terça-feira, abril 16, 2013

Isabel, uma mulher ciumenta


Deixei de responder aos comentários para ver se consigo ir deitar-me mais cedo (já que, só tarde, de noite, consigo pegar no computador). No entanto, como se tem visto, não tem resultado. Acabo por escrever mais. Em vez de um post, agora são dois. Tenho, pois, que rever esta estratégia.

Mas, enquanto não revejo, aqui estou, de novo, prevaricando. Este já é o segundo post da noite aqui no Um Jeito Manso (e isto depois de já ter escrito também no Ginjal). Uma doença, isto, provavelmente. Enfim.

Se quiserem conhecer os meus comentários depois de ter transcrito parte dos artigos do New York Times e da entrevista de Soros a El País que arrasam a política destrutiva que está a ser seguida na Europa relativamente aos países intervencionados, nomeadamente em Portugal, deverão ler o post a seguir a este.

Mas agora, aqui, a conversa, é outra.
Abstraio-me do que se passa em Boston e deixo-me levar pela leveza dos pensamentos à toa.


(Música, por favor: que entre o amor)



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Os indícios tantos. Uma mensagem no telemóvel que não se lê quando chega, talvez para fingir que se desvaloriza, talvez para não ter que dizer de quem é, o desinteresse nela e na casa que já mal se disfarça, as desculpas para chegar sempre tarde a casa, os telefonemas em voz baixa, afastado, de que diz, depois, que era do trabalho, maçadas, gente que não sabe decidir nada sozinha.




Isabel vive nesta tortura. O marido tem outra. Não tem dúvidas. 

Poderia confrontá-lo mas o medo da verdade é muito. Prefere descobrir que está enganada. Por isso, vigia-o em silêncio, oculta as suas dúvidas.

Sente-se rejeitada, ofendida, tem medo de ser abandonada. De facto, alguma fragilidade. A todos os níveis: com o seu ordenado, agora tão reduzido, como suportaria a casa, como se aguentaria? Pior: como fariam em relação à casa? Se ficasse ela com a casa, teria que o indemnizar. Um caso sério. Ou porem a casa à venda, dividirem o dinheiro, comprar um apartamento pequeno. Mas, numa altura destas, as casas ficam anos por vender. Nem quer pensar. E teria que explicar à família: o Afonso arranjou outra. Iam querer saber quem, quando, como, desde quando, como tinha ela descoberto, como tinha ele reagido. Sabe como é. Toda a gente gosta de enfiar as mãos nas vísceras alheias. Não quer. O abandono silencioso posto a descoberto. Não, não é isso. A vulnerabilidade posta a descoberto, assim é melhor.

No outro dia, na copa da empresa, enquanto bebiam café, uma colega falava com outra, um sinal que não engana é quando deixam de querer fazer sexo. Isabel fez que não ouviu mas sentiu um arrepio. Há tanto tempo.




Dali foi à casa de banho e ficou parada em frente ao espelho. Continua a pintar o cabelo todos os meses. Continua a conjugar a cor dos sapatos com o resto da toilette, a cor da carteira com a cor dos sapatos, a cor do bâton com o tom da blusa. Porque não?

No emprego, olha à volta: as mais jovens andam de mini-saia, calções, leggings, discutem maquilhagens, os perfumes da zara, idas ao cinema, idas à praia, falam dos namorados; as mais velhas falam dos filhos, dos netos, de doenças, de medicamentos , de receitas e truques de culinária. Ela ouve, finge que presta atenção, mas não tem paciência para nada daquilo. Sobretudo, tenta que não lhe perguntem o que fez no fim de semana ou que não lhe perguntem pelo marido.

Então muda de assunto, sorri, faz perguntas, fala de filmes. Parece uma mulher casada normal, simpática, sem segredos.




Tantas vezes, o computador com um contrato aberto, faz de conta que analisa os documentos, que pensa. E, de facto, pensa: quando foi que se desencontraram? De quem foi a culpa? Será que não lhe deu a devida atenção quando ele precisava? Será que não foi tão ousada quanto ele gostaria? Será que a outra lhe dá o carinho ou a atenção de que ele precisa? Será que com a outra ele fala? Com ela falou sempre tão pouco.

Se ele lhe dissesse tenho problemas no meu trabalho e gostava de falar disso contigo, ela ouvi-lo-ia, tentaria ajudar. Mas nunca disse. Ou se dissesse gostava de ir de férias contigo, para longe, gostava de fazer amor contigo numa praia deserta, talvez ela acedesse. Mas nunca disse.


Isabel recebe uma chamada. Baixa o tom de voz, vira a cabeça na direcção da janela, o corpo abranda, sorri enquanto fala. Quando desliga, volta a recuperar a postura mais rígida, quer parecer a profissional executiva que todos reconhecem, talvez os outros pensem que foi uma chamada de trabalho. Faz uns riscos num papel, talvez pareça que toma apontamentos para não se esquecer do que falou, eficiente.




Mas de vez em quando distrai-se. E, como se estivesse muito tranquila, sorri olhando a janela. Tomara que a vida se suspendesse naquele instante.

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As fotografias mostram Isabelle Huppert. Lá em cima, a canção é 'L'amour' cantada por Carla Bruni.

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Volto a lembrar que, para assuntos sérios, economia e política e assim, é descer até ao próximo post.

E convido-vos ainda a virem comigo também até ao meu Ginjal e Lisboa onde hoje estou resistente, encabeçando um grupo de gaivotas que não cedem aos interesses dos povos do norte. A panfletária-mor foi Luiza Neto Jorge, podem crer. A música continua a estar a cargo de uma grande intérprete, uma mulher dotadíssima, Yuja Wang, tocando Rachmaninoff.

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E desejo-vos, meus Caros leitores, uma bela terça feira. 
(E, se for esse o caso, deixem-se de ciúmes e sejam felizes)

3 comentários:

jrd disse...

Isabelle Huppert, sim!
Carla Bruni, nem por isso.

:)

dbo disse...

Cara UJM,
Ai, as mulheres. Porque se martirizam quando o companheiro quase as não vê, nem as adocica. Muita coisa poderá estar por detrás da pouca animosidade do macho. Não será só a outra, que até poderá não existir fisicamente. Não acredito nas fantasias, mas também não entendo os ciúmes doentios e o dedo censor. Às vezes, apenas um flash que ofusca, mas permite o regresso à realidade do acontecimento. Relações deverão ser cuidadosas e apoiadas na confiança.
Será que Isabel não confia nele? Porquê? ... Provas para a desconfiança?

Não pretendo ser moralista, nem defensor das atitudes deles, pelo que por aqui fico, desejando muita sáude a todas as Isabéis e não Isabéis, bem como aos "eles" todos

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
Isabel, ou Isabéis, quantas não haverá por esse mundo fora, umas com razão outras talvez não. A Mulher, perante uma ameaça (muda, surda) que parece pairar no ar, só deve assobiar para o lado...de cabeça erguida e caminhar sempre em frente! Né?:)
Um beijinho