quarta-feira, fevereiro 11, 2015

Coração atento ao rosto das imagens, face erguida, vontade transparente, inteira onde os outros se dividem /// No extremo dos seus dedos nasce um voo, no vértice do vento e da manhã uma asa vai - perdida dos seus dedos.


No post abaixo falei de Uma Thurman que se quitou de tal forma que mal parece ela. Conheço, por cá, gente assim. Conheço uma, senhora de sociedade, que já nem consegue sorrir de tal forma se esticou - e não estou a exagerar. Já nem se percebe onde acaba o nariz porque já se confunde com as maçãs do rosto. Só estou para ver quando é que a Paula Teixeira da Cruz nos aparece esticadinha, a confundir-se com a Luciana Abreu, ou a Ana Gomes nos surpreende aparecendo igual ao Herman José quando era mais novo.

Mas, enfim, isso é a seguir. Aqui, agora, mudo de rota ou, melhor, acho que vou sair dos eixos.





É tarde e estou num quarto de hotel mal empregado para ser ocupado por uma única pessoa e, ainda por cima, por uma pessoa que não tem a mania das grandezas. Há duas camas amplas e estão ambas à espera de ocupação embora eu esteja sozinha. Poderia estar sentada no moderno e confortável sofá em camurça cor de pérola que tem ao lado um candeeiro de pé com um design igualmente moderno e, em frente, uma mesa. Mas não, estou sentada na cadeira da secretária ampla, perto da televisão. Mas não estou a ver televisão, estou a ouvir a música que, a esta hora, se fizeram play, vocês também estão a ouvir. Magia pura. Leitor a quem muito agradeço deu-me conhecimento do encontro virtuoso entre Catrin Finch e Seckou Keita. Aqui interpretam Les Bras de Mer. É uma música de uma beleza que me toma por dentro.

Há bocado, quando me dirigia para o quarto vinda do bar, veio até mim o que me pareceu ser o cheiro da piscina. Tive uma vontade enorme de ir até lá e de mergulhar. Não trouxe fato de banho mas talvez não estivesse lá ninguém. Gosto de nadar nua.

Estive a dar uma vista de olhos pelos jornais online e o mundo parece esvair-se em guerras, desconcertos, apatias. Talvez haja recantos em que as pessoas ainda vivam alegres, esperançosas, cheias de confiança no futuro. Numa das cidades de que mais gosto, Donostia, há uma alegria solta no ar. À tarde há imensas mulheres com crianças nas ruas e nos jardins as crianças riem e chilreiam como pássaros inocentes. Presumo que as mães tenham horário reduzido e vão buscar as crianças às creches e depois passeiem com elas pelas ruas e jardins. Em Donostia há um restaurante numa cave de onde o vinho sai de uma parede. Aí, em mesas corridas, as pessoas juntam-se à noite para conversar, cantar, rir. Tenho saudades de ir a Donostia. No inverno o mar lá é rijo e cheira a limos e algas, uma maresia que me lava a alma. A ver se um dia destes lá vou de novo.

Estive a rever fotografias do meu canto onde os pássaros também são felizes e onde as árvores acompanham os meus passos. No outro dia reparei que um pinheiro está doente. Como está apertado entre dois outros, para me sossegar, pensei que se calhar os outros não o deixaram respirar. Mas fiquei preocupada não fosse ser alguma doença que ataque todos os outros pinheiros. Mas depois, lembrando-me do desgosto tão grande quando algumas árvores caíram num dia de  vendaval, pensei que tenho que aceitar com mais naturalidade que na vida tudo é assim, frágil, efémero. E vão-se uns, vêm outros. A quantos amigos perdi o rasto e quantos novos fui ganhando?

Ao ouvir esta música tão bela e que eu não conhecia antes, penso maravilhada na imensidão de coisas que está sempre à nossa espera, pronta para ser descoberta. E tantas vezes aqui na internet descubro pessoas que escrevem tão bem, que escrevem coisas que tanto me tocam, pessoas que antes não conhecia e que, apesar de não as conhecer de verdade, sinto que as conheço em toda a sua verdade.

O mundo, apesar de tantos de nós tudo fazerem para que ele seja triste, escuro, entediado ou medonho, é um mundo maravilhoso.

No meu heaven eu quis que as palavras dos poetas habitassem o espaço que me acolhe e, por isso, entre as árvores, junto às rochas, há poemas que estão impressos na carne daquela terra.


Não é a primeira vez que aqui o digo: estas são as palavras que eu gostava que me descrevessem


Eis aquela que parou em frente
Das altas noites puras e suspensas.

Eis aquela que soube na paisagem
Adivinhar a unidade prometida:
Coração atento ao rosto das imagens,
Face erguida,
Vontade transparente
Inteira onde os outros se dividem.



E o corpo abrindo-se à luz, as asas sempre soltando-se dos dedos, mesmo quando o corpo carrega sombras e pesos


Devagar, devagar, em frente à luz
Carregado de sombras e de peso
Arrancando o seu corpo da raiz
No extremo dos seus dedos nasce um voo
No vértice do vento e da manhã
Uma asa vai - perdida dos seus dedos.



E os anjos por perto, protegendo, ou eu, anjo, protegendo, segredando.
E as árvores, todas elas afecto, escutando. 
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Acho que o texto me saíu desconexo, palavras voando à solta. Não sei se o que escrevi faz sentido. Mas não vou reler porque tenho que me levantar cedo e estou cansada. Terei que vos pedir, uma vez mais, que relevem se as folhas das árvores fizeram sombra sobre a poesia de Sophia ou se algum pássaro se pôs a cantar quebrando o silêncio.

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Relembro que no post abaixo há mulheres que resolveram desfazer-se do rosto que tinham para se mascararem com outro.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quarta-feira.

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