domingo, maio 19, 2013

A importância das pessoas vai diminuindo à medida que nos distanciamos delas


Afastam-se. Cada vez mais afastados. De casa para os gabinetes, dos gabinetes para outros gabinetes, fechados em viaturas que avançam de vidros fechados, a alta velocidade, cercadas por outras viaturas, e sempre rodeados por anónimos seguranças. Longe das pessoas. Cada vez mais longe. As pessoas protestam, mesmo que protestem cantando ou rindo. As pessoas incomodam, só servem para incomodar. Por isso eles se afastam das pessoas. Por isso eles se isolam. Nos gabinetes discutindo números, ouvindo falar sobre modelos, percentagens, rácios. Casas decimais. 18,9%  ou 19,0%. Nem são sequer já números: apenas rácios, cálculos, fórmulas.

Para eles, as casas decimais não são pessoas. As pessoas são uma abstração longínqua. Não são desempregados, gente cuja dignidade definha. Não é gente fraca, submissa, com medo. Não são velhos envergonhados. Não são velhos dependentes, assustados. Não é gente doente, sem dinheiro para se tratar. Não são jovens sem esperança no futuro. Não. Há muito que, para eles, as pessoas perderam o rosto. São casas decimais ou já nem isso. São erros numa folha de cálculo.

E depois as palavras destituídas do seu mais puro sentido. As palavras não são a expressão de pensamentos ou sentimentos genuínos: pelo contrário, são artifícios, são nebulosas poluídas, armas na mão de gente sem moral. São palavras sem real significado, vazias, completamente vazias, palavras distantes das pessoas.

As pessoas há muito deixaram de interessar para os que delas se afastam.

As pessoas não existem. São sombras que habitam casas tristes. São pontos imprecisos e irrelevantes na paisagem. São nada.



Homem à beira Tejo


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