domingo, dezembro 01, 2013

A austeridade é uma ideia perigosa - digo eu, diz Mark Blyth e diz toda a gente que tem mais do que um neurónio. Estamos a precisar é de ressuscitar o Dia da Restauração que isto de estarmos nas mãos de quem funciona com um único neurónio - e ainda por cima um neurónio coxo - é uma grande chatice.


Domingo não é o melhor dia para falar de coisas sérias mas o facto é que, se me ponho a escolher dias, tantos são os assuntos que convocam o meu interesse que alguns acabarão por ficar para trás.

Austeridade. Vou voltar ao tema da austeridade, esse muro que levanta uma barreira entre os liberais e os humanistas. (Sei que esta dicotomia não é lá muito canónica mas escrevo antes de pensar e tenho tanto que fazer aqui hoje que não me posso deter em taxonomias. Adiante).

De vez em quando, se algum indignado levanta a voz, aparece o usual coro de ofendidos clamando contra a violência da linguagem. Sendo Portugal o país por excelência dos brandos costumes e da suprema mansidão, se alguém chama os bois pelos nomes, aqui d'el rei que não havia necessidade, que nisto, até ao fim, há que manter os punhos de renda.

Pois bem, que os usem até que a guilhotina caia sobre o seu próprio pescoço quem gostar de se deixar matar por delicadeza. (Disse Rimbaud: Par délicatesse j' ai perdu ma vie - mas ele foi um afortunado: perdeu a vida e voltou para o contar; não se fiem em igual milagre os delicados desta vida).

A questão é que toda a política que está a ser seguida em especial em Portugal - onde nos coube, por pouca sorte, um governo da mais infeliz indigência mental - é não apenas errada como perigosa. E o drama maior é que não estamos a falar de uma teoria académica que está grosseiramente errada mas de uma burrice passada à prática, de um brutal sacrifício que está a ser infligido à grande maioria da população e que continuará a causar danos por muitos e muitos anos.


O empobrecimento e o retrocesso civilizacional que está a ser imposto a Portugal não resolvem nenhum problema, nenhum - pelo contrário só os agravam. 

Muito gostaria que dispusessem de uns minutos do vosso tempo para ouvirem Mark Blyth, professor de Economia Política na Brown University que esteve a semana passada em Portugal para uma conferência na qual se discutiu se a austeridade cura ou mata. 





Muito interessante também a entrevista que passou na TSF e que pode ser ouvida dobrada em português. Seria bom que os que, tendo um número normal de neurónios, deixaram que eles se afogassem aquando das lavagens à cabeça a que se deixaram submeter, tentassem ver as coisas segundo esta perspectiva e percebessem que a dívida aumentou 40 pontos percentuais desde que Passos Coelho tomou conta do Governo (passou de cerca de 90% do PIB para 130%), o défice continua bem longe das metas, o desemprego está umas centenas de milhares acima do que era suposto, os jovens qualificados saem do País aos milhares e milhares, toda a gente está mais pobre (excepto Américo Amorim e mais uns happy few) e por aí fora.


Que ninguém se deixe iludir, pois, que ninguém se deixe tomar por parvo.

*

Este texto está a ser escrito no dia 1 de Dezembro, Dia da Restauração


2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei de ouvir Mark Blyth. Fez bem em recoradar estas suas palavras. Esta austeridade deve-se a decisões políticas erradas, naturalmente com um determinado objectivo – transformar o país numa economia (ultra)liberal e aberta, sem ter em linha de conta os diversos interesses nacionais, nem muito menos os sociais, matéria que nada importa à tripla incompetente Passos,Portas,Albuquerque. Mas, vou mais longe: o resultado desta política é a ruína economico-social de Portugal e nesse sentido esta gente ordinária (governo, ou melhor, pelo menos os seus principais responsáveis, de hoje e de ontem, como aqueles 3, mas também Gaspar, Moedas, etc) deveria ser acusada de gestão danosa agravada e constituída arguida. Deixo-lhe uns textos, que recolhi, a título de contributo:
1-“Current austerity measures ought to be seen as a strategy aimed at prolonging the neoliberal era. If the purpose of austerity policies is to ensure high rates of profit through the depression of wages, the reduction of the welfare state, and the further privatisation of public services, leaving financial regulation essentially unchanged, then the evaluation of the efficacy of government interventions should be quite different from that based on the simple goal of reducing the public debt-to-GDP ratio. Rising unemployment, far from being a failure or an unintended side-effect of austerity, may instead be a mechanism to regulate the capital-labour conflict so as to ensure a containment of wages. Austerity configures a route out of the crisis that is based on further weakening the working classes, and continued financial domination of the economic and political arena. However, in my view, this strategy leaves unsolved the underlying problems (huge inequalities, financial instability) which threaten the global economy, and augur the next crisis. (escrito a 25 de Junho de 2013). Por Alberto Russo que é “ Assistant Professor of Economics at the Department of Economics and Social Sciences, Università Politecnica delle Marche, Ancona (Italy).
2-“Austerity, ‘the quality or state of being austere’ and ‘enforced or extreme economy’, became a buzzword. In practice, austerity means an economic and social policy based on balanced budgets to be achieved by reduced government spending, especially on employment and social policies, an approach entirely consistent with the neoliberal paradigm that has dominated policy-making for several decades. Yet the depth of the crisis provided an opportunity for rethinking the neoliberal policy package that had replaced the Keynesian welfare state, established after the Second World War.”(retirado de um artigo escrito por Stephen McBride e Jessica Merolli, que trabalham para a McMaster University, Ontario, Canadá, neste mês de Novembro)
P.Rufino




Um Jeito Manso disse...

P. Rufino,

E, no entanto, apesar de ser tão óbvio, esta gente ainda consegue ter quem os apoie. Dá para perceber?

Impregnou-se na matriz cultural das pessoas esta coisa da culpa que faz com que assumam culpas que não são suas e aceitem pegar erros que não foram seus.

Daqui por uns anos este período há-de ser estudado como um absurdo pegado, como anos de destruição e empobrecimento, como um exemplo de uma teoria errada.

Isto deixa-me passada: como é possível que não seja impossível interromper tamanha burrice, tamanha enormidade?

Eu sei porque é: é que há quem muito ganhe com isto.