Agora já estou no campo. Cheguei cansada a casa, à cidade, quilómetros de autoestrada depois de dois dias de reunião, grande parte em inglês, com almoços, jantares, cocktails e coffee breacks sempre com conversas de trabalho. E na noite de quinta para sexta dormi mal. Não consegui ler, a luz era fraca. Ora, acostumada que estou a ir para a cama já a dormir, ali arranjei uma espertina que não vos digo nada. Quando cheguei, perdida de canseira, o meu marido achou que o melhor era jantarmos fora e assim fizemos e, de seguida, ala moço que se faz tarde, heaven com eles.
Pelo caminho vinha a tentar não adormecer, mas só a muito custo não me deixei tombar; depois estive a ver a telenovela da SIC, a D. Constância toda derretida com o neto escurinho ao qual mandou dar o nome de um filho que perdeu em pequeno. Bonita esta telenovela brasileira que se chama Lado a Lado.
Entretanto, agora, enquanto tento escrever, tenho isto na TVI, 4 brilhantes comentadores a falarem da Casa dos Segredos. A Fanny, tatuada e veterana, disserta sobre a estratégia do jogo dos outros, outro, bicha assumida e de quem agora não me lembro do nome, um com colete e lacinho ao pescoço, parece ser o intelectual do serviço mas na versão 'bicha intelectual da moda e dos big brothers', outra é a Carla Pinto, bonita e simpática, e a moderadora é aquela que também esteve no Big Brother e se casou com o Marco do pontapé, uma Marta que antes era morena e agora está loura.
Falam de coisas que não percebo, intrigas insignificantes, de um Odim, que me parece que é um de cabeça rapada que ali está com uma crista esquisita, de uma Daniela e de uma tal Agnes mas tudo o que ouço dizer parece desprovido de sentido. No meio do comentário, passam uns bocados da vida dentro da gaiola e as conversas são também de anedota.
E eu penso que a vida em Portugal está a tender para a ópera bufa. Nem é miserável, é apenas ridícula, rábula barata.
Antes tinha espreitado a net e vi que o Carrilho e a Bárbara andam outra vez na capa das revistas a acusar-se mutuamente de violência, directamente ou por interpostas pessoas, um vómito.
E eu penso que a vida em Portugal está a tender para a ópera bufa. Nem é miserável, é apenas ridícula, rábula barata.
E eu perdida de sono. Não sei de nada sobre o que falar pois tenho a cabeça vazia. Nem consigo ir à procura de nada pois não faço outra coisa senão bocejar enquanto tento não me deixar cair a dormir.
Ontem ao jantar, mesa quadrada para 12 pessoas à larga, uma de várias mesas da sala, perguntava-se a um colega inglês se conhecia escritores portugueses. Nem fui eu que puxei essa conversa, apanhei a conversa neste ponto. Nenhum. Não fazia ideia. Saramago?, perguntou um dos convivas. Nunca tinha ouvido falar, Sorry. Outra insistiu: ... Prémio Nobel? Zero. Camões, Pessoa? Nada.
Perguntei: E inglês? Não percebeu. Esclareci: E algum escritor inglês, conheces...? Atirou-se para trás na cadeira. Se eu estava a gozar com ele, e riu desconfiado. Insisti: Nomes. E ele insistiu também, Kidding me...? E eu, Names, please. Os outros calados. Pensei, conhecendo-o bon vivant, todo dado a ténis, golfe, futebol, viagens, que literatura era coisa que não lhe assistia. E ele sorrindo, como que a querer virar o jogo: De que época? Esperto, a ver se me apanhava. Qualquer. Nomes. E então, picado, desatou a dizer. Vários e dos bons. E sorriu olhando para mim e para os outros, querendo colher os louros. Os outros sorriram, ele tinha ganho um ponto e merecia a recompensa de um sorriso.
Lembrei-me, então, das minhas personagens femininas. Imitei-as: E um poema? E ele muito admirado: Um poema? Os outros calados, sorrindo, a ver onde ia parar a conversa. Confirmei: Sim. um poema. Um. Vá.
What? Queres que eu diga um poema?. Respondi, Sim. Um. Mas, entretanto, pensei, Se a mim alguém agora à mesa me pedisse para dizer um poema provavelmente não me lembrava de nenhum ou, mesmo que me lembrasse, não me estava a ver a recitar numa mesa cheia de colegas. Mas deixei-me de rebuços e insisti, Vá. Um poema, estamos à espera.
Então, como se é isso que queres, prepara-te porque vai ter, chegou a cadeira para trás, afastou o corpo mas com o braço esticado em diagonal e com a mão apoiada na mesa, pose de bardo, começou a dizer Dylan Thomas.
Pensei, que não era possível, que aquilo não estava a acontecer. O alto e bronzeado inglês, todo dado a paródias e boa vida, ali estava declamando um inesperado poema.
Poderão vocês, meus Caros Leitores, achar que estou a divagar mas juro, é verdade.
A mesa em silêncio, estupefacta, e ele
Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.
Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.
Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.
Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.
Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.
Dylan Thomas reads "Do Not Go Gentle Into That Good Night"
A vida passa a vida a surpreender-me e cá estou eu pronta para ser surpreendida.
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Tirando este pequeno episódio não me ocorre mais nada.
Por isso mostro-vos apenas interiores que vão bem com o Outono e maquilhagens que vão bem com o que se veste, Vi-os na Harpar's Bazaar. Não tem nada a ver com o que tinha estado a escrever mas também, a bem dizer, não tinha escrito sobre nada em particular.
E agora só sei que tenho que me ir deitar. São quase duas e meia e eu dou por mim de olhos fechados.
Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado.
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4 comentários:
Bela crónica, UJM.
Mostra-nos como a vida vai decorrendo entre banalidades e uma agradável e "improvável" surpresa.:) No caso, a "casa dos segredos", um momento de poesia...
Tudo escrito assim com essa naturalidade que a caracteriza.
Bom fim de semana.
Bj
Olinda
:)
Traga-me um cheirinho dos perfumes lá desse sítio paradisíaco chamado: Heaven.
bj
sempre tão fáceis de impressionar, não mudam nada.
Não conhecem Portugueses lá fora, a culpa é nossa. Não os divulgamos nem cá dentro.
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