Por favor, vamos com música que vamos melhor
Philip Glass - Metamorphosis II
(com quem muito divergi nos tempos que ele refere ao dizer que integrava então a escola da pureza inconsequente)
Em 2008 a Europa estava a ferro e fogo com os fundos abutres a sobrevoarem as economias mais débeis, fundos que fazem apostas e que ganham com os incumprimentos, fundos que sobrevoam os países ou as empresas onde sentem o cheiro morno na carniça.
Poderia relembrar que a mesma Europa que antes, e bem, tinha tentado fazer frente a essa ofensiva dando ordem para que se avançasse em força com o investimento público para ver se se mantinham os motores da economia em movimento, veio depois (assustada com o escândalo das contas públicas falseadas da Grécia - falseadas com o apoio da Goldman Sachs e com a Alemanha a olhar para o lado, a fingir que não via, note-se) a mandar travar a toda a força, impelindo estes países para uma austeridade radical, provocando a angústia e incompreensão dos povos envolvidos.
"O Fabricante de Máscaras", (Wikicommons, Carlos Orduna) |
Mas o PSD de Marco António, Relvas e Passos Coelho estava noutra, a avidez pelo poder era muita, era cega. O CDS, qual mulher fácil, abeira-se sempre dos que se acercam do poder e, portanto, também embarcou na aventura. Numa união espúria (que para sempre carregarão nas costas), o PCP e o BE aliaram-se ao grupelho mais desqualificado de que havia memória.
O que aconteceu foi o expectável: o Governo caíu, a troika veio.
Na altura, tirando alguns aspectos como alguma redução dos direitos dos trabalhadores (que achei que deveria ser, depois, renegociado) e tirando o facto do prazo ser muito curto (devendo, também, ser posteriormente renegociado), não fiquei especialmente chocada com o programa da troika. Havia um conjunto de propostas, até relativamente equilibradas, para reformar todas as artroses da administração pública, as metas eram razoáveis, estimulava-se o diálogo entre os parceiros e o reforço dos apoios sociais.
Contudo, como todos os alunos marrões e pouco dotados, o novo governelho, este que ainda se conserva em funções, achou que se um comprimido por dia fazia bem à anemia, então porque não tomá-los às mãos cheias?
Contudo, como todos os alunos marrões e pouco dotados, o novo governelho, este que ainda se conserva em funções, achou que se um comprimido por dia fazia bem à anemia, então porque não tomá-los às mãos cheias?
Nessa altura, quais porcos a tomar conta da quinta, decretaram que o programa da troika era o programa deles e que iriam ainda mais longe do que o que era requerido.
Mas talvez tão grave quanto isso foi nunca terem percebido a razão da crise. Desde o início - e penso que até agora - pensaram que o problema residia na imoralidade ou fraqueza individual dos mais carecidos: os velhos que recebiam pensões mais altas do que o que precisavam, os desempregados que não trabalhavam porque não queriam, os mais pobres dos pobres que tinham contas no banco, os que compravam uma televisão quando podiam vê-la na montra da loja. Entretidos com a sua própria estupidez e moralidade balofa, não cuidaram sequer de fazer um simples cálculo aritmético para perceber quão ridículo era o seu raciocínio: quanto é que cada um desses pobres ou piegas precisava de ter gasto a mais para gerar um buraco tão grande nas contas do país? Se o fizessem perceberiam que jamais aí poderia ter residido a raiz do problema. Não perceberam isso tal como não perceberam que são os erros de gestão, nomeadamente os de gestão financeira (não terem renegociado os swaps de alto risco), o material de guerra pago por valores excessivos para cobrir luvas e outras prebendas, o dinheiro desviado da economia para offshores, o peso do serviço da dívida, a importação para suprir a ausência de indústria, e todas essas debilidades nacionais que pesam, e como pesam, no drama deste pobre país - e que deveria ser aí que deveriam ter incidido a sua acção,
Mas talvez tão grave quanto isso foi nunca terem percebido a razão da crise. Desde o início - e penso que até agora - pensaram que o problema residia na imoralidade ou fraqueza individual dos mais carecidos: os velhos que recebiam pensões mais altas do que o que precisavam, os desempregados que não trabalhavam porque não queriam, os mais pobres dos pobres que tinham contas no banco, os que compravam uma televisão quando podiam vê-la na montra da loja. Entretidos com a sua própria estupidez e moralidade balofa, não cuidaram sequer de fazer um simples cálculo aritmético para perceber quão ridículo era o seu raciocínio: quanto é que cada um desses pobres ou piegas precisava de ter gasto a mais para gerar um buraco tão grande nas contas do país? Se o fizessem perceberiam que jamais aí poderia ter residido a raiz do problema. Não perceberam isso tal como não perceberam que são os erros de gestão, nomeadamente os de gestão financeira (não terem renegociado os swaps de alto risco), o material de guerra pago por valores excessivos para cobrir luvas e outras prebendas, o dinheiro desviado da economia para offshores, o peso do serviço da dívida, a importação para suprir a ausência de indústria, e todas essas debilidades nacionais que pesam, e como pesam, no drama deste pobre país - e que deveria ser aí que deveriam ter incidido a sua acção,
Mas não. Não têm cabeça para tanto.
O desastre foi o que se viu. Perante os sucessivos desaires, Vítor Gaspar ia-se confessando perplexo, nunca percebia o que acontecia. Cortava nos ordenados e nas pensões, aumentava impostos, cortava nos apoios sociais, aumentava transportes e taxas moderadoras e, para espanto dele, as empresas começaram a fechar e o desemprego a aumentar para além do previsto.
E foi assim que a Segurança Social começou a desequilibrar-se, a dívida pública a aumentar, o défice a não abrandar, a recessão a impor-se, a emigração a aumentar.
Até que, não conseguindo mais gerir o descalabro, Vítor Gaspar se foi embora, confessando que tudo lhe tinha fugido das mãos, que a receita estava errada.
Poderia pensar-se que os que ficaram aprendiam alguma coisa com a lição. Mas não. Menos inteligentes ainda do que Vítor Gaspar, continuaram a persistir nos erros.
Depois de cortarem no rendimento disponível e na liquidez circulante, desataram a cortar naquilo a que chamaram gorduras: na investigação, no ensino, na saúde, na justiça. Sempre à toa.
É que poderiam tê-lo feito (embora o não devessem porque racionalizar não é eliminar!) com um mínimo de ponderação ou racionalidade. Mas não. Cortaram mãos, braços, pernas, com a displicência de quem corta cabelos ou unhas. Com os corpos em sangue e em sofrimento, apresentam-se, lampeiros, a pedir desculpa pelos transtornos ou a fazer pueris habilidades verbais.
E nós assistimos perplexos à desvergonha, ao desrespeito desta gente. Pensamos, com pudor, que um povo não deveria ser governado por gente tão ignorante. É que é tudo muito mau, mau demais, humilhantemente mau demais.
Mural de Rivera pintado no Palácio Nacional, México |
A devastação que esta gente provocou no País vai ser difícil de corrigir.
Há questões que são estruturais e só gente muito inconsciente e irresponsável é que, querendo fazer arranjos em casa, desata a deitar abaixo os pilares e as traves, as paredes mestras, a escavar dentro de casa. E nem mesmo quando lhes cai o tecto em cima percebem que a culpa é do que estão a fazer.
Durante muito tempo me interroguei: será deliberado? será ideologia?
Mas agora tenho para mim que não: é burrice mesmo, apenas burrice, aquela burrice estulta dos que nem sequer se sabem burros.
Mas agora tenho para mim que não: é burrice mesmo, apenas burrice, aquela burrice estulta dos que nem sequer se sabem burros.
Augustin de Lassus |
Ao fim de três anos, a dívida disparou para valores assustadores, o défice não desceu nem dá mostras de estar controlado, o desemprego mantém-se elevado, o esbulho fiscal mantém-se, a economia está mais débil que antes e, mais preocupante, e isto é mesmo o mais grave, o investimento parou e a demografia prenuncia uma catástrofe a prazo. Ou seja, o mal que foi feito não é apenas um mal imediato: não, é um mal que vai perdurar.
Poderia ainda falar em tantos outros aspectos. Mas são tantos.
Por exemplo, poderia falar na cegueira e leviandade como se actuou no caso BES deixando ruir e despedaçar um banco que era um pilar do sistema financeiro português, poderia falar no que está a acontecer na PT em que com a mesma ligeireza dizem que não têm nada a ver com isso, como se os 14.000 empregos directos e os ainda em maior número indirectos ou um importante centro de decisão nacional ou a detenção de tecnologia fossem letra morta, objectos dispiciendos.
Poderia também falar na ligeireza com que entregaram a energia aos chineses, parte significativa dos seguros aos chineses, os aeroportos aos franceses, os correios a não se sabe quem, e, com idêntica ligeireza, querem entregar os transportes públicos a quem calhar, as águas a quem der mais (mais ou menos, tanto lhes faz), e etc, etc.
Poderia também falar da ligeireza com que se acolhe gente cujas fortunas não são explicáveis e que estão a comprar todo o património imobiliário relevante, tal como poderia falar na igual ligeireza com que fecham os olhos ao facto de grande parte da comunicação social já estar nas mãos de angolanos.
Poderia ainda falar no preocupante e gravíssimo desprezo pela arte, pela cultura em geral, pelo conhecimento no seu todo.
Poderia falar no desprezo pela dignidade das pessoas, na indiferença perante a dor e o sofrimento dos que ficaram desempregados, nos que caíram na mendicidade encapotada, nos que foram para longe das famílias, nos que foram formar família longe do seu país. Poderia falar de tanta coisa.
Mas vou poupar-me porque falar nisto deixa-me doente. Se eu pudesse e se soubesse que não me ia meter em trabalhos, juro que soltava os cachorros atrás desta gente que tão mal fez ao meu País.
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Não gosto de acabar o meu dia debaixo de uma nuvem de arrelia malsã.
Podia, claro, escrever um outro post como geralmente faço.
Mas, em vez disso, vou antes chamar um Poeta para ver se, com as suas puras palavras, me ajuda a purificar o ar por aqui. Luís Filipe Castro Mendes com Imitado de Alberto Caeiro e depois com A Casa na Noite em A Misericórdia dos Mercados parece-me ser a voz certa para isso.
Ontem um homem das cidades
veio explicar-me os valores da vida.
Disse-me que a minha sobrevivência era um privilégio
e o conchego dos banqueiros uma justiça.
Falou-me de uma nova sociedade, feita de esperteza e água fresca.
Deixei-o falar.
Ele não sabe que ficou também do lado dos que perdem
e até o descobrir virão mais rosas
e a areia cobrirá todos os jardins.
O que foi teu e o que juntaste à vida,
tudo te mostra a casa iluminada:
no fim do caminho a luz estremecida,
no rasto dos teus passos a morada.
E a dança, senhores. Que os corpos digam de sua justiça.
Nederlands Dans Theater
SLEEPLESS
coreografia Jirí Kylián, música de Dirk Haubrich
GODS AND DOGS
coreografia Jirí Kylián, música de Ludwig Van Beethoven
MINUS 16
coreografia Ohad Naharin, música de autores vários
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E, por hoje, por aqui me fico.
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa terça-feira.
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5 comentários:
Que prazer me deu,ler esta análise,que só alguém com coragem superior,podia fazer,sem que os pindéricos políticos,economistas,empregados, de jornal tenham a veleidade de rebater!ISTO É A RASA(que na minha região,se usa,para nivelar,o conteúdo,dum alqueire,tornando a medida séria,para o vendedor,e comprador! RASA,é o que este povo precisa ,para que esta seita seja arrasada,como aqui foi escrito,com grande coragem e classe! Se me for permitido,porei na minha página facebook!
MUITO BEM, estimada UJM !
Belíssimo comentario e verdadeiro "serviço público" .
Que gosto e prazêr " ouvi-la", quotidianamente !
Melhores Cumprimentos
Vitor
Cara UJM
Subscrevo inteiramente os comentários de FIRME e VITOR. Espero e desejo que não se importe, pois tenho partilhado o seu blog no facebook
Muito obrigado e tudo de bom
HB
A Todos,
Muito obrigada. E, aos que perguntam se podem partilhar no facebook, respondo que sim, claro. E fico contente com o reconhecimento.
Um abraço.
VOU POR,A ESTROFE:POVO QUE LAVAS NO RIO:NÃO TALHES COM O TEU MACHADO,AS TÁBUAS DO TEU CAIXÃO... OBG.PELA PERMISSÃO,NO FACE...
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