domingo, junho 14, 2015

Notícias de Lisboa, a Bela, em tempo de Santos Populares -- com pássaros e vestidos coloridos e jacarandás floridos dentro [1º de 3 posts]


Lisboa é um amor de sempre. Os recantos imprevistos, a beleza que alguém acrescenta a um muro, a arquitectura nova que se entrelaça com a tradicional, a luz, ah deus meu, a luz, a cor das casas, as ruas de onde se espreita o rio, as árvores, as esplanadas nos largos, e eu que cada vez mais gosto de me deixar estar numa esplanada, e as pessoas de todas as nacionalidades que se cruzam deixando no ar vozes de línguas diferentes, e as montras e as livrarias e os antiquários e alfarrabistas. Lisboa é uma cidade inclusiva, acolhedora e alegre, uma cidade cheia de vida.




eu não existo mas desisto
sei que os pássaros mordem dióspiros
quero depois beijá-los
vi como se faz mas não me contam o segredo dessa prática
beijar pássaros, intumescer os lábios, preparar a mordida,
aceitar







Por entre casas históricas, entre ruas estreitas e inclinadas atapetadas com calçada portuguesa, esgueiram-se construções novas, traços lineares, transparências, espaços abertos para o lugar circundante. Quem por aqui ande, deve sair das ruas principais (Carmo, Garret, etc) e aventurar-se pelas travessas, ruelas, pátios, deve querer surpreender-se porque de surpresas suspensas nos instantes se faz a alegria da descoberta.




Por estes dias vivem-se as festas e, desde logo, a do seu Santo Padroeiro, Sto António. De noite, há música de marchas e sardinha assada no pão e vinho e ruas cheias de gente animada. Mas, de dia, há algum sossego. As ruas estão alindadas, vêem-se papelinhos coloridos e vasinhos de manjericos cheirosos, enfeitados com cravos de papel às cores e versos para todos os gostos.




Muitas mãos terão feito estes festões elaborados com muitos recortes coloridos que dão às ruas um ar de arraial popular. Lisboa é, afinal, feita de muitos bairros, de muitas e diferentes culturas e, mesmo aqui no seu coração, onde proliferam as gentes com ar de artistas ou um look alternativo ou vindas de fora, há sinais de que, por aqui, à noite, se vai comer e beber para festejar e honrar os santos populares.




As montras estão também floridas, as cores são de primavera e verão. E são as montras das lojas de porcelanas, são as das floristas, são as de vestuário, de moda. E os vidros das montras reflectem as casas da frente e todas as cores se fundem -- e os vestidos e as carteiras e tudo apela à leveza e à alegria de desfrutar a cidade.




Mais acima, ali ao Príncipe Real, chego a outros sítios onde os meus passos tanto gostam de me levar. Desde a minha adolescência que os meus passeios percorrem estes caminhos, entre jardins e belas casas. Dali vê-se o rio, dali partem ruas como raios que busquem a luz azul das águas. E as casas estão recuperadas, pintadas com as belas cores da cidade, o amarelo, o rosa, a sanguínea.




Um pouco mais para dentro, há casas que se acrescentaram, que se encostam a outras, que se avizinham, paredes rosadas num estreito abraço com outras em amarelo luminoso. E há pequenos quintais e águas-furtadas e janelinhas aconchegadas entre chaminés e pequenos toldos e pequenos muros e portões, e tudo se conjuga em harmonia.




E, se acima repararem, empoleirado no gradeamento da varanda, junto a uma janela com cortinas arrendadas, um gato espreita quem passa, apanha o fresco da tarde. Apreciará também a quietude das ruas, a paz que se respira nesta cidade tão generosa, onde a qualidade de vida é ainda tão possível (pudessem todos os seus habitantes ter condições de vida condignas, em especial os mais velhos que tão acossados têm sido com a desgovernação a que o País tem estado a ser sujeito nos últimos três anos e tal).




E depois há os céus de Lisboa abaixo dos quais se desenham os belíssimos candeeiros públicos e as flores docemente perfumadas dos jacarandás. Andar em Lisboa deve ser, pois, sinónimo de andar atento ao que se passa nas ruas, seja nas paredes, nas janelas, nas montras, no chão. E nos céus. E ao perto. E ao longe. Lisboa é uma cidade de grande beleza. Toda ela.



O tempo flui comigo
O que é parar?
Parar é igual a noite certo?
E o sol a andar comigo em dueto
Do chão eu perto
Andar é igual a sangue certo?

As tristezas dão-me penas
eu grácil, no amor fácil

E ser presente
Oh, que disparate rejuvenescer

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As duas primeiras fotografias mostram um mural pintado num recanto à saída do parque de estacionamento do Chiado.

Em itálico: em primeiro lugar um excerto do poema Deixar de cauda rasto e, no final, o poema Do encanto, ambos de Sónia Baptista in Tempus Fugit.

Maria Ana Bobone interpreta o Fado Lisboeta

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Convido-vos a descerem até aos dois posts seguintes onde poderão acompanhar os meus passos e ver o que os meus olhos vêem.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia de domingo.

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1 comentário:

Anónimo disse...

Apesar de S. António ser considerado "urbe et orbi", o padroeiro da nossa Cidade, na verdade o padroeiro da Cidade Branca é S. Vicente.

Um alfacinha nascido e criado em Lisboa.