segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Sobre a falta de sensibilidade como uma patologia. E, do Expresso deste sábado, a palavra a Miguel Sousa Tavares, Manuela Ferreira Leite, João Duque, Paul de Grawe: o estado da Nação. As 'figurinhas deprimentes' de Hieronymus Bosch acompanham-nos.


No filme Barbara  - que, em grande parte decorre num hospital (não para mostrar o desenrolar do seu dia a dia mas porque é o cenário no qual o relacionamento entre os dois personagens principais vai evoluindo) - há uma altura em que dá entrada um jovem que tinha tentado o suicídio, tendo sofrido um traumatismo craniano.

Os médicos hesitam relativamente à necessidade de operá-lo mas resolvem esperar para ver como evolui o seu estado. Quando o jovem desperta e recupera a consciência, descansam. Recuperou a memória, responde a perguntas, tem uma fala clara e lógica. No entanto, qualquer coisa nele preocupa Andre, o médico.

Na noite em que fica de serviço, Barbara apercebe-se, então, que o que se passa é que o jovem perdeu as emoções. Vai a correr à procura de Andre e decidem, então, operá-lo.

Nos seus livros, António Damásio descreve casos assim. Na sequência de lesões cerebrais acontece que o raciocínio fique intacto mas que os acidentados fiquem destituídos da capacidade de se emocionar.

Pergunto-me se isso não teria acontecido a Passos Coelho. Alguns podem achar que ele é normal. Eu tenho dúvidas.

Perante o descalabro absoluto que se constata no estado económico, financeiro e social do país, Passos Coelho reage impassivelmente: que isto é quase aquilo de que se estava à espera, que tem que ser, que de outra forma não se atingiria o reino dos céus, ou seja, não se ficaria nas boas graças dos novos-deuses, os mercados, mas que, se as coisas continuarem assim, se calhar vai ter que rever as previsões.

Fico perplexa com isto.

É a mesma coisa que uma pessoa embarcar numa viagem a quem o guia prometeu lagos, planícies, searas ondulando ao vento e, ao fim de pouco tempo, ver que se meteu em túneis assustadores, precipícios, desfiladeiros sem protecção, gente a despenhar-se por ali abaixo, gente a soçobrar sedenta, esfomeada, esfacelada, uma coisa tenebrosa - e, perante a aflição a que se assiste, o guia dizer, tranquilamente, que já estava a contar mais ou menos com isto e que, se calhar, vai mudar um pouco a descrição do percurso. Ou seja, o guia em vez de reconhecer que se enganou redondamente e arrepiar caminho, persiste em continuar por ali fora. E as pessoas, indefesas, percebem que estão nas mãos dum sujeito pouco inteligente, inexperiente mas, pior que isso, perigoso, insensível, frio.

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Sobre o estado do País, pego do Expresso deste sábado, dia 16 de Fevereiro de 2013, e transcrevo alguns parágrafos de alguns artigos.




Um pouco de história, para recuarmos ao momento antes do advento de Passos Coelho.

Escreve Miguel Sousa Tavares


O primeiro governo Sócrates foi o único, em muitos anos, que conseguiu reduzir o défice das contas públicas e com crescimento económico, embora anémico.

O que o derrotou, depois, foi o efeito avassalador da crise nascida nos Estados Unidos e ter seguido à risca as orientações iniciais de Bruxelas de que o momento era de gastar sem olhar a quanto gastar para evitar que a crise financeira degenerasse em crise económica - o que veio a acontecer quando Bruxelas mudou radicalmente a sua abordagem à crise e começou a exigir contas públicas equilibradas.

Aí, sim, Sócrates e Teixeira dos Santos entraram em deriva e cederam ao pânico instalado na Europa - de que a trágica decisão de acorrer ao BPP e ao BPN foi o passo decisivo para o cadafalso.





Escreve Manuela Ferreira Leite sobre o tão falado corte de 4 mil milhões de euros e repare-se no tom amargamente irónico


Efectivamente, não se conhece o fundamento do seu cálculo, nem os critérios que conduziram àquele valor.

(sobre o corte dos 4 mil milhões) É também olimpicamente indiferente aos seus efeitos sociais, porque já antes deste, muitos outros '4 mil milhões' avançaram e agora é apenas mais um, esquecendo a diferença entre a dor quando se ataca a carne ou se atinge o osso.

O pior que pode acontecer é não nascer ou emigrar, o que, nos tempos que correm, é um bom auspício.




Diz João Duque,  presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão e antes indefectível de PPC


A ser conduzida como está, a política monetária europeia condena-nos à morte sem esperança e em regime de trabalhos forçados.




Volto a Miguel Sousa Tavares


Por mais sacrifícios que se façam, se as nossas empresas não conseguem sobreviver é porque o Estado português, nos dias bons, consegue financiar-se a 5% e as nossas empresas a juro algum, enquanto o Estado federal e as empresas alemãs se financiam a 0,5%. Assim, é fácil dar lições de austeridade aos PIGS e dizer aos gregos que vendam as ilhas.




Diz Paul de Grawe, Professor da universidade Católica de Lovaina,


A maior ameaça para a zona euro hoje em dia não advém da instabilidade financeira mas da potencial instabilidade social e política resultante da depressão económica para a qual foram empurrados os países da Europa do Sul e da qual resultam níveis de desemprego nunca vistos desde o tempo da Grande Depressão. Em certos países do sul da zona euro a taxa de desemprego está hoje bem acima dos 20%. O desenvolvimento mais dramático é o aumento do desemprego juvenil que está na Grécia e Espanha acima dos 50% e em torno dos 30-40% em Itália e Portugal.

Se a situação não for depressa revertida, pode levar a uma agitação social e política em sociedades que se tornaram incapazes de dar um futuro aos seus cidadãos mais jovens.




Volto uma vez mais a Miguel Sousa Tavares,


Alguma coisa de muito grave vai acontecer se continuarmos por este caminho e com um primeiro-ministro que, confrontado com os números da sua estratégia governativa, apenas tem para dizer que está preocupado mas que os números estão 'razoavelmente em linha com as previsões do Governo'. 

O país não aguenta isto muito mais tempo: ai não aguenta, não!


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As imagens são excertos de quadros de  Hieronymus Bosch, pintor e gravador da Holanda dos séculos XV e XVI. O pecado, a tentação, as figuras inquietantes, o pesadelo, a insídia, aparecem representados nas suas pinturas e é delas que me lembro quando falo dos tempos que vivemos e, em particular, da governação aberrante de Passos Coelho.

(Claro que sei que há muita responsabilidade nisto tudo dos especuladores financeiros, da lógica alemã, dos burocratas europeus, etc, etc. - mas há muita, muita, muita responsabilidade que deve ser atribuída aos governantes incultos e ignorantes que passivamente aceitam que o país seja uma dormente coutada, desgraçando, pois, Portugal e os Portugueses)

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Este já é aqui hoje o meu terceiro post. O seguinte é dedicado à sensibilidade de Miguel Relvas que hoje me apareceu aqui em casa, esgargalado, pescoço gordo, a falar-me sobre o que lhe tira o sono (como se eu acreditasse nalguma coisa que ele diz) e o terceiro é dedicado aos que lembram aos governantes que o Povo é quem mais ordena. Por isso, especialmente a uma certa pessoa que nunca se lembra de espreitar para ver se há mais algum post, eu sugiro que deslize por aí abaixo.

Talvez porque me dispersei um bocado com isto, ainda não é hoje que consigo responder aos comentários. É tarde, preciso mesmo de descansar, tenho muito sono e, ainda por cima, amanhã tenho que me levantar cedo. A ver se amanhã, apesar de chegar a casa bem tarde como sei que vou chegar, consigo retomar o meu ritmo normal. A todos aqueles que escreveram comentários (e que li, claro!!!!) as minhas sinceras desculpas.

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Ainda antes de me ir: muito gostaria de vos ter lá pelo meu Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje as minhas palavras abrem a janela para que um anjo trazido pelas palavras de Alice Vieira e com um incêndio no peito me venha visitar. A música está a cargo de um novo grande intérprete, desta vez, intérprete de violoncelo. A música é de Elger e o virtuoso intérprete é Yo-Yo Ma.

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E tenham, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda feira. 

8 comentários:

Anónimo disse...

Que grande Post! Subscrevo tudo o que aqui diz. E achei os parágrafos que aqui nos transcreve, designadamente os de MST, muito oportunos.
Genial essa da explicação para tanta falata de sensibilidade por parte do Massamá Man. Um tipo sem emoções, ele e aqueles 3 outros cabotinos, o Gaspar, o Moedas e o Relvas.
E a escolha das obras foi perfeita!
Sublime, este seu Post.
P.Rufino


Silenciosamente ouvindo... disse...

Subscrevo totalmente a sua análise
sobre Passos Coelho. Parece que
foi programado para dizer o que
diz. Que é um robôt.
Excelente post.
Bj.
Irene Alves

jrd disse...

Prefiro as figurinhas deprimentes de Hieronymus Bosch aos figurões que "mandam" palpites...

Abraço

Um Jeito Manso disse...

Obrigada, P. Rufino.

Será que esses pacientes que refere não terão andado às cabeçadas nas paredes ou uns aos outros e agora estão neste estado...?

Bons é que eles não estão (não estão ou não são... não sei que não os conheço de lado nenhum).

Obrigada pelas suas palavras, P. Rufino!

Um Jeito Manso disse...

Olá Irene Alves,

É que o sujeito é mesmo estranho. Já quando fui aquilo da TSU anunciou que ia tirar 6% aos trabalhadores para dar aos patrões e depois, na maior ligeireza, foi cantar a Nini.

E de cada vez que o vejo é assim.

Algum médico por aí que o vá tratar...?!


Um beijinho!

Um Jeito Manso disse...

Olá jrd,

Ora 'mande' aí mais cinco que já somos dois.

Uns ratos a pedirem que eu avance com o meu exército de gatos (conforme acabei agora mesmo de escrever lá no Ginjal...) é o que eles são.

Um abraço!

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
Subscrevo inteiramente tudo o que escreveu, assim como as belas 'figurinhas deprimentes' que escolheu para definir as várias personalidades dos ditos 'figurões'...
Um post excelente.
Um beijinho

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria Eduardo,

As 'figurinhas deprimentes' são desenhos, não fazem mal a ninguém. Pior mesmo são os figurões que causam depressões a muita gente...

Obrigada pelas suas palavras, sempre tão queridas.

Um beijinho, Maria Eduardo!