sexta-feira, junho 05, 2015

Para encontrar o azul eu uso pássaros. Uso a palavra para compor meus silêncios.


No post abaixo já facultei instruções para quem queira fazer um bebé e, não contente com isso, também mostrei o que pode acontecer a quem queira encontrar amigos fora do Facebook. Ou seja, já fiz a minha boa acção do dia com ensinamentos relativos a temas de primeiríssima necessidade.

E pouco mais aqui vou acrescentar. Por mil razões estou cansada, perdida de sono. Tenho chegado tarde a casa, nem tempo tenho tido para as minhas retemperadoras caminhadas à beira rio e chego a esta hora e os olhos fecham-se-me e o corpo pede descanso. 


Flaming June - Sir Frederic Leighton, 1895

Um girassol se apropriou de Deus: foi em
Van Gogh.

(Did I ever love you)



Tenho vontade de apanhar o fresco da noite, sentir o ar lavado que se desprende das águas do rio, tenho vontade de ir à noite para a Feira do Livro, tenho vontade de ir ao cinema -- mas chego ao fim do dia e -- tivesse eu juízo -- iria logo para a cama em vez de estar aqui a cansar a vossa beleza; (quanto mais ir veranear).

Tenho aqui ao meu lado, quase ao meu colo, livros tão bons, e tenho tantos mails para responder, e certamente por aí pela blogosfera e jornais online haverá temas interessantemente explanados -- mas dou por mim desinteressada, cansada, com vontade que dormir ou ir de férias e desligar-me de tudo.

Por isso, tenho aqui estado sem fazer nada, a ver vídeos que me mostram Manoel de Barros a falar do valor e ingenuidade das palavras, da descoberta do seu sentido, ou vídeos de Leonard Cohen que também manobra as palavras com perícia e subtileza, a ver imagens de pinturas que me agradam. Descanso, portanto.

E dou por mim a pensar: as palavras têm um valor absoluto?

Se eu disser beleza, o significado é sempre o mesmo? Não é.
Se for pronunciada de frente, de olhos nos olhos, com uma carícia implícita na voz ou na mão que a escreve, aí a palavra beleza será um elogio franco, uma vontade de ficar perto: 'Que beleza'. Mas, se for dita com um tom fugidio ou seco, pode significar desprezo, uma ironia afiada, o contrário do que a palavra significa no dicionário 'Ah, que beleza...'. Mas também pode querer dizer intimidade, vontade de viver por dentro dela, da beleza. Nuances que mudam o sentido da palavra, da frase, do momento - talvez da vida.
A mesma palavra pode, pois, ser guião para histórias diferentes - assim quem a receba saiba interpretá-la e fazer bom uso dela.
É assim que, por exemplo, uma palavra banal, pronunciada sem intenção ou gravidade, se mal ouvida ou interpretada por outra pessoa, pode provocar um afastamento destemperado, uma amputação sem retorno. Nesse caso, a má interpretação que a mente fez sobrepor-se-á ao coração, ao corpo, ao destino.

The Painter's Honeymoon - Lord Frederic Leighton, 1864


Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear. Até que
ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou
uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham
idioma.



É, pois, imenso o poder das palavras. Uma vez comecei a namorar porque um pretendente, muito apaixonado, percebeu que eu tinha dito que sim ao seu pedido de namoro. O que eu sei é que, não querendo namorar com ele mas sim, apenas, fazer uma afirmação de independência face aos ciúmes dele que o meu namorado da altura tinha, fiquei atrapalhada com a confissão de amor tão sentida desse outro, uma entrega tão total nas palavras, que me senti inibida, incapaz de lhe dizer que não era correspondido na mesma medida. Não sei o que lhe disse mas sei que pretendi dosear o seu entusiasmo. Contudo, não foi isso que ele percebeu porque logo me abraçou e beijou e, mal se afastou, desatou a fazer poemas de felicidade. No dia seguinte, os meus amigos vieram dizer-me que ele estava radiante, feliz, feliz como nunca. Quando me vi sozinha, fartei-me de chorar. Não me sentia capaz de lhe causar um desgosto, não era justo nem honesto, mas não queria alimentar o equívoco. Não sabia o que fazer.

Eu gostava muito dele, admirava-o, mas não era amor de verdade o que eu sentia. Mas, mal ele chegava ao pé de mim, sorridente, cheio de abraços e beijos, não havia espaço para lhe dizer que não, não sentia coragem para lhe dizer que ele não tinha percebido bem.

O outro de quem eu gostava mesmo, não aceitou que eu o trocasse dessa forma tão imediata, não me perdoou, afastou-se, deixou de estudar, entrou por um caminho muito complicado.

Eu perguntava-lhe o que andava ele a fazer e ele respondia-me que eu sabia muito bem, e eu, de coração partido, queria dizer-lhe que me ajudasse a sair daquela situação, que era tudo um equívoco, que era dele que eu gostava. Mas não fui capaz, orgulhosa demais, e também não queria cometer uma deslealdade e uma maldade para com aquele que, involuntariamente, começara a namorar. O clima entre nós, verdadeiramente apaixonados um pelo outro, tornou-se tão tenso, ele zangado por eu ter começado a namorar aquele de quem ele tantos ciúmes tinha tido e eu zangada por ele, com os seus ciúmes absurdos, por ter criado aquela situação e se manter naquela trajectória de ruptura, sem perceber que bastaria uma palavra para tudo mudar.

Mas ele não disse essa palavra e eu também não. E mantive-me como a musa do outro, a namorada tão amada, tão adorada. Mas, para desgosto dele, inacessível no que ele tanto queria para si. De facto, vejo agora, não fui para ele, senão uma allumeuse.

Mais tarde deixei-o e causei-lhe um desgosto que muito, muito o marcou.


Idyll - Lord Frederic Leighton, 1880


Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.


Palavras. Palavras. Com palavras se ama, se afaga, com palavras se brinca, com palavras se odeia, se fere, se destrói. Não deveríamos, então, desvalorizar o significado das palavras e deixarmo-nos guiar antes pelo nosso coração?

Mas, dito isto, sinto também que parece que há uma força secreta que nos impede de dizer a palavra certa ou que nos leva a dar-lhes uma importância grande demais noutras alturas. Na altura não o percebemos mas, à distância, percebemos que o caminho percorrido parece ter um propósito.

No meu caso, depois desse tempo conturbado, de paixões interrompidas, de paixões não correspondidas, de paixões destrutivas, de tudo, conheci aquele por quem o meu coração, às cegas, caíu rendido, num irrefreável coup de foudre. E isso aconteceu porque, de facto, naquela altura o meu coração tinha espaço para esse amor louco que me avassalou de forma tão absoluta - e para o qual não foram precisas palavras, apenas o olhar e uma intensa atracção física.


Cymon and Iphigenia - Frederic Leighton, 1884


As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.

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Só dez por cento é mentira


(sobre e com Manoel de Barros)


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A itálico poemas ou excertos de poemas de Manoel de Barros. O título deste post provém identicamente de poemas do Poeta. Leonard Cohen lá em cima interpreta Did I Ever Love You.


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Permitam que vos recorde que abaixo há ensinamentos úteis em tempos de redes sociais: fazer bebés ou fazer amigos.

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E agora deixo-vos e vou pregar em silêncio para outro lado. 

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira. 
Felicidades para todos.

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1 comentário:

Anónimo disse...

Sempre fui um admirador dos artistas da corrente “Pré-Rafaelista”. Curiosamente, Leighton nunca foi membro desse movimento, embora estivesse associasso a ele . Tal como E. J. Poynter. E até John Brett. O que importa é que as suas obras se identificarm com esse movimento, ou estilo.
Magníficas fotos dessas obras de Leighton!
Gosto bastante do que aqueles Grandres Mestres nos deixaram. A Tate e o British Museum possuem um excelente acervo deste tipo de obras, que vale a pena ver.
Tomara poder ter alguns desses quadros cá por casa!
Bom fim de semana!
P.Rufino