sábado, junho 14, 2014

In heaven com o perfume do alfazema (e, porque 'isto anda tudo ligado', também com a Ana Cristina Leonardo, no Expresso, a propósito de Herberto Helder e do 'vírus da poesia')


A quem goste de casas de sonho, vidas de luxo, mordomos eficientes, fiéis e jeitosos, mesas postas como deve ser, cãezinhos amorosos e muito glamour, recomendo que, depois deste, desça até ao post seguinte onde mostro três das casas de Valentino, o célebre, rico e bem penteadinho estilista.


Mas isso é mais lá para baixo. Aqui, agora, a conversa é outra.


Lavender hills, se faz favor




Eu não tenho mordomo nem demais criadagem (e bastante falta me faziam), cãezinhos fofos, castelos fabulosos, iates em Veneza, mas tenho uma casa no campo. É onde estou agora.

Chegámos com uns abrasadores 37,5º, mal se conseguia estar na rua. Mas a casa estava fresca. As paredes são espessas e, fechada, a casa conservou a frescura da última vez que cá estivemos.


Estive a ler o Expresso e agora que estou a escrever isto e a tentar recordar-me do que li - apesar do tema da escravatura que claro que me impressionou, parece até impossível, e apesar das trafulhices do 'impoluto' Ricardo Salgado do GES que mereceriam um post inteiro - aquilo de que, assim de repente, me apetece falar é do artigo da Ana Cristina Leonardo em que escreve sobre o mercantilismo em volta da edição do último livro de Herberto Helder, começando a crónica por recordar Cesariny que se terá, a dada altura, desfeito de um quadro da Vieira da Silva, dizendo que o tinha trocado por uma carcaça, relacionando ela isso com o valor que talvez tenha no mercado negro um livro esgotado de HH. 


A propósito, tenho pena que o Expresso recorra tão pouco ao trabalho de Ana Cristina Leonardo. Já aqui o disse: posso nem sempre ter concordado com o que escreveu - o que é normal (o consenso permanente é malsão) - mas reconheço nela uma acutilância e qualidade de escrita bem acima de alguns dos que agora escrevem na secção de livros do Actual. 

Para além disso, temo que esta sua escassa participação se traduza numa redução dos seus rendimentos. Há tempos ela falou que, por causa da crise, teve que mudar de casa e a semana passada falou que tomara que não lhe cortem a luz. Para meu próprio sossego, ao ler coisas assim, prefiro pensar que são metáforas mas, aqui o confesso, fico sempre com medo que seja verdade. Pessoas ligadas à cultura deveriam sempre ser acarinhadas e nunca descartadas. As televisões estão cheias de porcaria, pimbalhada e estridências, e eu penso que, em vez dessas inenarráveis tretas, haveria público para muitos mais programas culturais. E os jornais e as revistas também - mas é certo que cada vez as pessoas compram menos papel e, na internet, as pessoas querem ler sem pagar. Há aqui questões por resolver e penso que a resolução que se anda a procurar vai sempre pelo caminho mais fácil - que não é, forçosamente, o melhor.
Agora estou a lembrar-me que Herberto Helder também escreve, neste seu último livro, que tomara ter dinheiro para comprar a próxima garrafa de gás, ele que, segundo também escreve, tem uma reforma de pilha-galinhas. Também não sei se são metáforas, se é uma escrita por simpatia, se é a triste realidade.

Dizia eu que li o Expresso e li-o todo, de ponta a ponta, (saltando as páginas de desporto e, em parte, as de política internacional) mas, pelo meio, adormeci e dormi o sono dos justos. Tenho a sorte de adormecer facilmente e deve ser um sono profundo porque, mesmo que seja curto, é reparador. Acordo sempre como nova.

Apenas por volta das 8 da noite fui capaz de ir lá para fora e, mesmo assim, ainda estava calor. Disse 'da noite' mas disse mal: estava sol e as abelhas andavam doidas em volta de um bocado de água junto à mangueira. Estive a regar algumas flores mas não reguei um décimo do que devia. Devíamos também cortar a erva que, em alguns sítios, cresceu e se transformou em matagal, devíamos aplicar bondex nas portadas, nas portas e nos bancos de madeira, que já estão tão secos. Meses de chuva e agora um calor destes estragam as madeiras. O alumínio não é tão bonito mas, ao menos, não dá trabalho a manter. E antes de se aplicar o bondex dever-se-ia lixar tudo mas onde é que há tempo e energia para uma coisa dessas, a preceito? O tempo é sempre tão escasso e, quando cá chegamos, vimos a precisar de descanso. Nem sei quando o poderemos fazer. Amanhã de manhã já estou de volta à cidade, vai ser um fim de semana cheio de programas familiares. As férias são poucas e, mesmo assim, também sempre cheias de afazeres. De qualquer forma, com calores destes também não é possível estar-se na rua a fazer trabalhos assim.

Os figos ainda estão pequenos, as ameixas também. Já só há uma ou outra nêspera no alto das árvores, nem se consegue lá chegar e, aquelas a que consegui chegar, doces como mel, já estavam bicadas pelos pássaros.

De tarde, com o calor que estava, o perfume das flores estava bem presente, era um perfume doce, uma misturas de vários odores. Os loendros, as sardinheiras, os tamarindos, os pinheiros, os cedros, o tomilho, o rosmaninho, todos os perfumes se misturam. As abelhas não largam as flores e eu ando de volta delas a tentar fotografá-las mas, mal as consigo focar, elas levantam da flor em que estão e vão para outra.

Mas, de todas as flores, nesta altura, a que mais perfume liberta para o ar, a mais suave, a mais sublime na sua perfeição tão simples, é o alfazema. É um perfume tão limpo, tão bom, um perfume que dá vontade apanhar com as mãos, guardá-lo nas gavetas, entre os livros, e, sobretudo, enviá-lo entre estas palavras para que chegue, com toda a minha estima, lilás, inocente e fresco, até vós.


Alfazema in heaven


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Ainda não é hoje que aqui partilho convosco o artigo sobre o braço da NSA na Europa e sobre o que lá se passa. A ver se amanhã o consigo pois penso que talvez achem interessante saber um pouco dessa realidade paralela - eu, pelo menos, achei.


Relembro:  caso gostem de ver casas espectaculares e ver o que é uma verdadeira vida de rico, desçam, por favor, até ao post a seguir.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo fim de semana!

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4 comentários:

lidiasantos almeida sousa disse...

COMO SE PODE COMENTAR IMAGENS TÃO LINDAS, PALAVRAS TÃO SÁBIAS? É DE FICAR SEM PALAVRAS CADA VEZ MELHOR!!
AJOELHO-ME E PENSO SERÁ QUE AQUI HÁ DEDO DO PEDRO MEXIA? QUE PARA MIM É INSUPERÁVEL. OU TALVEZ SEJA PELO AUTOR/A DESTE MARAVILHOSOS BLOG. DÁ DEUS PÉROLAS A PORCOS. SEM OFENSA AOS LEITORES/VISORES DE UM JEITO MANSO

jrd disse...

"Back in Blog".
Se é verdade que isto anda tudo "ligado", também é claro que a "ligação" só é possível, porque há quem tenha o talento de saber "ligar" e a magia de conseguir espalhar o perfume da alfazema.
Boa semana

Um abraço

Um Jeito Manso disse...

Olá Lídia!

O Pedro mexia escreve muito bem e eu gosto bastante de ler o que ele escreve mas isto aqui não tem dedo dele, não senhor. Claro que uma pessoa, mesmo sem querer, é influenciada por aqueles que admira mas, enfim, o que aqui se lê, salvo quando expressamente se diz que é uma transcrição, é meuzinho meu. E é pouco. Quem se dá ao trabalho de aqui me vir visitar, merece muito mais do que isto mas, enfim, quem dá o que tem a mais não é obrigado..


PS: Com estas minhas azáfamas familiares ao fim de semana que se juntam às profissionais durante a semana nem tenho conseguido responder-lhe e agradecer o que me tem enviado. A ver se um destes dias arranjo matéria onde encaixem as suas fantásticas colagens (e as do seu co-autor, a quem também agradeço).

Obrigada!

Um Jeito Manso disse...

Olá jrd,

Que palavras são agradáveis de ler. Fico contente por saber que o cheirinho a alfazema chegou até si. Já sabia que o cheirinho a alecrim atravessava oceanos mas agora ainda fico mais encantada com o alfazema por atravessar os vastos e desconhecidos espaços que a todos unem.

Muito obrigada. Fico toda 'sem jeito' com palavras tão simpáticas assim.

Um abraço!