terça-feira, julho 09, 2013

Francisco em Lampedusa, chorando por aqueles por quem ninguém chora, apelando contra a globalização da indiferença. E Emmanuel Jal, um ex-menino da guerra, que recorda os horrores, os fantasmas - e que contando as suas memórias nos faz perceber de que fogem aqueles que se fazem ao mar, correndo todos os riscos, em busca de uma Europa que idealizam (enquanto nós, europeus, os ignoramos, acamados na nossa indiferença e decadência).


No post abaixo, recordo a dupla cirurgia a que fui submetida há um ano. Aquilo por que passei e o calor e a indolência - recordações um bocado pesadas. 

Mas, enfim, isso é lá em baixo, a seguir a isto.

E, de resto, entendamo-nos: nada, nada, nada que se compare com aquilo de que vou falar agora.

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Sempre me custou muito, mas mesmo muito, quando tomo conhecimento de que barcaças carregadas de pessoas desidratadas, desnutridas, naufragam ou têm à sua espera forças policiais que fazem aquela pobre gente prisioneira. De muitas desgraças que acontecem quotidianamente esta é das que sempre me tocaram mais.

Por vezes os corpos dão à costa. Outras vezes vêmo-los sem energia, encolhidos, derrotados. Muitas vezes deitados no areal, cercados. Acossados, humilhados, derrotados - e despojados de tudo.

Não posso falar muito mais disto pois não quero que pareça forçado da minha parte. Sinto um respeito tal que me tolhe as palavras. É das coisas que mais me custa: pensar que se fazem ao mar, correndo riscos tremendos, sem saber o que vêm encontrar, sabendo certamente que tantos caem ao mar, morrem pelo caminho, são presos, mães que vêm com os filhos, alguns de colo. Em embarcações frágeis. Imagino os sustos que passam, de noite no mar, a fome, as aflições quando uns começam a morrer, o que se passará a bordo, nem quero pensar.

Vêm em busca de um mundo melhor. Muitas vezes não o encontram. Muitas vezes, se sobrevivem, são recebidos por forças militares, e são filmados e aparecem nas televisões, e já ninguém liga. São notícias vulgares. 

No outro dia, prenderam-se a redes de pesca e os marinheiros cortaram as redes. Banal. Apenas mais uns africanos a quem a viagem correu mal.

Antes de virem, durante quanto tempo sonharam por um mundo melhor? Quantos horrores sofreram? O que era a vida destas pessoas que se arriscam tanto para fugir do que tinham, em troca de um futuro tão tragicamente incerto?


O depoimento de Emannuel Jal deve ser visto apenas por quem não seja excessivamente sensível pois é barra pesada. Outro dia, mostrarei a música dele. Mas hoje são as suas palavras que eu quero aqui para percebermos um pouco daquilo de que fogem alguns dos que sonham com o paraíso europeu. A história dele não passou por fugas por mar mas coloco-a aqui para que imaginemos um pouco o que pode ser a vida em condições extremas - e de como, apesar disso, há quem se rebele, quem preserve a capacidade de sonhar, de lutar por uma vida melhor.




Emmanuel Jal teve sorte. Alguém olhou por ele. Alguém o ouve, o respeita.

Mas e os que não têm sorte? Aqueles de quem ninguém quer saber? As mães que partiram com os filhos ao peito, para lhes dar uma vida melhor e que chegam a terra já sem as crianças, e são presas e enviadas de volta para a miséria da qual quiserem fugir? Alguém consegue imaginar a dor, a culpa, o arrependimento, a frustração?



Francisco fala com imigrantes ilegais


Pois bem. Foi com incontida emoção que soube que Francisco, o Papa, saíu do Vaticano para ir celebrar missa a Lampedusa, para chorar aqueles por quem ninguém chora. 


Francisco, com estes seus gestos, emociona-me. Esta é a generosidade e a proximidade das pessoas, de todas elas, em especial das mais pobres, das mais indefesas, que eu aprecio. 

Não quero saber de encíclicas, de teorias, de rituais, de missas como aquela de que os lusos noticiários nos deram conta, nos Jerónimos, cheias de pompa e circunstância, de gente que canta e se abraça, que se levanta e senta e ajoelha, rituais e mais rituais, e que aplaude como se fosse um espectáculo, e que mistura devoção por um deus distante com devoção por pífias e tristes figuras da politiquice nacional. Nunca me apanham nestas missas, nada disso me diz nada. A Igreja para mim não é fausto, ou multidões em delírio, ou prédicas a cheirar a moralismo. 



Jorge Bergoglio, Papa Francisco: um homem bom


O que me emociona mesmo são estes gestos de Jorge Bergoglio, tão próximo do coração dos que mais desfavorecidos são - pessoas de carne e osso, com anseios, como nós, e que nem são olhadas, como se fossem meros acidentes do destino, gente que não é gente. 

Jorge Bergoglio interpela as consciências: Olhem o que andamos a fazer! 

Ele quer que não nos deixemos ficar contemplativos, bovinamente apaziguados, indiferentes. Ele quer que pensemos: Que mundo é este? Como deixámos que isto chegasse a este ponto?

Estas são as perguntas que Francisco nos obriga a colocar. A nós próprios. 

Para que mudemos. Porque temos que mudar.


**

[Para saberem das minhas recordações sobre o meu pós operatório em dias de calor e indolência é descerem um pouco mais].

*

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um dia muito bom.


1 comentário:

dbo disse...

Cara UJM,
realmente, Francisco deu uma lição de humildade e civismo a todos os políticos que vêem na miséria dos outros a sua oportunidade de enriquecimento e protagonismo doentio. Custa ver aqueles desgraçados, em busca de um paraíso que não têm na sua África de exploradores e guerras tribais, chegarem (os poucos que chegam) à praia e ali sucumbirem. Muitos ficam pelo caminho, tramados por armadilhas e más condições de transporte.
Sempre julguei que nos dias de hoje ao planeta fosse usufruto de todos, mas o tribalismo sectário continua mais vivo nos países ditos civilizados. Concordo, de certo modo, com fronteiras, mas não com barreiras inimigas e fatais. Desde que haja respeito pelas normas de cada território, não vejo por que motivo os espaços devam ser proibidos a qualquer humano, seja qual for a sua condição social, cor ou nível cultural e civilizacional. A terra é de todos, mas o poder e ganância organizativa das sociedades levou a esta ferocidade e rejeição entre os homens. Com certeza que deve haver leis e condicionantes comportamentais, mas nunca para se recusar guarida e trabalho a quem, de boa fé, pretenda mudar a sua vida para melhor.
Reenviar esses desgraçados para o ponto de origem é condená-los duas vezes, quer negando-lhes melhoria de condições quer penalizando-os, muitas vezes, com as leis vingativas do país de origem. Esperançosos, saem do inferno e quando esbarram na liberdade dos seus sonhos, são recambiados para mais penoso castigo desse inferno.
O mundo deve e tem que mudar!

Saúde e felicidades