segunda-feira, setembro 21, 2015

O dia 19 de Setembro na minha vida


No sábado perguntei ao meu marido se sabia que dia era. Não sabia. Disse-lhe. Não achou nada de mais. Perguntei-lhe se sabia que dia se comemorava. Não fazia ideia. De resto, nem mostrou curiosidade. Ao longo dos anos tem sido isto. Confesso que, na maior parte das vezes, também eu me esqueço. E também confesso que se ele se lembrasse espontaneamente acharia que ele não era lá muito bom da cabeça. Não sei porquê não acho graça nenhuma a homens muito cheios de nove horas, mentalmente apertadinhos.

Do meu não me posso queixar de nada disso. Por regra, não liga a mínima a mariquices do género (e digo mariquices por atenção a vós, meus Leitores, porque mariquices não seria a palavra que ele usaria).

Então lembrei-o. Começámos a falar num dia 19 de Setembro faz para cima de mil anos. Mas depois rectifiquei, Começámos não, comecei eu - porque se fosse para esperar que fosses tua tomar a iniciativa ainda hoje estava à espera. Disse-me Está bem. E pronto, eu ri-me por ele ser o que é, igual há mil anos, e ele riu-se por eu ser como sou. E o assunto ficou por ali. E ficou bem. Não há mais nada a dizer.

O nosso relacionamento começou como eu acho que os love affairs que perduram geralmente começam; por uma forte atracção física.
Já aqui o contei. Repito-me, pois. Mas as coisas são o que são, não vou mudar os factos. 
Não sabíamos quem éramos mas, se nos cruzávamos, as faíscas rodopiavam à nossa volta, uma coisa aparatosa. E depois eu voltava-me para trás e lá estava ele também virado para trás a olhar para mim.
Eu namorava outro, um namoro certinho, direitinho, e o meu namorado era louco por mim mas eu, que gostava muito dele, não era louca por ele.
E então, num certo dia 19 de Setembro, em que calhou encontrarmo-nos numa sessão de apoio a Timor, com gente timorense a cantar, Foho Ramelau e etc, fiquei atrás dele e ele esteve o tempo todo num desassossego, a querer ver-me mas sem dar muito estrilho e eu, sentindo-o ali, naquela inquietação, ainda mais me apetecia inquietá-lo, saindo do ângulo de visão dele, deixando-o sem perceber se eu tinha saído.




Depois, já na rua, umas senhora vieram perguntar-me como se ia não sei para onde e eu, que não sabia, vendo-o ali perto, dirigi-me a ele e perguntei-lhe se ele sabia. Não sei, se no meio do fogo de artíficio que certamente se gerou entre nós, nos lembrámos de esclarecer as senhoras. Só sei que ele me perguntou se me podia acompanhar até ao meu destino e fomos a pé até lá e marcámos logo para o dia seguinte e nunca mais nos largámos. 

Tenho ideia que, na altura, ele ainda andava com uma que até tinha sido minha colega no liceu mas confesso que, ao longo desses gloriosos tempos, nem me ocorreu perguntar-lhe se já tinha deixado de andar até porque eu própria namorava o outro e isso era irrelevante porque a nossa vida passou a ter como propósito, quase exclusivo, estarmos um com o outro. E, enquanto estávamos um com o outro, só nós dois interessávamos, acho que nos esquecíamos do resto do mundo.

Sempre adorei gelados
e corríamos Lisboa à procura de gelatarias
abertas mesmo no inverno

Claro que, tendo eu esclarecido que namorava outro e tendo eu informado o outro que havia um outro com quem gostava muito de estar, a coisa não poderia correr sobre rodas durante muito tempo. Por isso, tanto me dificultaram a gestão da agenda e tanto me maçaram (ambos) que, ao fim de alguns meses, me vi constrangida a ter que optar.
(Já nessa altura não me deixavam ser etrusca à vontade.) 
Acho que fiz uma boa escolha mas, com o escolhido, aprendi que há o hoje porque amanhã logo se vê. Acho que nunca me disse que vai gostar de mim até ao fim dos seus dias. E ainda bem que não o disse. Aquele que ficou para trás na minha vida jurava-me amor eterno, jurava a pés juntos que nunca amaria outra mulher na vida, via-se a ele e a mim, juntos, daí por muitos anos - e isso deixava-me nervosa. Sabia lá ele se eu estava para os ajustes de gostar dele até aos últimos dias da minha vida...

Quando nos casámos (eu com 20 anos)
fomos viver para um 15º andar e ficávamos
 assim, abraçados, vendo a cidade lá em baixo

Fez-me um bocado de impressão o 'novo' me dizer aquilo que eu dizia ao 'outro' - que sabia lá se no dia seguinte ainda haveria amor. Achava que sim mas que não sabia. De repente, ouvir isso da boca de outra pessoa em relação a mim, fazia-me sentir um bocado insegura.
Então eu ia deixar um que me amaria até ao fim dos tempos para ficar com outro que dizia que não sabia se gostaria de mim no dia seguinte?... e que, ainda por cima, o dizia com ar contrariado como se eu quisesse que ele se pronunciasse sobre uma coisa absurda. 
Mas ao fim de pouco tempo, dias talvez, adaptei-me a essa nova realidade e nunca mais, sequer, falámos disso. Hoje é o que interessa, amanhã é outro dia - e isto tira pressão, deixa de haver compromissos sobre realidades que não controlamos.

Sempre gostei de dançar e ele nem pouco mais ou menos.
Diz que gosta de jogar à bola - e ainda hoje o fez na praia.
Por isso, ou danço sozinha ou danço assim:
ele sem se mexer
mas a segurar-me na mão para eu rodopiar.
E eu não acho mal.
Fazer o quê?

Também nunca temos daquelas conversas da treta em que as pessoas se esventram para darem a conhecer as vísceras um ao outro. Não sentimos necessidade disso. Conversa a mais chateia. Conhecemo-nos o suficiente para adivinharmos o que faz sentido ser adivinhado. Não nos martirizamos com perguntas, com inquéritos, com tretas. Não quero conhecer todos os seus pensamentos nem ele os meus.

De resto, também não  quero que ele goste do que eu gosto nem vice-versa.

E habituámo-nos ao que somos. Ele sabe que eu sou intrinsecamente livre, digo e escrevo o que me apetece, gosto de me rir, de rir muito, apaixono-me loucamente por aquilo de que mais gosto, perco-me com aquilo de que gosto, e sou extrovertida e, reconheço, sou um bocado anárquica. E ele já desistiu de tentar educar-me. De resto, nunca se esforçou muito senão ter-se-ia tornado maçador e, com isso, correria alguns riscos. Ele tem um humor de tipo surreal (digamos assim) que me faz rir a toda a hora, mas é mais reservado que eu, nem se compara, é contido - embora volta e meia explosivo -, é organizado, e nada de grandes paixões com coisas como escritores, pintores, músicas. Gosta mas não é dado àqueles arroubos que me caracterizam. E felizmente. Odiaria viver com alguém cheio de arrebatamentos ou pior, igual a mim. Somos muito diferentes, sempre o fomos. Mas talvez por isso mesmo - e também porque aquilo que nos atraíu ainda antes de nos conhecermos nos continua a atrair - a verdade é que nos mantemos unidos ao fim destes gostosos mil anos.

E é isto. No dia 19 de Setembro de 2016, se eu me lembrar, perguntar-lhe-ei se ele sabe que dia é, ele não saberá, e quando eu lhe disser, é capaz de encolher os ombros e eu acharei muito bem porque eu própria, tirando estas coisas, já sabidas e ressabidas, também mais nada tenho a dizer.

...

Os desenhos são da autoria de Puuung. E nem a menina dos desenhos é muito parecida comigo nem, muito menos, o menino é parecido com aquele por quem o meu coração disparou desde a primeira troca de olhares. O meu era barbudo, não usava óculos (agora usa para ler), e nem tinha aquele cabelinho à nerd. Pelo contrário, por tudo, mais parecia um guerrilheiro.

E, de resto, nem eu nem ele somos do tipo de apreciar posters fofinhos ou desenhos a pingar amor mas, para ilustrar o que escrevi, o que é que eu ia escolher? Casalinhos de mão dada ao pôr do sol...? Quando os visse, ficava todo incomodado. E, mesmo assim, só por já estar habituado a estes meus escritos imoderados, é que não o ficará. E já sei que, quando lhe perguntar se leu isto, dirá que sim. E eu perguntar-lhe-ei se gostou e dirá que sim. E eu perguntarei: Sim? Mais nada? E ele perguntará Que é que queres que eu diga? E pronto, ficaremos assim. Com tudo dito.

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Janis Joplin, Cry baby.
Escolhi esta mas poderia ter sido outra dela. Nesta nem é que a letra tenho muito a ver mas a intensidade da interpretação vale por qualquer coisa.

(E não explico porque é que coloco aqui: o destinatário sabe-o)



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E hoje fico-me por aqui. No sábado deitei-me às 3 da manhã julgando eu que ia ter um domingo com pouca actividade. Tinha dito que, entre o almoço e as quatro e picos da tarde, hora a que iria para a praia com os meninos, poderia dormir um bocado, quiçá começar as desbravar os livros que aqui tenho. Errado. Tinha eu feito a minha caminhada matinal, quando soube que, afinal, o programa começaria logo ao almoço. Depois foi non stop até às oito, metendo a praia pelo meio (a praia estava uma delícia mas, bolas..., que trânsito estava para sair de lá).

Uma tarde inteirinha, feliz, buliçosa. Mas uma certa estafa, diga-se. Depois, cá em casa, a seguir ao banho, ainda fiz sopa, assei carne, tratei da roupa, etc. E o sábado tinha sido uma coisa jeitosa, ó se tinha. Por isso, estou perdida de sono e não quero começar uma semana de trabalho com vontade de dormir a sesta lá na empresa. Dantes tinha um sofá de três lugares no meu gabinete mas agora, neste sítio novo, os gabinetes encolheram e já não dá para essas mordomias.
No entanto, não fiquem agora a pensar..., quando tinha aquele belo sofá de pele verde escura à minha inteira disposição também nunca lá me deitei (mas olhem, sabem o que acho?: que fui parva, que devia ter aproveitado, que aquilo era sofazinho para lá se fazerem umas belas sonecas).
...

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira. 
Saúde e amor para todos.

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2 comentários:

Rosa Pinto disse...

Maravilhoso 19.
Sábado vi o Tejo com um tom azul claro lindo. Inesquecível. Tenho pena de não ter fotos.

Pôr do Sol disse...

São assim. Porque será que os homens nunca fixam datas?
È bom quando se aceita, mas sabe tão bem serem eles a lembrarem-se.
Parabens e continuação dessa felicidade.