domingo, abril 14, 2013

"A fé das árvores", "Não posso ver uma árvore sem espanto", "Felicidade é ter um quintal com árvores enormes", "Os grandes anjos cujas asas contêm todo o vento dos espaços", "Distant gardens" - José Tolentino Mendonça, Raul Brandão, Sophia, Mazgani e os meus Leitores tão amigos, aqui comigo in heaven


Este sábado, quando abri o correio, tinha mails de leitores com fotografias de árvores e músicas de primavera, palavras simpáticas e, também, esta bela imagem da mulher abraçada à árvore que tem tanto a ver comigo.

Abrir o correio e ter estes belos presentes é como abrir a porta e descobrir que os amigos lá deixaram vasos com flores ou que um coro de crianças está ali para nos cantar canções felizes, matinais.

Como vos poderei, alguma vez, agradecer?



Felicidade é ter um quintal com árvores enormes

E é mesmo. 

Estou in heaven. A Primavera chegou, perfumada, florida, doce. O grande portão de ferro já está florido. Onde há pouco havia troncos nus, retorcidos, estão agora flores, cachos de flores. As glicínias aparecem por esta altura, lilases, lindas. 




De tarde, o sol estava quente, dourado, e, nas zonas de sombra, do chão vinha um cheiro morno, íntimo, um cheiro orgânico, a terra ainda húmida das chuvas recentes. 

À porta de casa, onde no outro dia havia um lírio tombado sob o peso da chuva, há agora uma boa dúzia deles. Belos demais. Delicados, requintados. Nesta terra agreste, pedregosa, onde agora, com tanta água, o mato cresce de forma impetuosa, aparecem estas flores que parecem jóias muito raras, inventadas.




E eu ando em volta destas flores que nascem espontaneamente, debruço-me, ajoelho para escolher o melhor ângulo (ou para as adorar?) e penso que é sábia a natureza que me surpreende com belezas imprevistas, quase excessivas, e depois as leva e, quando as julgo perdidas para sempre, as traz de volta, uma e outra vez, mas já são outras, igualmente belas, ou talvez mais ainda porque os meus olhos as vêem com cada vez maior devoção e espanto.

Lá em baixo, o rosmaninho floresce também em toda a sua doçura. Fica muito bonito assim, o campo, todo ele lilás envolto em luz dourada. 




As pequenas folhas macias e as flores são perfumadas. Aqui o rosmaninho mistura-se com o alecrim e com a sálvia, variando entre o azul suave, o lilás e o rosa, tudo perfumado, delicado, efémero.

O sol quando se põe deixa a sua luz muito dourada sobre as árvores, a luz fica coada, suave. Veludo, rendas, perfumes. Por estas alturas, a natureza é muito feminina.




A jovem grevílea que nasceu do tronco daquela outra que se partiu, com o vento, há uns dois anos, continua saudável e tem uma folhagem rendilhada.

Com o sol do fim de tarde fica assim, como a vêem, uma filigrana dourada.

Tenho muita dificuldade em vir para casa em momentos assim. A luz do sol, que aos poucos se vai escondendo nas montanhas ao longe, vai descendo, aparece quase rente ao chão, intensa na hora da despedida.

Fui quase a correr para ver uma última vez o sol. Desaparecia lá ao fundo mas ainda consegui apanhar esse instante através do jovem pinheiro manso que há em frente à casa e de onde gosto de ver o sol a pôr-se atrás da serra ao longe.




Antes tinha estado calor, um calor muito educado, leve, e eu descobri-me para que a minha pele toda o recebesse. Afinal aqui sou uma mulher in heaven, tudo me é permitido.

Deitei-me na espreguiçadeira ao sol e peguei na Revista do Expresso.

E, com surpresa, como se os meus pensamentos tivessem voado de mim para a página que estava a ver, li:

Hoje encontrei na rua o encenador Jorge Silva Melo, que apontou para um carreiro de árvores flagrantemente primaveris e me disse, meio a sorrir: 'Elas acreditam'. Olhei para aquele alinhamento rubro, de entoações e alturas diferentes, e também a mim me pareceu um uníssono rumor. 'Elas acreditam'

(...)

Uma vez, em Paris, assisti a uma cena que me deixou sem palavras. (...) A dada altura, junto da torre de Saint-Jacques, Cesariny sai do carro e corre a abraçar uma árvore. Eu poderia escrever 'corre a abraçar-se a uma árvore', mas creio que não faria justiça ao que me foi dado ver. Era mesmo um abraçar. O mundo fez um silêncio que eu desconhecia. 

Existem, no hebraico biblíco, duas formas alternativas para designar uma árvore: ets e ilan. A primeira forma é a mais persistente na narrativa bíblica, mas a segunda também se pode encontrar, e é aquela que, por exemplo, os cabalistas trabalharam mais intensamente. A Cabala rabínica aplica-se a explorar as dimensões simbólicas e espirituais escondidas nas palavras e nos números. (...) O valor numérico do termo ilan (árvore) é 91. Outra palavra da categoria 91é malakh (anjo).

Ao dizer árvore é, então, como se nos avizinhássemos daquilo que dizemos quando dizemos anjo.

(...)

A vida é um espanto partilhado. Por isso, não pode permanecer indiferente a esta nossa primavera incerta a mensagem do vegetal sobressalto, do arborescente e inequívoco desejo de durar.

Nas memórias de Raul Brandão, encontramos este arranque prodigioso, que pode, quem sabe, servir-nos de mapa:

'Se tivesse de recomeçar a vida, recomeçava-a com os mesmos erros e paixões... Perdia outras tantas horas diante do que é eterno, embebido ainda neste sonho puído. Não me habituo: não posso ver uma árvore sem espanto... Ignoro tudo, acho tudo esplêndido, até as coisas vulgares: extraio ternura duma pedra.


Era a crónica de José Tolentino Mendonça, 'A Fé das Árvores' inserida na sua sua rubrica semanal a que deu o belo nome 'que coisa são as nuvens'.

Belíssima crónica (como são todas as crónicas do Padre-Poeta), belíssimas palavras. Os meus pensamentos em forma de letra.




Talvez por tudo isto, eu tenho mandado serigrafar nuns azulejos que estão no meio das árvores, aqui, in heaven, este poema de Sophia:


Há sempre um deus fantástico nas Casas
Em que eu vivo, e em volta dos meus passos
Eu sinto os grandes anjos cujas asas
Contêm todo o vento dos espaços.


E talvez seja também por isso que eu abraço árvores como se me sentisse abraçada por anjos.

...........

Distant Gardens
Mazgani



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Convido-vos ainda a virem comigo até ao meu Ginjal e Lisboa. Hoje temos poesia dita: Mário Viegas diz a Tabacaria de Álvaro de Campos.

A música é igualmente maravilhosa. Anne Akiko Meyers interpreta Arvo Pärt - 'Spiegel im Spiegel' (Mirror in Mirror).

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Despeço-me não sem antes de vos desejar, meus queridos Leitores, um belo, perfumado, florido e feliz  domingo.

5 comentários:

Anónimo disse...

A felicidade está mesmo nas pequenas coisas, não é?
O abraçar árvores lembra-me sempre o que o Saramago contava do avô que, no dia em que teve que ir para o hospital, se despediu de todas as suas árvores abraçando-as.
Achei lindo!

A Primavera é uma autêntica explosão de cores e eu gosto de todas, mas confesso que tenho um fraquinho pelos tons roxo/lilás.
Adoro rosmaninho, lavanda, glicínias, agapantos, jacarandás...

Foi muito bom passear consigo, mais uma vez, no seu maravilhoso in heaven.

Bem haja!

Antonieta

jrd disse...

“Quando a última árvore for cortada, o último rio envenenado e o último peixe morto, irão descobrir que não se pode comer dinheiro”
Cacique Seattle (chefe sioux) da tribo Duwamish

Abraço

JOAQUIM CASTILHO disse...

OlÁ UJM!

GOSTEI ...E MUITO!

um abraço

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,

Obrigada por este bocadinho tão perfumado e luminoso passado na sua companhia, no seu in heaven, onde me senti também muito bem.
Deve ter sido muito reconfortante reencontrar-se com as suas árvores e flores "resistentes", ter cheirado o seu perfume, adorá-las e imortalizá-las através das suas belas imagens como sempre tão bem o sabe fazer. Gostei de a saber feliz no seu paraíso e afastada das turbulências do corre corre habitual.
Este lírio é lindo e parece querer dizer "aqui estou para te ver e adorar"!...
Um grande beijinho e que as suas árvores e flores lhe tenham dado forças para enfrentar mais uma semana, que espero seja tranquila.

p.s. No dia em que fotografei a minha "ave rara" também fotografei árvores lindas e lírios num separador central de uma avenida, muito farfalhudos e originais, que nunca tinha visto, penso que é obra de um residente da zona, que os cuida. Vou mostrá-los brevemente.
Um beijinho

Pôr do Sol disse...

Boa noite Jeitinho,

Mais uma vez fiquei encantada com a visita ao seu heaven.

Tambem li, ontem, a crónica A fé das arvores e, talvez por isso, hoje com o Sol renascido apeteceu-me ir ao encontro da Natureza da Primavera e da explosão de vida e cor que se deu aqui na minha serra.

As flores silvestres, de que não sei os nomes, alem das papoilas e do alecrim, eram tantas e tão bonitas que pensei num bouquet.

Quando começava a ficar composto, uma caminhante, senhora simpatica, quebrou o meu entusiasmo: "Tenha cuidado com as carraças, o ano passado apanhei a febre e ainda hoje sofro com isso". Mesmo assim trouxe, dei-lhes uma chuveirada, não encontrei nenhuma e enfeitam agora a entrada da minha casa.

Não tenho os seus dotes fotograficos mas tirei uma fotografia ao meu bouquet, inicio de uma Primavera que desejo se mantenha.

Um beijinho e uma boa semana.