Uns julgar-me-ão alta, esbelta, loura, olhos azuis, uma modelo nórdica, outros dirão que sou de altura mediana, arruivada, olhos esverdeados, ar de gata. Outros assim, outros assado, outros coisa nenhuma. E eu, seja o que for que pensam ou que não pensam, acho que não sou nada disso.
Mas, enfim, se fazem mesmo questão em saber, dir-vos-ei que sou transparente, que tenho asas, que saio à noite para voar sobre o rio escuro, junto a casas abandonadas.
Posso também confidenciar que, por vezes, vivo no fundo do mar, entre rochedos cobertos de macios limos verdes, rodeada de grandes conchas madrepérola, entre seres coloridos e muito tentadores e que, outras vezes, pareço normal e caminho, caminho em silêncio mas à minha volta voam palavras e isso já é capaz de não ser muito normal.
Dir-vos-ei também que tenho por irmãos e amigos as gaivotas, os gatos, um certo pequeno pássaro preto de bico amarelo.
Posso também confidenciar que gosto de jóias, que vivo rodeada delas. Agora que escrevo tenho-as junto a mim, por todo o lado. São livros as minhas jóias e eu, de gostos excessivos, encho-me delas, mais do que a decência aconselharia.
A minha mesa hoje |
Dir-vos-ei também que talvez eu já tenha vivido outras vidas. Acho que sim. Acho que fui etrusca e que vivia vestida com belos vestidos, reclinando-me numa larga e macia chaise longue colocada entre véus, no meio de um jardim existente na clareira de um bosque, e teria cabelos umas vezes soltos, outros apanhados em cachos suaves, e flores no cabelo, e flores perfumadas à minha volta, e rodeada de artistas e cientistas, e rodeada também de homens bonitos, cultos, interessantes, generosos.
E por vezes, quando o sol estivesse mais quente, permitira que me despissem e ali ficaria nua, ao sol, e depois permitiria que me acompanhassem enquanto me banhava num mar de corais, água tépida, densa, transparente. E apreciaria, depois, que me limpassem e dançassem comigo mas aí já num local resguardado, fresco, envolvida em penumbra. E não me importaria que um músico estivesse por perto, num canto, tocando lânguidas e lentas músicas e que, noutro canto, um poeta desfiasse poemas como uma toada descendo dos céus.
Não sei se era assim a vida das etruscas. Mas eu acho que foi assim que eu vivi noutras vidas e são estas memórias que eu trago dentro de mim.
Tudo coisas que não vos posso mostrar. Tudo irrealidades, sonhos, recordações remotas.
E, além disso, mesmo que me mostrasse, estou longe, tão longe. Como me poderiam ver?
Sou nada mais que invisíveis partículas que atravessam os longos espaços, que voam pela noite, que cruzam oceanos e continentes, que vêm de outros tempos e que para sempre aí perdurarão perdidas.
Resumindo: sou como me imaginarem ou o contrário disso.
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Como já aqui o contei antes, frequentei durante uns meses o curso de grafologia ministrado pelo Dr. Alberto Vaz da Silva no Centro Nacional de Cultura, ali ao Chiado. Muito interessante. Frequentado por professores, psicólogos e até por um juiz, acho que apenas eu era apenas uma simples curiosa.
Com o que aprendi, tenho feito alguns exercícios e geralmente quem é analisado através da sua caligrafia reconhece a justeza das minhas análises.
Por formação (e vocação), sou uma pessoa dos números, da lógica, da razão, da demonstração sistemática, rigorosa.
No entanto, acontece aderir a algumas coisas por processos inversos, não pela dedução mas pela intuição. É o caso. Ou talvez, neste caso possa haver uma demonstração, sim, não dos processos mas da justeza dos resultados. Não sei. Apenas sei que observo a letra e intuo as características de quem a escreveu.
A minha dúvida é se isso se aplica, não apenas à palavra manuscrita mas, também, à palavra escrita aqui, no computador. Tenho pensado nisso.
Quando se pratica a grafologia não é tanto só o desenho da letra em si mas, para além disso, o espaçamento entre letras, entre palavras, entre linhas, a dimensão das margens, a inclinação, a mancha de texto, a força que se põe na escrita. Tudo revela o que a pessoa é.
Tento extrapolar para a escrita no computador, nos blogues, por exemplo. Há blogues em que a letra é miudinha, tudo muito certinho, uma carreirinha limpinha. Há outros em que a letra é miúda mas as margens são irregulares, por vezes um texto algo convulso. Há aqueles em que é tudo muito denso, pouco espaçado, o texto muito compacto. Outros escrevem com letras carregadas, a bold. Outros misturam formas diferentes de letras, itálico, bold, às cores. E o fundo que escolhem acho que também diz do que a pessoa é, digo eu. Olho para tudo isso e tento perceber como será o autor. E, por vezes, através do conteúdo, parece-me ver que as coisas batem certo.
O Professor Vaz da Silva dizia que se reconhecia muito bem a letra de uma mulher bonita - que geralmente é uma letra solta, descontraída, de quem sabe que costuma agradar sem ter que se esforçar para isso.
Poemas manuscritos de Sophia |
Será que aqui na internet isso também é verdade? Um dia, arrisco-me e digo aqui o que penso de alguns bloggers.
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Não sei se já aqui o contei: as aulas decorriam ao lusco-fusco. O professor projectava slides num retroprojector e apagava os candeeiros para vermos melhor. Geralmente, no fim das aulas, alguns alunos iam ter com o professor para tirar dúvidas. Um dia também fiz isso. Ele tinha estado a mostrar os vários tipos de f, dizendo que o f diz muito sobre uma pessoa e exemplificava, este é um f de alguém martirizado, este é o de uma pessoa agressiva, etc, etc, e eu não revi o meu em nenhum dos exemplos. Então desenhei o meu f e, no fim da aula, fui mostrar-lhe. Ele estava rodeado pelos meus colegas, tudo quase às escuras. Quando eu lhe estendi a minha folha, dizendo que não tinha visto o meu f nos exemplos mostrados, pode dizer o que lhe parece? Ele, sem olhar para mim, apenas para a folha, ajeitou os óculos, focou-se, e disse qualquer coisa de que não percebi o sentido (e de que agora já não me recordo). A modos que envergonhada disse, não percebo o que isso quer dizer. Ele, rodeado pelos outros, sem olhar para mim, apenas para o f, disse, é o f de uma sedutora. Depois olhou para mim e os outros olharam também todos, como se quisessem conferir. Escuso de dizer que fiquei atrapalhada. E ele, sorrindo, disse, é o que me parece mas verá se faz sentido. Sorri. E peguei na minha folhinha e vim-me embora rapidamente.
Agora, se calha ter que escrever um f, quase tenho vontade de o disfarçar não vá toda a gente olhar para ele e pensar, oh pá, mas este é um f de uma sedutora…
Estou a brincar, claro (não disfarço coisa nenhuma, a letra é impossível de disfarçar – a menos que o seja deliberadamente, geralmente por motivos pouco meritórios). A única coisa que disfarço é que tenho asas.
Quanto à análise da escrita, há uma que nunca analisei: a minha. Não sei explicar porquê. Acho que não me apetece radiografar-me a mim própria. Ou teria receio de não ser isenta e gosto de o ser. Não sei. Nunca o fiz. Acho que nunca vou fazer.
Por isso, a bem da verdade também não é por aí que estou suficientemente esclarecida para vos esclarecer a vós.
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Como poderão ter reparado, no meio da confusão que reina aqui na minha mesa, está a Rua de Nenhures, o último livro de Pedro Tamen. Estou encantada. Para me acompanhar aqui, permito-me escolher um poema:
Entro na floresta, sigo por entre
os ramos, vou pelos caminhos
que tu própria me indicas,
e chego enfim à líquida presença
do coração sonhado:
rendo-me
na tua rendição, e a bandeira
é branca de alegria
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Se forem estóicos e conseguirem continuar, por mais um pouco, na minha companhia, muito gostaria de vos ver lá, pelo meu Ginjal e Lisboa. Lá, como aqui, é Pedro Tamen que me tem presa. E, levada pela mão de um poema feliz, as minhas palavras fazem-lhe a vontade, vestem-se de branco. Na música, começa uma nova grande intérprete, Julia Fischer. No violino, toca Mendelssohn.
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E é isto. Isto e desejar-vos uma bela terça feira.
Inventem mistérios, fantasiem, brinquem, riam, sejam inocentes, alegres - é a minha sugestão e desejo de hoje, meus Caros Leitores.
5 comentários:
Olá sedutora!
Não percebo nada de grafologia mas, como tudo na vida, é capaz de ter algum fundo de verdade...
Pode começar as consultas!
Quanto a si, menina alada, menina do mar, menina da floresta, dos livros, das gaivotas e dos gatos, o seu valor está na essência e não no aspecto.
Por isso, se for baixinha e gordinha (credo!) não faz mal, vamos todos continuar a gostar muito de si e do seu blogue.
Bj e uma bela terça!
Antonieta
Eu penso que a sedução é uma das facetas que caracterisa os "caranguejos".
O jogo de seduzir, pelas "técnicas" de sedução que exige, torna-se em si mesmo, um jogo sedutor que os caranguejos apreciam especialmente. Mas atenção, porque este jogo, incluí múltiplas regras pré-estabelecidas que são alteradas pelo jogador a cada momento.
;))))
Ou seja, o caranguejo-sedutor, tanto pode usar o charme como ferramenta e com ela atraír, como pode usar uma carapaça impenetrável que fará afastar "a vìtima" para logo em seguida a recuperar, usando uma técnica adaptada no mesmo instante.
Por norma, o caranguejo não destroi o seduzido, após satisfazer o seu capricho de seduzir; muitas vezes deixa-o solto, livre, como reserva para nova sessão de sedução, isto se perceber que alguma mudança se operou e se renove o motivo que o estimule a voltar a jogar.
;)))))
Mas os caranguejos, apesar deste gosto, são também amigos incondicionais, respeitadores e cúmplices.
No entanto, penso que a frase «Sou nada mais que invisíveis partículas que atravessam os longos espaços, que voam pela noite, que cruzam oceanos e continentes, que vêm de outros tempos e que para sempre aí perdurarão perdidas.» será suficiente para satisfazer plenamente a curiosidade de todos quantos desem conhecer-te, tal-e-qual, és.
;)))))
Olá UJM!
O Prof. Vaz da Silva tem razão na sua leitura grafológica . A UJM é uma sedutora. Seduz-nos a todos , seus leitores, com os seus límpidos textos, ora directos e acutilantes de análise da situação política ora leves, soltos e mesmo escancarados como na excelente fantasia com que, hoje, nos revela a sua identidade. Seduz-nos com as belas fotos que tira para nós e com as imagens fantásticas que vai descobrir na esquinas do tempo, seduz-nos também com os textos e com as fotos poéticas do “seu ginjal”. Seduz-nos com os belos poemas e com a música que escolhe para nós!
Os seus blogues, que nós lemos com tanto prazer, são um acto de sedução, um JEITO MANSO de seduzir.
Continue a seduzir-nos,UJM, que nós gostamos…e muito!
um abraço
logo a letra "f", para um gajo do norte só me lembro de uma coisa.E não é sedutora.
O visual do blog melhorou.Digamos que está sedutor.
Olá UJM,
Loura, ruiva, morena, branca,de cor, alta, baixa, isso não interessa nada, o que importa é que me agarra sempre e me fascina com tudo o que escreve. Venho marcar o ponto(com todo o prazer), todos os dias como se fosse um ritual,mas por vezes não tenho tempo de fazer notar a minha passagem, mas logo que me é possível... lá vai uma palavrinha, por vezes já fora do tempo, mas é sempre com imenso prazer que o faço.
Pois é UJM, mesmo distante temo-la sempre tão pertinho, basta um clic e sabemos que podemos contar sempre com a sua simpatia, eloquência e amizade, esteja onde estiver, neste planeta ou noutra galáxia.)):)
Um beijinho grande e continuação de bom sono, boa vida!
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