sexta-feira, abril 19, 2013

Isabel, a mulher ciumenta, faz coisas impensáveis


No post a seguir a este, falo da patética conferência de imprensa de uns quantos tristes que não tinham nada para dizer. Na altura em que escrevi, ainda não tinha visto as imagens. Entretanto, já as vi. Quatro almas perdidas. O astro Maduro, muito pequenino e hesitante ao lado de Marques Guedes, parecendo o seu pequeno filho, parecia pedir licença para dizer umas pequenas larachas.  Mais que um astro maduro, o Luís Miguel pareceu-me uma insignificante e nada promissora estrela-bebé. 

No meio das suas balbúcias, pareceu-me perceber que dizia que ia cortar nos investimentos financiados por Bruxelas, aldrabonamente (e como que ainda um bocado a medo) chamando a isso poupar. Pensei que não tinha ouvido bem. Mas, a seguir, ao ouvir a Quadratura do Círculo, a suspeição concretizou-se pois ouvi António Costa dizer que era mesmo isso que aqueles doidos se preparam para fazer. Revoltante. Numa altura em que um dos dramas é não haver investimento, estes maduros vão cortá-los...? Começa mal, a estrelinha-bebé.

A menos que estejam na brincadeirinha. 

Vá lá: apareçam lá, seus marotos. Digam lá. Isto é coisa daquele de cabeça rapada dos apanhados (como é que ele se chama, senhores? Laureano? Não, não é Laureano. Não me lembro mas acho que acaba em 'ano'). Daqui a nada, vai saltar de trás do Passos Coelho para dizer que isto foi tudo uma brincadeira, que é para os apanhados... é isso, não é? Só pode ser. Não acredito que isto seja um Governo com ministros a sério.

Bom, mas disso falo no post abaixo. Aqui, agora, falo de Isabel, a mulher ciumenta.






Somos rápidos a julgar os outros. Gostamos de os julgar segundo a nossa pequena maneira de ser. Se a nossa experiência de vida é limitada, tendemos a rejeitar e a considerar anómalos, aberrantes, todos os comportamentos que nunca vimos em nós próprios. Por causa disso, muitas injustiças foram cometidas ao longo dos tempos.

Isabel é uma mulher exemplar. Foi boa aluna, é boa profissional, é, sem dúvida, boa pessoa. Olha-se para ela e vê-se alguém que todas as mulheres reconhecem como um exemplo e que todos os homens olham com admiração e respeito. E tem charme e tem inteligência e tem educação e tem bons princípios. Uma mulher transparente, sem telhados de vidro, sem segredos.

Nunca ninguém lhe viu um comportamento disparatado ou inconveniente, uma roupa desalinhada, ninguém se lembra de a ouvir pronunciar uma palavra desagradável, nunca sobre ela recaíu a mais leve suspeição.

Nem perante si própria Isabel se vê de outra maneira.

Hoje de manhã, antes de sair de casa, já arranjada, perfumada, não resistiu a ir revistar de novo os bolsos das calças e dos casacos de Afonso. Ele tinha saído uma meia hora antes, é madrugador. Saíu dizendo secamente Até logo e ela nem respondeu.

Como sempre, não descobriu nada. Furiosa disse em voz baixa, pensas que és muito esperto. Mas, de facto, também ela pensa que ele é muito esperto. Fá-la pela calada, sem deixar rasto, o cínico. Pensou que um dia ainda vai segui-lo. Estaciona de longe perto da empresa onde ele trabalha e, quando o vir sair do parque, vai atrás dele. Se calhar é isso mesmo que terá que fazer.

Depois, quando ia a sair de casa, lembrou-se de uma coisa e voltou atrás. Foi ao computador consultar o extracto bancário, tentar perceber se houve algum gasto estranho nos últimos dias. Nada. Pensou que nada garante que não tenha uma conta de que ela não tenha conhecimento. Um arrepio de desconfiança subiu por ela. Será? É que, se assim for, as coisas são ainda mais graves. Como descobrir isso?

Saíu incomodada. Estúpido. O caminho todo Estúpido, estúpido, ainda mas pagas, ah pagas.




No entanto, quando entrou no escritório, foi sorridente e elegante que a viram.

Mal se sentou à secretária fez uma chamada. Via-se que estava determinada. Isabel é uma mulher assertiva, voluntariosa. Telefonemas assim são frequentes.

Passado um bocado, um colega entrou no seu gabinete. Vinha com um dossier na mão. Isabel levantou-se da secretária e dirigiu-se à mesa de reuniões onde o colega abria um dossier e procurava uns documentos.

A reunião durou até à hora de almoço. Porta fechada, falando em voz baixa, nada se ouvia do exterior. Sessões de trabalho ou reuniões tão demoradas não são frequentes com Isabel. Cá fora os colaboradores estavam admirados, temem sempre que se aproxime alguma reestruturação, alguma desgraça.

Saíram ao mesmo tempo e, passado um bocado, um dos colaboradores que estava de pé junto a uma janela, confirmou, Saíram com cara de caso e agora vão almoçar juntos. Mau. Qualquer coisa se passa.

Chegaram a meio da tarde, Isabel com ar normal, Isabel tem sempre um ar normal, sorridente, o colega com ar de quem tinha muita coisa que fazer.




Os colaboradores, na copa, enumeraram hipóteses. Uns temem o que aí possa vir, outros relacionam com outras movimentações noutras áreas da empresa, uns consultores que para lá andam, elementos que foram pedidos há dias. Tentam adivinhar através dos seus semblantes. Uns dizem Ele vinha chateado, ela não. Mas logo outros relembram Ela nunca mostra má cara, é uma pessoa calma. Uma aventou, Ou então é para não percebermos, para fingir que não há nada de especial. Ninguém disse mais nada.

Ao fim da tarde, Isabel recebeu uma chamada do marido. Tinha surgido uma coisa, uns alemães que cá estavam, um jantar. Isabel encolheu os ombros incomodada. Num tom irónico disse, A sério?! Depois de ouvir o que ele dizia, respondeu, Não percebo porque é que ligaste, ias jantar, curtias à tua vontade e à noite aparecias em casa como se não fosse nada contigo, e desligou o telefone. Parvo. Acha que sou parva. Um dia ainda tem uma surpresa.

Depois pensou. Hoje é que o vou apanhar. E mal conseguiu pensar noutra coisa.

Ao fim do dia, o colega voltou a entrar no gabinete, fechou a porta. Mas Isabel já não estava nem aí. Já tinha desligado o computador, estava com pressa, a sede do predador antes de apanhar a vítima. O colega saíu atrás dela, dossier na mão, ar de quem tinha ido em vão, levemente aborrecido. Isabel não deve ter reparado ou, se reparou, não quis saber.

Quando se sentou no carro, ajeitou o retrovisor, viu-se ao espelho. Sentia-se enervada. Por momentos, pensou As figuras tristes que aquele estúpido me obriga a fazer. Eu enfiada no carro, a espiá-lo. Sorriu ao de leve, imaginando-se uma cena de cinema, lábios en rouge, de gabardina, uma espia, une femme fatale.




Mas depois, ao estacionar um pouco afastada da porta da empresa onde Afonso trabalha, sentiu que o coração batia descompassado, que tinha a boca seca, que quase tinha pena de si própria. E quase teve vontade de chorar.


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A música lá em cima é Who will comfort me de Melody Gardot. As imagens retratam Isabelle Huppert.

Caso queiram reler os dois 'episódios' anteriores desta história 'Isabel, uma mulher ciumenta' poderão procurar nas etiquetas do lado direito do monitor ou, então, deverão clicar aqui.

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Hoje consegui escrever no Ginjal e muito gostaria de poder contar com a vossa visita. Pela mão de Maria do Rosário Pedreira vejo as estrelas numa parede por onde escorre um rio que alguém lá pintou. A música é Mendelssohn virtuosamente interpretado por Yuja Wang.

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Relembro que sobre a triste e decadente actualidade político/económica é só descer um pouco mais.

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E, com isto, já é outra vez sexta feira. 
E o que vos desejo, meus Caros Leitores, é que aproveitem bem o dia, todos os dias, todos os instantes de todos os dias. 
O tempo escorre por nós como um rio apressado.

1 comentário:

Maria Eduardo disse...

Pobre Isabel, como estará a sofrer!
Terá razão? Vamos aguardar o desenlace...
Um beijinho