sábado, dezembro 26, 2015

O que ganham os médicos no Serviço Nacional de Saúde




A conversa decorria sobre David que morreu porque não lhe efectuaram a cirurgia que o poderia salvar. Dizia um médico, durante muitos anos médico num dos grandes hospitais públicos de Lisboa, que, no governo de Passos Coelho, tanto cortaram em tudo que nada disto é surpresa -- nem novidade. Falámos que era o 5º caso. Ele corrigiu, que era o 5º caso deste tipo, o 5º caso conhecido.

E contou como sabia, pelos ex-colegas, os cortes que tinham sofrido: os da função pública, os das horas extraordinárias, os de isto, aquilo e aqueloutro. Contou que um dos grandes cirurgiões cardio-vasculares, uma especialidade complexa em que estão literalmente com a vida dos doentes nas mãos, ao falar com ele, lhe tinha contado que agora recebia 1.800 euros. 

Por isso, tantos saem, vão para a medicina privada.

Alguns colaboradores meus, que nem funções de coordenação têm e que não têm responsabilidades que se comparem, nem níveis de stress e, provavelmente, fazem muito menos horas de trabalho, ganham isso ou mais.

Paulatinamente e sem atender às alternativas que os médicos e enfermeiros têm nos hospitais privados, o Governo anterior reduziu, reduziu, cortou nos materiais, cortou nos contratos de manutenção, nos contratos de prestações de serviço, cortou nos ordenados e regalias do pessoal. Os custos do Serviço Nacional de Saúde reduziram-se, é certo. Mas o êxodo para a 'privada' foi brutal, deixando os serviços dos hospitais a trabalharem no limiar do risco. Ou melhor, em alguns casos, como agora se viu, abaixo dos limites admissíveis.

Dizia esse médico que, quando nos hospitais privados há um caso grave para o qual não têm meios de socorro, transferem os doentes para o público. O público era o último reduto. Agora já não é. Agora pode acontecer que não tenham equipas para acorrer às urgências e deixem morrer os doentes.

O actual ministro da Saúde já se chegou à frente e, aparentemente, segue-se agora um aturado trabalho de reconstrução. Mas não será fácil pois os médicos e enfermeiros que se transferiram para os hospitais privados dificilmente sairão de lá. O que Paulo Macedo, o tal ministro que tanta gente elogiava, fez enquanto ministro da Saúde foi um atentado ao Serviço Nacional de Saúde.

Dizia hoje esse médico: Dinheiro só há para salvar bancos. E eu pensei: 'Para salvar bancos -- não doentes. Os doentes podem morrer à vontade.'
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Pensei que escrever sobre isto não era lá muito natalício. Mas depois achei que sim: falarmos é uma forma de lutarmos. E lutarmos para que haja mais condições nos hospitais para atender a quem precisa é uma forma de querer o bem dos outros. E não é esse o verdadeiro espírito natalício?


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Lá em cima os UHF interpretam 'Podia ser Natal'
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Desejo-vos, meus Carlos Leitores, uma belo sábado.

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