as cores puras das flores. Não sei mesmo. Não sei porque é que isto me atrai nem provoca em mim esta sensação de irresistível atracção que me leva a ler sem querer fixar, a contemplar sem querer perceber, a aproximar-me sem querer tocar. Não sei. E também não quero saber.
(...)
e já declina a beleza completamente despida
da jovem ateniense que abriu a porta e traz a luz ao quarto inteiro
de uma só vez,
mas deixa que se suspeite a treva infinda de onde chega,
ávida fêmea de que equívoca temperatura,
de perguntas como: que idade tem a terra?
em que data de que sítio é a primavera?
(...)


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Acima, o excerto pertence a um poema inédito de Herberto Helder publicado na revista de poesia Relâmpago, 36/37.

No título desta mensagem há um pequeno excerto de um outro poema, mas esse já de 1990.

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E agora aqui estão dois vídeos nos quais Oliver Sacks fala de enigmas que me fascinam. 

1.

Oliver Sacks explica o incrível efeito da música sobre a gagueira cinética do mal de Parkinson


Transcrevo o texto de apresentação do vídeo: Muitos têm conhecimento sobre o notável poder da música em fazer desaparecer os bloqueios de fala das pessoas que gaguejam (cantar é uma das formas mais infalíveis de eliminar momentaneamente a gaguez). Mas poucos sabem que um efeito similar também ocorre no mal de Parkinson, também chamado de gagueira cinética. Neste vídeo, o neurologista Oliver Sacks fala sobre como é surpreendente a forma com que pacientes parkinsonianos reagem ao estímulo fornecido pela música. Impedidos pela doença de falar e se mover com fluxo e suavidade, a música momentaneamente consegue trazer-lhes de volta à normalidade, restaurando-lhes a leveza e o ritmo dos movimentos. A história contada no vídeo é um dos casos clínicos relatados em seu novo livro, Musicophilia,


2.

Oliver Sacks: O que as alucinações revelam sobre as nossas mentes


O neurologista e escritor Oliver Sacks chama nossa atenção para a síndrome de Charles Bonnet -- na qual pessoas visualmente deficientes experimentam alucinações lúcidas. Ele descreve as experiências de seus pacientes com detalhes afectuosos e nos conduz à biologia desse fenómeno pouco divulgado.

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Lá em cima, o primeiro vídeo traz, de Hildegard von Bingen, Ave generosa (de Heavenly Revelations), numa interpretação a cargo de Oxford Camerata.

As fotografias da mulher que partilha um dos olhos com um animal e a última, a que os esconde com uma borboleta, são da autoria da húngara Flóra Borsi.

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E, agora, a quem ainda tiver paciência para me aturar, recomendo que desçam até aos dois posts seguintes, bem mais levezinhos.

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