domingo, outubro 19, 2014

Os livros em minha casa. Pequenos oásis de arrumação - e depois o resto.


No outro dia falei de bibliotecas lindas, arrumadas, coisa de gente ordeira, cenários que gosto de admirar, invejosa, estrangeira.

Como tantas vezes já aqui desabafei, ainda não percebi como se consegue ter os livros arrumados mas acessíveis e presentes. Na minha casa, os livros multiplicam-se e quase ganham terreno sobre as pessoas.

No entanto, não pensem que a bagunça é generalizada, absoluta. Não. Em minha casa tenho alguns redutos em que eles se mantêm disciplinados e quietos. Como nisto é ver para crer, vou mostrar-vos alguns desses pequenos oásis.



Mas, se não se importam, vamos com música. 

Sonia Wieder Atherton no violoncelo com Daria Hovora no piano


Nigun




Em tempos que já lá vão, não havia internet e as pesquisas eram feitas através de enciclopédias, colecções, obras em vários tomos. 

Quando comecei a trabalhar, dando aulas no secundário, fui abordada para ver se queria comprar uma enciclopédia. Pagá-la-ia volume a volume. Não resisti, claro. Quando os meus pais souberam, sabendo da minha imensa paixão por livros e sabendo que, desde sempre, a minha perdição por livros se sobrepunha à dos bens de primeira necessidade, fizeram questão de ser eles a oferecer-me a dita enciclopédia. Um a um, os livros da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira iam chegando e depois, mais tarde, os volumes com as actualizações. Bem útil ela me foi desde sempre e em especial quando os meus filhos tinham que fazer trabalhos para a escola.

Desde o início, houve a questão de onde arrumar tão extensa e pesada colecção. Perto da minha casa havia uma loja de móveis que abastecia essencialmente embaixadas e que, portanto, tinha um mobiliário clássico que sempre me agradou. Parte dos meus móveis provém dessa loja. A escrivaninha de alçado onde a preciosa enciclopédia, hoje quase coisa de museu, reside provém de lá.


Também durante muito tempo fui sócia do Círculo dos Leitores. De lá são várias colecções de História, de História de Arte, relativas a Património, o Grande Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa belamente encadernado. 

Esses livros hoje também se conservam imóveis, arrumados como gente educada. Ao escrever, noto que isto me faz sentir mal, como se estivesse a ser ingrata, desleal, a esquecer e abandonar amigos que deveriam merecer mais atenção.

Mas é verdade: quando agora quero pesquisar qualquer coisa ou ler alguns apontamentos sobre qualquer um destes assuntos que antes me levavam a folhear estes livros, procurando os índices, lendo os excertos que me elucidassem, nem me lembro já de recorrer a eles.

O vasto mundo está perto das mãos através da internet. Os meus hábitos mudaram tanto desde então.


Depois há também os autores portugueses de vasta obra, os clássicos, Eça, claro. Há algum tempo que o não leio e, de resto, nem tenho o hábito de reler seja que livro for pois a imensidão do que vou tendo para ler pela primeira vez não me permite ocasião para revisitar velhos amores. Mas, como a minha mãe anda a relê-lo e me vai comentando, deliciada, a sua actualidade e a ironia, ando com saudade e vontade de lhe fazer uma visita. Talvez A Capital ou Os Maias.

Nesta estante aqui, que é das últimas que veio cá para casa e provém do IKEA, e onde estão alguns dos portugueses do início do abecedário (nem todos, pois o Aquilino, o Camilo, e outros que têm obra vasta, estão numa outra, dedicada a estas colecções), está por exemplo a diva Agustina, bendita mulher que se me deu a conhecer através da Sibila que tanto me impressionou, e também António Lobo Antunes, embora os livros dele de crónicas andem à deriva por outras paragens.

Tenho-o dito muitas vezes. Gostei muito, na altura, do sopro de novidade que foram os seus primeiros livros (Memória de Elefante, Cus de Judas) mas, depois, a sua escrita entrou numa tal elipse labiríntica que ao fim de me esgotar em alguns, comecei a desistir pois canso-me ao fim de umas dezenas de páginas. Tento, juro que tento, e acho que devo tê-los quase todos, sempre na esperança de voltar a sentir aquele encantamento inicial, mas não consigo vencer aquele cavar e remoer sobre o mesmo terreno. Mas as Crónicas, essas sim, leio-as de gosto. Ele acha que as crónicas são apenas um ganha pão, um entretenimento, coisa menor, mas eu é por elas que agora me fico. Também aqui tenho, nesta estante, o Abelaira que me encantou tanto, quando os li. 

A partir de certa altura, faltando-me o espaço para arrumar mais livros, comecei a olhar para cada recanto da casa a ver se lá conseguia encaixar pequenas estantes de forma a que não estorvassem o passo. Algumas destas estantes foram feitas a feitio, desenhadas por mim, medidas milimetricamente estudadas para que coubessem nos recantos e para que nela coubessem os livros.

Esta aqui é uma delas. Aqui é onde se alojam os autores de língua espanhola, autores geralmente vibrantes, sensuais, revigorantes que sabem transportar para a escrita o sal dos mares do sul, o sol, o sangue, a magia das lendas, o sonho.

Nesta pequena estante, como podem ver, tenho uns quantos saleiros, réplicas de peças de museu e caixinhas de porcelana. 

Durante muito tempo tive uma perdição por caixinhas. Tenho-as clássicas, de colecção, tenho-as de vidro, artesanais, de madeira, de metal, de pedras.

Agora não é que não tenha mais esse gosto mas tenho a percepção de que não posso continuar a trazer tralha para casa.

Sobre esta estante, se repararem, tenho um relógio derretido a la Dali. Acho-lhe imensa graça, claro está.

E ainda tenho mais umas quantas estantes que ainda consigo manter bem apresentadas. Mas há um problema. Estando os livros ali tão postos em sossego, acabo por me esquecer deles. Quando me apetece ir à procura de um livro novo para ler, esqueço-me de ir às estantes, não me dá jeito, está tudo tão adormecido.

Então, por isso - ou simplesmente porque transporto em mim a semente do caos - tenho à minha volta montes terríveis a que de vez em quando dou a volta pois ou tombam e tenho que os arrumar melhor ou vou à procura de um e gosto de os percorrer a todos. 

A mesa redonda que aqui vêem é a mesa onde escrevo. Estou no lado oposto ao da cadeira que se vê, num pequeno canto, cercada de pilhas de livros. As cadeiras eram as cadeiras de madeira de uma das minhas avós. Resistiram décadas mas estou sempre com medo que um dia sucumbam sob o peso que agora carregam. Há, em volta da mesa, apenas duas cadeiras livres, aquela em que agora me sento e outra que tem que estar livre para o caso do meu marido precisar de trabalhar no computador (coisa que o deixa doente pois gosta de alguma ordem e esta minha propensão para me entrincheirar no meio de livros parece-lhe prova da minha falta de razoabilidade e ele ter que partilhar este espaço tira-o do sério).

Mas sinto-me tão bem, tão acompanhada, junto dos meus livros. É uma atracção fatal aquela que sinto por livros. E não é apenas pelas palavras que eles contêm, não é apenas pelas ideias, pelas imagens se for caso disso. Não. É também pelo objecto que eles são: a capa, a textura do papel, a paginação, o peso, o toque. Não há outro objecto que tanto me seduza. Como pensar em substitui-lo pelo e-book? Não é possível. Estaria aqui, agora, numa mesa asséptica, vazia, e eu sem os escritores que agora tenho junto a mim, amigos, anjos da guarda, presenças reais.


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E, por falar grandes escritores, que dois espíritos brilhantes se juntem:

J. Rentes de Carvalho e Eça de Queirós







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Hoje estive com a tropa toda na casa nova-velha do meu filho. A tarefa dos homens hoje era estucar a cave enquanto as meninas iam ao cabeleireiro cortar o cabelo e os meninos brincavam no quintal sob minha vigilância. Contudo, os meninos quiseram ir ver o trabalho dos homens e acabaram também a estucar, verdadeiros aprendizes de trolha.

Quando as mães chegaram, ficaram em choque ao verem os filhos cheios de gesso mas, enfim, isso é um mal menor face à enorme satisfação deles por fazerem trabalho de tal responsabilidade. 

Gostava também de vos mostrar a casa por dentro que está quase pronta e que está mesmo bonita (a cave é que ainda está quase na mesma uma vez que ficou para o fim).

E queria contar-vos como, ao fim do dia, a dona da casa - com um belo corte Bob - foi comprar chouriço, que o marido depois assou, tal como assou também castanhas e como, depois, estivemos todos sentados a petiscar, no melhor convívio.

Mas passa das duas da manhã e eu tenho tanto sono... Se amanhã não se meterem outras coisas, talvez mostre. Não pensei alongar-me tanto com os livros mas sou sempre assim, ponho-me na conversa convosco e nem dou pelo tempo a passar. Fazia-me falta ter aqui um chá bem quentinho para irmos bebendo em conjunto. Gosto imenso de chá, seja chá a preceito, seja infusão do que for, lúcia lima, cidreira, camomila, tília, menta, qualquer coisa mesmo. Se vocês aqui estivessem comigo, nesta minha sala cheia de livros, eu servir-vos-ia um chá quentinho e perfumado. Teria era que ver onde é que pousava o bule...


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo domingo.
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5 comentários:

bob marley disse...

São Paulo e Rio também têm os seus Costas - http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=4179335


a solução - http://www.soniarabello.com.br/porque-nao-ha-alagamento-em-toquio/

Pôr do Sol disse...

Esses seus bonitos recantos são locais de culto e paz.
Não se culpe pelo que não lhes dá.Livros são como Amigos que estão lá sempre que deles necessitamos.
Nunca lhe aconteceu sentir vontade de estar, com algum livro em especial que foi lido em determinada altura?
Não sou saudosista, mas é como rever um amigo que nos acompanhou numa tarde de inverno ou na recuperação de uma maleita.

Aceite uma caneca de chá príncepe,(gosto de o beber em canecas, aproveito e aqueço as maos) morno e perfumado como esta noite de branda temperatura.

Um beijinho e boa noite.

Um Jeito Manso disse...

Olá Pôr do Sol,

Gosto muito de Chá Príncipe. A minha mãe diz que faz muito bem. Também gosto de o beber em caneca. No emprego bebo-o em chávena e, se tenho visitas, também ponho o serviço de chá. Mas, em casa, em ambiente informal, bebo-o numa caneca que também agarro para sentir o calorzinho dele.

E sim, de vez em quando, tenho uma saudade, lembro-me de algum livro, e vou à procura dele. São amigos.

Agora que estou a escrever, tenho a janela aberta e sobe uma aragem fresca que deve vir do rio, e sabe muito bem. Parece tempo de verão.

Um beijinho, Sol Nascente!

Anónimo disse...

Olá jeitinho,
Adorei o relógio. Adoro Dali e os livros.
Beijinhos Ana

Anónimo disse...

Jamais aderirei ao e-book! Ou se gosta de livros, ou não se gosta. E, na verdade, embora os escolhamos pelos gostos literários ou culturais que nos são mais apelativos, a sua apresentação, quer da capa, quer da letra, quer das páginas e até da parte fotográfica, sempre que for o caso, é também muito importante. Agora, isto de comprar livros, tem de haver alguma auto-disciplina, que, todavia, por vezes tem os seus custos (já perdi alguns livros com esta minha actual atitude).
Hoje em dia, compro os meus livros já a pensar na possibilidade real que tenho de os ler num determinado tempo. Tempo que é de meses, ou 1 ano, ou pouco mais. E depois compro outros. E vou, por vezes, fazendo uma pequena lista. Onde ás vezes saiem uns e entram outros. Depende da prioridade do interesse de temas, assuntos, etc. Cada vez leio menos Literatura/Romance. Leio com dois objectivos, com base nas escolhas que - tal como cada um de nós que lê e gosta de ler - que faço, ou vou fazendo, dos temas ou questões em causa, e para obter cada vez mais informação, conhecimentos.
Mas, acho que tem de haver alguma disciplina na compra de livros, caso contrário, temos o problema onde colocar os livros. Já sofro também dessa situação. Tal como a UJM. Mas disciplinei-me. Todavia, acho fantástico que alguém mantenha essa chama assim tão acesa, como a UJM. Eu tenho-a, mas resolvi pôr a chama mais baixa, por razões de espaço e porque quero ler o que compro. Só admito não ler o que comprei se morrer entretanto. Daí que optei por me disciplinar. Morreria de desgosto se deixasse um livro por ler na hora da morte. Mas nada a fazer, se ela vier, antes disso!
E um viva aos livros. E um abaixo ao e-book! Ao que se chegou! Um dia dests nem precisamos de amigos, temos os tolos do Facebook que não conhecemos. E ainda acabamos a dormir virtualmente com alguém. Caminhamos para a imbecilidade eletrónica. Um dia, no cinema, como alguém dizia, nem precisamos de actores, criam-se os personagens por computador.E por aí fora.
P.Rufino