terça-feira, outubro 07, 2014

O aumento do salário mínimo e os idiotas de serviço - e a crise segundo Nuno Júdice


No post abaixo falei do Ébola e da forma - que parece óbvia - como este terrível vírus deve ser travado. Hans Rosling (outra vez ele), com os seus gráficos, é claro quanto a isto.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, quero falar de um tema que já é de há uma semana ou mais e do qual não falei porque o meu tempo é escasso e os temas sobre os quais me apetece falar nem sempre são os que flutuam sobre a espuma dos dias.

Leitor atento (e atencioso) a quem muito agradeço enviou-me um texto publicado num blogue de que eu nunca tinha ouvido falar. 

[Há milhares de blogues! Não sei como se consegue ter uma ideia de quantos, quais, de que é que vale a pena. Provavelmente não se consegue mesmo, vão-se descobrindo pouco a pouco. Volta e meia vou parar a alguns que pouco mais têm do que passarinhos e gatinhos e florzinhas e ideiazinhas de perlimpimpim - e fico espantada. Penso cá para mim: Mas porque é que alguém se dá ao trabalho de fazer uma coisa assim? Mas não deveria pensar. A blogosfera é uma porta aberta para um mundo infinito e toda a gente é livre de dizer o que lhe vai na alma; e um passarinho a ter pensamentos floridos pode dizer mais a algumas pessoas do que um texto chato e comprido sobre o salário mínimo como o que me palpita que vou escrever.]
Adiante. 

O artigo que me foi enviado chama-se A direita punitiva desconhece o fundamento do salário mínimo nacional, é da autoria de Isabel Moreira e o blogue o Aspirina B.



É um tema que me é caro, o da mão de obra barata. (Dito assim até parece um trocadilho a la Teresa Guilherme mas não é um trocadilho, é a verdade)



Song for my brother



Avishai Cohen with strings




No âmbito do programa de formação anual que tínhamos na empresa, participei durante uns anos num Jogo de Gestão que creio ser patrocinado, na altura, pela Cegoc e por mais umas quantas empresas. Mais tarde fiz o Jogo de Gestão da Católica que era parecido, senão igual, ao anterior.

O princípio é sempre o mesmo. Cada equipa é como se fosse uma empresa e as equipas devem ser constituídas por elementos que tenham as valências de gestão que existem nas empresas. Na minha equipa tinha vários colegas meus. 

O jogo consiste em tomar decisões a vários níveis sobre a gestão da empresa, sendo que nos é dado que estamos a actuar no mercado de um certo produto (automóveis, por exemplo) e relativamente ao qual nos é fornecido material de base como estudos de mercado, estudos estatísticos relativos à população, etc. Temos, no decurso de cada jogada, que decidir que produtos vender (gama alta, média, baixa, por exemplo), que quantidades se admite que se venda de cada produto, quanto se gasta em publicidade, quantos vendedores se quer ter, quanto se paga ao pessoal, se vamos gastar dinheiro em formação ou não, se vamos formar turnos ou reduzir pessoal, investir ou não investir, com capitais próprios ou financiamento bancário, etc, etc. Ao fazermos isso, vamos obtendo como que uma antecipação de resultados, aquilo que nas empresas designamos por um forecast.

Depois de todas as equipas em jogo (que, portanto, é como se fossem empresas a actuar no mesmo ramo de negócio) fazerem as suas jogadas, o computador simula as consequências e a seguir recebemos os resultados.

Quando recebemos os resultados vemos se conseguimos se ficámos atascados em stock, ou se, pelo contrário, vendemos tudo e entrámos em ruptura (nesse caso, os clientes vão à procura de alternativas e perdemos quota de mercado), se tivemos lucro, se os trabalhadores estão satisfeitos ou se fizeram greve (e nesse caso reduziram a produção), qual a percepção que o mercado tem de nós, etc. Tudo medido e sopesado, é feito um ranking das empresas e inicia-se nova jogada.

Escusado será dizer que gosto imenso destes jogos. Para além do objectivo do jogo em si, há a alegria de jogar, toda a gente opina, discute, quase anda à tareia, e conta anedotas, e eu, claro, farto-me de rir.

Um dos meus colegas é um somítico do caraças e portanto, quando jogava, só queria cortar nos custos (menos vendedores, menos pessoal, ordenados baixos, menos prémios de produtividade, menos formação); outro é um optimista enervante e vá de expandir à maluca, mais fábricas, mais escritórios de venda, campanhas na televisão como se não houvesse amanhã (e caras como elas são!); eu, por exemplo, tendo a preferir ter um produto gama alta, dinheiro para investigação, formação e marketing para cima, vendas em números reduzidos mas preço de venda alto.

Todas as estratégias são possíveis assim como a combinação delas. Claro que cada uma delas não é boa de per se pois tem que ser vista em perspectiva face ao posicionamento das outras empresas. Se eu apostar num produto tipo linha branca e as outras empresas também, ficará o mercado inundado de fancaria, a preço da uva mijona, sobrando stock que nunca mais acaba.

Ou seja, a melhor estratégia será a que vai crescendo, com inteligência e consistência, a partir das diversas interacções das empresas presentes no mercado.

Uma coisa é certa: raramente é bem sucedida uma empresa que aposte na indiferenciação, nos custos espremidos, na exploração da mão de obra barata. Para isso, haverá sempre concorrência com fartura e os trabalhadores só não mudam de empresa se não puderem, e têm baixos níveis de motivação e de produtividade. Quando íamos na cantiga do meu colega forreta, tínhamos sempre os trabalhadores à perna, greves e baixos níveis de produtividade e tínhamos sempre os nossos concorrentes com produtos mais apetecíveis e vendedores mais motivados.

Em contrapartida, com o meu colega mãos largas, ficávamos com produto excedente e um endividamento de três em pipa que nos impedia de ter dinheiro para as matérias primas ou pagar ao pessoal.

Estes jogos são réplicas da realidade.

Sei bem do que falo.

É bem sucedida uma empresa em que haja um bom equilíbrio entre todas as peças que contribuem para o resultado e para a sustentabilidade da empresa.

É essencial haver uma estratégia bem definida e flexibilidade para a ir adaptando, é essencial que todos saibam bem qual o seu papel e se sintam valorizados, é essencial que se entenda que uma empresa é um organismo vivo, em que a vontade e o saber das pessoas é o que mais conta.

Se o produto pode ser diferenciado, deverá sê-lo; se não, então é o serviço que deverá ser valorizado. 

Boas cabeças e cabeças motivadas geram boas ideias, fazem bons produtos, serviços aprimorados.

Empresas que apostam no sacrifício dos trabalhadores, nos trabalhos forçados, nos baixos salários e nas fracas condições, são empresas condenadas ao fracasso. Podem conseguir contratos, à peça, para outras marcas, mas são empresas a prazo, empresas que, faltando-lhes as encomendas dos clientes para quem trabalham a façon, se vêem obrigadas a fechar portas.

Admito que no pequeno comércio, em que a subsistência mal é garantida para o patrão quanto mais para os empregados, não haja como pagar mais do que o salário mínimo. Mas isso apenas deveria acontecer em situações quase marginais, de comércio de subsistência.

Sei também como é perversa esta coisa do outsoursing, dos call centers e de todos esses negócios terceiro-mundistas em que se exploram as pessoas até à última pinga de suor. As empresas, querendo aliviar os seus próprios custos, suprimem os seus postos de trabalho trocando-os por subcontratação. Claro que isso só é rentável para quem contrata se pagar menos do que o custo de ter pessoal próprio. Ora, atendendo a que a empresa contratada também tem a sua margem de lucro, isso só é possível se se pagar muito pouco a quem trabalha.

E há as enormes cadeias de supermercados em que, apesar de todos os bons rácios económicos, pagam miseravelmente às pessoas que estão nas caixas de supermercado. Poderia fazer algum sentido se pensasse que é uma forma de, por exemplo, os estudantes ajudarem ao pagamento dos seus estudos, um part time. Contudo, o conceito foi subvertido e o que acontece é termos lá gente formada que tem que se sujeitar a isso por não arranjar outro trabalho.

Ter parte da população a viver com um salário mínimo tão miserável não é apenas uma questão humanitária, ou, pelo menos, não é apenas uma questão directamente humanitária em relação aos abrangidos: é uma questão mais ampla. Quem recebe tão pouco, não paga impostos. Logo, outros terão que pagar por eles. Quem recebe tão pouco, pouco consome, logo o pequeno comércio local sairá lesado, quem recebe tão pouco, se puder emigra (e, logo, não paga cá impostos), quem recebe tão pouco, se estiver em idade de ter filhos, se calhar não os tem. Enfim, mil outros argumentos eu poderia aqui referir para evidenciar como um país não se desenvolve com parte da população a viver no limiar da pobreza e todos, mesmo os que mais ganham, pagam por isso.

Uma sociedade que vive assente em atitudes miserabilistas e com uma vistas curtas não é uma sociedade justa e feliz. 

Um país que se deixou esventrar, acabando com a sua indústria a troco de patacos ou que, em vez de aproveitar os fundos europeus para se modernizar, os usou para os meter ao bolso, é um país de gente idiota.

Empresários de faz de conta, gestores de meia tigela, governantes ignorantes, uma elite política abandalhada. E uma comunicação social maioritariamente nas mãos de vendedores de produtos da loja de 1€ que esvaziam a cabeça do público de manhã à noite. Quando vejo a programação da televisão generalista, lixo e mais lixo, quando vejo os analfabetos que as televisões por cabo convidam para opinar sobre tudo e mais alguma coisa,  quando vejo que fecha uma empresa aqui, outra ali, e toda a gente já acha normal, quando vejo a gentezinha fútil e de cabeça oca que pulula nas comissões de inquérito do parlamento ou que discursa como se soubesse alguma coisa da vida, tenho vontade de que alguém faça uma série de disparates que abane este miserável e estagnado status quo

Não falo em violência física mas actos simbólicos que atrapalhem ou envergonhem os visados, como aqueles que também já caíram em desuso, de se cantar o Grândola ou o Acordai ou desatar a rir quando todos esses idiotas falam (ou coisas do género).

As elites são uma desgraça. Aos anos de negrume seguiram-se anos de euforia, aos anos de euforia seguiram-se anos de quebranto, a esses sucederam-se os de mediania, depois os de mediocridade. E abulia. E para aqui estamos, a cabeça entre as orelhas, mais espantalhos do que gente, aceitando tudo, tudo.

Simon O'Connor






Comecei a escrever isto a propósito do miserável aumento do salário mínimo de que um badameco falando em nome da Comissão Europeia (nos estertores de um cherne fora de prazo) disse ser um sinal errado -  e de que os papagaios de serviço passivamente logo se fizeram eco.

Em vez de termos um primeiro-ministro e um presidente da república que mandassem esses palermas de Bruxelas meterem-se na vida deles e na da prima deles e que tivessem vergonha na cara pois não sabem o que é viver com 500 euros por mês - e que o dissessem com todas as letras e em linguagem muito pouco de salão - o que tivemos? Pois bem, uma vergonha: meio mundo a papaguear, a carpir ou a tirar partido do que umas nulidades pagas a peso de ouro resolveram bolsar.


Raios partam esta praga de inúteis que nos rodeia.

Bem podíamos era escrever por todo o lado Save the portuguese a ver se alguém nos acudia já que nós próprios parece que gostamos de ser os carneiros mal mortos deste filme de quinta categoria.


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Isto já para não falar nos sindicalistas ineficazes e igualmente inúteis que nos calharam na rifa.

E já também para não falar neste hábito de comadres que temos, cada um para seu lado, uns a fazerem, outros a desfazerem.


by Banksy

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Adiante.


Estive a tirar fotografias a livros novos que estão aqui a desafiar-me e tinha ideia de apresentá-los um a um, transcrevendo um bocadinho de cada; mas passa da uma e meia da manhã e eu não descansei o suficiente durante o fim de semana e ando cheia de sono. Por isso, por agora, fica apenas a fotografia geral.






  A Crise

- Não é caso para ter razão, disse o racionalista.
- Também não é caso que faça impressão, respondeu o impressionista.
- Talvez seja caso para duvidar, disse o agnóstico.
- É mas é caso para acreditar, gritou o crente.
- Se for caso é casual, comentou o materialista.

E quando o criado chegou à mesa com o vinho,
já todos estavam à pancada.

- Eu bem disse que isto acabava mal, suspirou o pacifista.



[de Nuno Júdice in O fruto da gramática]



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Relembro: o tema que se segue não é muito mais animador mas, ainda assim, acho que deve ser levado em atenção. O ébola deveria ser atalhado nas próximas semanas. Hans Rosling explica porquê.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa terça-feira.


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2 comentários:

Helena Sacadura Cabral disse...

"A Imperatriz Viúva" é um livro notável, na sequência, aliás, do seu outro grande sucesso, "Os cisnes selvagens".
"Os armários da noite" da Alice Vieira atinge em algumas poesias o nível da oração. É uma brisa para a alma.
Estou a ler, devagarinho, como sempre, o Nuno Júdice. É, como sempre, fabuloso!

Anónimo disse...

"Ouro e Cinza" é inesquecível, pela aprendizagem da inteligência e bondade no olhar.

Maria Helena