sexta-feira, outubro 10, 2014

Patrick Modiano, Nobel da Literatura 2014. Eu não disse que, na volta, ainda me ia sentir, outra vez, uma ursa? Pois senti e duplamente. Quando vinha aqui confessar que nunca tinha ouvido falar em tal pessoa, não é que, por descargo de consciência, fui à procura e aqui tinha um livro dele...? E lido. Bahhh. Que cabeça de alho chocho a minha, caraças.


Alerta laranja: este é o quarto post da noite e até aqui foram só raios e coriscos a caírem em cima da cabeça de marmanjões do PSD. 

Abaixo deste tenho um post dedicado ao esclarificador semântico C-rato, com vídeos e tudo; depois tenho um drone inconseguido que se foi afogar num aguiar branco e, para terminar, tenho a prova dos nove: o láparo nem escrever sabe.

Mas tudo isto é a seguir. Aqui, agora, a coisa vai para domínios dedicados a gente que escreve bem - pelo menos, assim o dizem.

Digo isto e vocês devem encolher os ombros: olha para ela armada em erudita.

Têm razão: não sou erudita. Mas, neste caso, só por um triz é que não sou. Só mesmo por um triz.



Triz-triz: Lulu!


Natalie Merchant



Eu conto.

Quando ia almoçar, no carro sintonizei logo nas notícias, queria saber quem tinha ganho o Nobel deste ano. De manhã, na Antena 2, apostava-se no Kundera. Pensei que só a mim, tão bronquinha, não me ocorria ninguém em quem apostar. Sabia lá. E, também, deitar os búzios a que propósito? Sabe-se lá que critérios aquelas nobeis almas seguem.

Ouvi, então, o nome do laureado e, uma vez mais, devo ter ficado com cara de tacho: tinha ganho o prémio mais um ilustre desconhecido para mim. Patrick Modiano. Nunca tinha ouvido falar. 

De tarde, quando me apanhei em frente do computador, fui logo espreitar a cara do homem, talvez se me fizesse luz. Mas nada, nunca o tinha visto mais gordo. No carro tinha ouvido dizer que a escrita dele é elegante e os livros pequenos, que se lêem bem, e que não sei quê da memória e mais não sei quê da guerra. Nada. Nada daquilo me dizia o que quer que fosse. Ouvi quais os livros do homem publicados em Portugal. Aquele Domingos de Agosto pareceu dizer-me qualquer coisa mas pensei que, às tantas, era confusão minha com algum nome de filme, Querido mês de Agosto, talvez. Arrumei o assunto. 

Depois, à noite, cheguei aqui para confessar que não tinha nada a dizer sobre o senhor mas derivei para o desgoverno desgovernado e, por isso, só agora voltei ao tema.

Comecei por escrever o título do post mas, a meio, pensei, Espera lá, deixa cá ver. E lá fui. P.D. James, Peter uns poucos e, às tantas,  ao conferir melhor, pequenino e enfiado lá no meio dos Ps, eis que me apareceu o tal Patrick Modiano, o dito Domingos de Agosto. Pensei, Caraças. Mesmo bruta, com um livro do homem cá em casa e sem ideia nenhuma dele.


A capa não me era estranha mas pensei, Bolas, lembro-me da capa mas não do conteúdo, não li. Pego nele para o fotografar e vejo que tem marcas de dobras, vejo que está lido. Estive a folhear. Não me lembro de nada do que lá está. Não ficou gravado. Está bem que deve ter sido há uns três séculos mas podia ter ficado alguma memória. Mas não, varreu-se-me tudo. E não é o tipo de livro que me parece que o meu marido tenha lido, e, além disso, tem um rabisco que foi feito por mim. Fui mesmo eu a lê-lo, com certeza, e nem uma vaca na ideia (que é como quem diz uma vaga ideia).

Por isso, a esta hora podia estar aqui a fazer um vistão, vir para aqui armada em erudita, que a escrita do senhor é elegante como uma diva, que a história deste livro é simples mas cheia de memórias - e, no fim de contas, cabeça de alho chocho, não consigo dizer nada. Tristeza.


E, assim sendo, a ver se consigo um déjà-vu ou para ver se percebo se as palavras são esbeltas e as frases uma passerelle, vou fazer uma cópia com uns excertos das duas últimas páginas.

Foi a partir desse momento da nossa vida que sentimos angústia, um sentimento difuso de culpabilidade e a certeza de que tínhamos de fugir de alguma coisa, sem muito bem sabermos de quê. Essa fuga ter-nos-á levado para lugares muito diferentes antes de acabar aqui, em Nice.
Quando Sylvia estava estendida a meu lado, eu não conseguia evitar tomar o diamante entre os dedos ou contemplá-lo brilhando sobre a sua pele e dizer para comigo mesmo que nos dava azar. Mas não. Outros, antes de nós, se tinham batido por ele, outros, depois de nós, o guardaram um momento no pescoço e no dedo e ele atravessaria os séculos, duro e indiferente ao tempo que passa e aos mortos que deixava atrás de si. Não. A nossa angústia não vinha do contacto com essa pedra fria com reflexos azuis mas, sem dúvida, da própria vida. 
(...)
Nesse verão estava muito calor e nós tínhamos a certeza de que nunca nos encontrariam aqui. De tarde, seguíamos o aterro e avistávamos o ponto da praia onde a multidão era mais densa. Então, descíamos até essa praia, à procura de um pequenino espaço livre para nos estendermos nas nossas toalhas de banho. Nunca fomos tão felizes como nesses momentos, perdidos no meio da multidão com perfume de ambre solaire. À nossa volta, as crianças construíam os seus castelos de areia e os vendedores ambulantes passavam por cima dos corpos e apregoavam os seus gelados. Éramos como toda a gente, nada nos distinguia dos outros, nesses domingos de Agosto.


Bem. Depois disto, estou a ver que tenho mesmo que reler o livro. Pela conversa, ali tem coisa. Deve ter havido bernarda por causa do dito diamante. Tenho que ir averiguar.

E até me fez lembrar Nice, a praia de Nice, nada de jeito como praia, por sinal. Mas a cidade, com a praia e o mar azul, tem pinta.

Leio no fim de semana, o livro é pequeno.



Patrick Modiano, Nobel da Literatura 2014: um prémio irreal e abstracto





Tem um ar simpático, o senhor. Gosto da forma como fala e como sorri.
Não admira que os seus conterrâneos gostem dele. 
E, se calhar, escreve mesmo bem. Sem erudições mas com uma simplicidade empática.
Na volta, foi por isso que ganhou o Nobel e, na volta, essa é razão mais do que suficiente.


____


Relembro: sobre o desclarificado Crato, sobre o Aguiar Tinto e sobre o Pedro é descerem, por favor, até aos três posts que se seguem.


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira. E boas leituras.

...

2 comentários:

Anónimo disse...

Não sei quem é. Nunca ouvi falar. Nem tão pouco estou preocupado. Vou continuar sem saber quem é.
P.Rufino

Anónimo disse...


PATRICK MODIANO- com sua licença, UJM

Copio, porque na íntegra subscrevo e não o saberia expressar, um comentário deixado no blogue de Maria do Rosário Pedreira:

«Dora Bruder ficou comigo para sempre. Uma rapariguinha de 16 anos que tem conflitos familiares e foge de casa na Paris invadida pelos alemães. Apanhada a deambular pela Gestapo identifica-se como judia e é transferida para um quartel na periferia de Paris, estação de trânsito para os campos. Os familiares procuram-na e não mais sabem dela. O que aconteceu a Dora Bruder? Dora Bruder é uma rapariguinha real que existiu. Parece banal, mas não é quando escrito por MODIANO, o homem tímido que tem vivido uma vida solitária em Paris evitando as galas e feiras literárias. Não é um inovador de estilo literário; a sua força está na sensibilidade que lhe permite descobrir ângulos novos para histórias anónimas.
Por haver quem mais inove, não era o meu favorito para o Nobel, mas devo-lhe horas de prazer que merecem todos os prémios.»

Bom fim de semana. Leituras boas.

A.S.