terça-feira, dezembro 16, 2014

Cavalgar o monstro e sobreviver


Quando o meu filho era bebé, ficava durante o dia, até entrar para a infantil, numa senhora. Essa senhora era vizinha da irmã de uma colega minha de faculdade, professora do secundário, cujo sobrinho ficava com ela. Era uma senhora que tinha um filho que estudava engenharia. Era uma simpatia de senhora que, ficando em casa durante o dia, brincava com o bebé da frente sempre que o via, até que aceitou o pedido da vizinha para ficar a tomar conta do filho. Eu, que não sabia onde pôr o meu filho, ao saber dessa senhora e ouvindo rasgados elogios, lembrei-me de lhe pedir se ficava também a tomar conta do meu. A senhora hesitou mas acabou por aceitar. Eram pessoas que viviam bem, ambos uns queridos. O meu filho adorava-a e eu tinha uma confiança total nela. Mais do que uma ama, era como uma avó para o meu filho e o marido também um avôzão que o meu filho adorava.

Contudo, essa senhora vivia com uma angústia enorme dentro dela. O filho, um rapagão, alto, bem constituído, bom aluno no curso, tinha uma pancada que deixava a mãe aterrorizada: era bombeiro voluntário.

De cada vez que ela ouvia a sirene dos bombeiros, ficava em pânico e só descansava quando sabia que o filho não tinha ido ou, tendo ido, quando regressava, exausto, realizado.

Contava que desde pequeno o miúdo tinha tido aquela coisa de ser bombeiro, que o pai tinha-o levado por graça e que, aos poucos, aquilo se foi tornando um vício.

Embora, na altura, o meu filho fosse ainda bebé eu já percebia os medos dela. Enfrentar o fogo deve ser terrível, deve ser como enfrentar um insaciável monstro de calor, de brasa.

Mais tarde, quando o meu filho cresceu, de entre os vários desportos que praticou, um deles foi o bodyboard. Assustava-me imenso quando ele saía de casa, em dias de mau tempo, grandes ondas. Também só ficava descansada quando o tinha de volta e estava sempre pedindo a todos os santinhos para o mar estar chão. Depois foi a minha filha que se apaixonou por um surfista.

Agora já se deixaram ambos disso e eu até gosto de ver aqueles vultos anónimos que não me são nada, pontinhos escuros, que enfrentam os perigos do mar. Quando vou passear para a beira do mar, naqueles dias de mar grande, quase me deixo enfeitiçar pela força imensa daquela massa brutal que parece enrolar e engolir os pequenos vultos que o desafiam. 

Leitor a quem muito agradeço enviou-me um vídeo impressionante. Estive a vê-lo e mete medo: como é que aquelas intrépidas pessoas se metem debaixo daquela força incontrolável, um monstro imenso e medonho? Mas, ao mesmo tempo, que sensação de vitória e superação não devem sentir quando o vencem, quando cavalgam na sua crista e o sentem quase domado.



Surf pro Ryan “Hippo” Hipwood was almost killed two years ago when he decided to take on ‘The Right’ – the “most dangerous and unpredictable wave” in the world.


Monster Energy: Ryan Hipwood 'The Right' - SURF



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2 comentários:

Mar Arável disse...

Haja luz

Anónimo disse...

O meu filho mais velho é praticante de Surf. Já o mais novo, menos. O mais velho, que depois de ter residido fora e depois por cá, voltou lá para fora, mas vem cá, de quando em quando, está sempre com aquela de ir praticar Surf. Tem umas três pranchas, todas diferentes, para cada tipo de onda (?!). Uma tem uns 3m, ao que julgo com uma “quilha” mais pequena”, e serve para “surfar” ondas mais baixas, até 1m, longas, sendo as outras para ondas mais arrojadas. Agora, quando cá esteve, mandou fazer uma prancha (ele também as desenha ou constrói com todo o cuidado!) …para a neve, pois ali perto onde trabalha, em França, lá mais para cima há muita neve e faz, com os amigos, “snow-board” e, doravante, “snow-surf”! Os amigos acharam tão original que ele se calhar ainda irá fazer negócio com a ideia. O mais novo faz pouco, prefere a natação. Já um sobrinho nosso ganhou uma série de prémios como praticante de “body-board”, tendo estado na Indonésia e outros destinos, a divertir-se à grande, à custa daquela actividade desportiva. Por aqui, corria tudo que era praia. Actualmente está na Austrália, embora por razões diferentes, um mestrado em arquitectura, mas seguramente irá aproveitar aquelas ondas. Já o advertimos para os tais tubarões!
Felizmente, todavia, que nenhum deles alguma vez se atreveu com ondas daquele tamanho. Mas, o nosso mais velho, aqui há tempos chegou-nos a casa com perna e peito todos esfolados por ter ido de encontro a umas rochas, ali perto do Guincho, quando “surfava”.
P.Rufino