quarta-feira, março 19, 2014

Profissões que tornam felizes aqueles que as praticam: desenhadores de letras (The Font Men)


Quando vou de manhã para o trabalho, vou geralmente a ouvir a Antena 2. Por vezes, calha o entrevistado ser um fazedor de instrumentos musicais. Gosto, então, imenso de o ouvir. Concentro-me no que diz não vá perder alguma palavra e depois não ser capaz de reconstituir o sentido da frase.

É um mundo que me é totalmente alheio.

Quando um fazedor de instrumentos ou um especialista num determinado instrumento fala, eu ouço com a mesma curiosidade e deslumbramento com que ouviria um extra-terrestre: com que conhecimentos eles mostram entregar-se a um mundo tão particular que eu desconheço. Sabem tudo, falam com amor e desvelo, conhecem todas particularidades e o que faz a diferença, e é toda a sua vida ao serviço daquele instrumento. 

Num mundo empresarial como aquele em que me movo, se aparecesse alguém a falar com tanta entrega de um violino ou de uma guitarra, os executivos fariam um sorriso condescendente ao fim de dez minutos. Do Passos Coelho nem falo. Ao fim de dois minutos, perguntaria com o ar convencido tão típico dos ignorantes: 'para que é que isso serve?'.

E, no entanto, para aquelas pessoas, aquilo é tudo. Sabem mil coisas, distinguem cada variante, reconhecem pelo som, pelo toque, por cada pequeno pormenor. E há um prazer desmedido no que falam. Chego a parar o carro à porta da entrada do parque para ficar a ouvir. (Quando desço às catacumbas do estacionamento perco o sinal). Em dias assim é com esforço que desligo a rádio para dar início a mais um dia em que os encantamentos não têm lugar.

Quando, no Grupo onde trabalho, há encontros de Direcção ou de Quadros, geralmente convidam-se pessoas para fazerem prelecções, trazendo outras experiências para dentro das nossas empresas. Costumam convidar-se pessoas de renome: grandes empresários, afamados catedráticos, gente do jet set empresarial, convidados estrangeiros desses que fazem a alta roda das conferências internacionais, etc.

Por muito boas que sejam as suas intervenções, a mim nunca me dizem grande coisa. Déjà vu. 

Os meus colegas nunca seguem os meus conselhos: convidar poetas, músicos, pintores, gente que se entregue com paixão a uma arte. Acham que 'a malta' não ia perceber, que seria polémico, que, no final, 'o pessoal' ia gozar. Não é essa a minha opinião. Acho que o importante numa organização que se queira inovadora, especialmente em tempos como os que vivemos, é que haja paixão, entrega, capacidade para pensar 'fora da caixa'.

Conversas arrumadinhas ou sounbites económicos ou palermices que fazem moda num dado ano para logo caírem no esquecimento ou palavreado politicamente correcto, ouve-se e esquece-se um dia depois.

Pode ser que um dia me ouçam e resolvam arriscar. Acho que, ao contrário do que temem, 'a malta' iria adorar.

Quanto mais mundos conheço, mais me convenço que a verdadeira felicidade e que a essência da vida residem na simplicidade das coisas e bem aventurados os que a elas são capazes de se entregar com desmedida paixão. 

Um Leitor, a quem muito agradeço, deixou-me num comentário um surpreendente filme: o dos fazedores de 'fonts'. O prazer com que eles falam, a alegria. Usamos as letras e nem dos detemos a pensar em quem as inventou. O mundo passa-nos despercebido, andamos sempre tão distraídos.

Transcrevo o texto que acompanha a publicação do vídeo: 

You may not have heard of Jonathan Hoefler or Tobias Frere-Jones but you've seen their work. Before their recent split, they collectively ran the most successful and well respected type design studio in the world, creating fonts used by everyone from the Wall Street Journal to the President of the United States.


Font Men, gives a peek behind the curtain into the world of Jonathan and Tobias. Tracking the history of their personal trajectories, sharing the forces that brought them together and giving an exclusive look at the successful empire they built together.





***

E agora sigam, por favor, até ao post a seguir: é o melhor barbeiro do mundo, senhores e senhoras!


2 comentários:

Bob Marley disse...

"Os meus colegas nunca seguem os meus conselhos: convidar poetas, músicos, pintores, gente que se entregue com paixão a uma arte", TAVA A ARRUMAR UNS LIVROS E VI O "AKIO MORITA - A CARREIRA DE UM SUPERGESTOR FUNDADOR DA SONY - Presença , um dos principais conselheiros de Akio Morita , era o maestro Leonard Bernstein.

como vê ele já seguia o seu conselho, se calhar a sony é o que é, por isso-)))

Bob Marley disse...

caso queira recomendar a leitura ao seu Boss - http://www.leitura.gulbenkian.pt/leitura3/index.php?area=rol&task=view&id=12510