terça-feira, janeiro 15, 2013

Manuela Moura Guedes dona de casa, desempregada, sozinha, isolada. Uma capa da Flash muito triste. E a minha amiga por quem todos estamos a torcer. E, nem sei se a propósito, uma viagem pelo imenso espaço sideral - do infinitamente grande ao infinitamente pequeno




Manuela Moura Guedes, de entrevistadora temida a dona de casa desempregada,
confessa-se agora sozinha e isolada

Capa da edição da Flash agora nos escaparates



Talvez sejamos mesmo uma ilha, nós próprios rodeados de gente. Ou rodeados de nada, um imenso vazio à nossa volta. Ou nós e outras ilhas, um pequeno arquipélago na imensidão do espaço.

Talvez a lente de algum observador invisível suspenso no espaço, a que alguns chamarão deus, consiga ver o infinito espaço. 




Nele verá constelações boiando, buracos negros, imprevistos movimentos; e talvez consiga também ouvir o silêncio, o imenso silêncio sideral. Ou uma música por nós nunca sequer antecipada. Curioso, atento aos pedidos que lhe chegam e infinitamente capaz de a todos analisar, esse distante e piedoso observador rodará a lente para se aproximar. 




A sua visão entrará, então, apenas numa pequena fracção de espaço onde verá um imenso caldo de luz. E aproximará ainda mais e verá estrelas, umas muito antigas, luz branda, coada, outra maduras, e outras muito jovens, chispando, uma luz intensa e vibrante. E verá silenciosos planetas. Grandes, pequenos, gélidos, flamejantes, cinzentos, discretos, exuberantemente anelados: vários planetas. 




E, tal como por vezes lhe acontece, um dia, no meio de tudo, verá um pequeno planeta azul. Pequeno, um pequeno ponto florindo no imenso espaço.




Aproximará ainda mais a lente. Um mar muito azul, serpenteando ao longo do verde, do branco, alguns salpicos de castanho ou amarelo: uma bolinha de brincar. E ao observador longínquo apetece-lhe brincar. 

E então aproxima ainda mais a lente e começa a ver uma superfície recortada, parece quase um bicho de várias patas que se desenha sobre uma superfície de água.




Aproxima ainda mais a lente e vê casas, muitas casinhas, e estradas de brincar, comboiozinhos que atravessam os campos e barquinhos que cruzam os mares. 




Ao longo de alguns anos alguém se entreteve a brincar, a fazer construçõezinhas com muitas luzinhas, lagos, jardins, um pequeno mundo em cada bairro.

Aproxima ainda mais, quase no limite. Vê figurinhas ínfimas, insignificantes criaturinhas, pontinhos. Animais, pessoas, árvores, rochas e outras pequenas coisas, umas quietas, outras mexendo-se. 




Aproxima ainda mais a lente e foca-se nas pessoas mas tem dificuldade em distinguir uns de outros, são todos demasiadamente iguais. Uns choram, outros riem, uns andam vestidos, outros nus, uns cantam, outros dançam, outros guerreiam, outros insultam-se, outros abraçam-se. 

Um deles sou eu, outro será você que me lê, quase iguais, quase irrelevantes.

E, no entanto, vistos não a esta escala infinita mas à nossa e limitada pequena escala que importantes nos achamos.

Mas não somos importantes. Somos pequenos, frágeis, pequenos seres que aparecem e desaparecem numa infinita sucessão de aleatoriedades. 




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Uma ex-colega minha, de que aqui falei há dias e com quem trabalhei durante anos, sempre foi uma excelente pessoa, irrepreensível, nunca lhe conheci, com ninguém, nem o mais leve desentendimento. Frontal, sincera, trabalhadora, bem disposta, conciliadora. Uma vida tranquila, saudável. Talvez por isso, por ser assim, nunca se lhe tenha conhecido doença. No entanto, dentro dela uma pequena bolha silenciosa estava em contagem decrescente. Rebentou no outro dia, sem aviso prévio, sem qualquer sinal. 

Foi operada e a operação correu bem. Está a reagir muito bem e toda a gente está muito animada. Diziam-me hoje que já vai respondendo a estímulos, mostra reacção quando se fala com ela, tentou abrir o olho e tentou olhar… enfim, devagarinho, vai melhorando

Uma mulher dinâmica, independente, que vivia a ajudar os outros, passou num instante a uma criatura indefesa, dependente, numa situação em que abrir um olho já é uma vitória que a todos enche de esperança. 

Precária, pois, a nossa condição.

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Vejo também na capa da revista Flash uma mulher que em tempos foi poderosa.




Nos tempos vitoriosos do Jornal Nacional na TVI ela era arrogante, quase ofensiva, permitia-se quase agredir os convidados, interrompia-os, insinuava maus comportamentos, sugeria más práticas, derrubava reputações, agrediu verbalmente, por mais do que uma vez, o primeiro ministro deste país a quem mostrava odiar – e agora aparece-nos quase como uma caricatura de si própria, uma mulher decadente, uma pose de vedeta arruinada. 

A cabeça pende sobre o ombro, a mão eleva-se sem energia para tapar o decote, hesitante no agarrar da estola de pele que ali quase parece despropositada. Vê-se que tenta sorrir mas não consegue, e os lábios excessivos e excessivamente pintados tornam-na triste e quase grotesca. Olho-a e sinto quase pena.

Manuela Moura Guedes não previu, certamente, no período áureo da sua carreira, que não seria poderosa e temida toda a vida. Leio na capa da revista que está desempregada há dois anos, que queria trabalhar, que é uma dona de casa insatisfeita, que passa o dia a fazer limpezas e a cuidar dos filhos, que se sente sozinha e isolada. Passou de moda, passou à história. A sua glória alimentava-se do ódio que sentia ao socratismo que ela ajudou a derrubar. O socratismo está morto e a glória de Manuela Moura Guedes também. 

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Curtos e incertos são, pois, os caminhos da glória.

Curta, incerta, precária, insignificante a nossa vida. Que a usemos, então, enquanto podemos, da melhor forma, com generosidade, humildade e leveza, sentindo a beleza do que nos rodeia, agarrando cada instante, certos da volatilidade da nossa sorte. Ao menos isso. Não somos estrelas, ninguém o é: somos menos que ínfimos pontos no universo.


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Saíu tão longo este texto... Mas, mesmo assim, permito-me ainda convidar-vos a virem comigo até ali ao meu outro lado, até ao Ginjal e Lisboa. Hoje temos uma estreia, José Gomes Ferreira. E em volta do seu poema escrevi palavras que contrariam o poema, levada pela fotografia que gostava mesmo que fossem ver. Nos meus passeios testemunho situações do além e a que ali reporto é, seguramente, uma delas. A música é, de novo, um momento feliz, João Gil e Jorge Palma. Senta-te aí.

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E nada mais por hoje. Apenas desejar-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça feira, cheia de luz.

16 comentários:

JOAQUIM CASTILHO disse...

Olá UJM!

Gostei do seu imenso Zoom do espaço sideral à Moura Guedes, esse monumento pimba à estupidez humana tornada uma deusa pelo anti-socratismo mais primário!

Gostei...e muito!

Um abraço

Anónimo disse...

Acabo de enxugar as lágrimas, vertidas pela situação injusta em que se encontra a Moura. Aqueles monólogos entre ela e Vasco Pulido Valente (a paciência do homem!), nunca se chegando a perceber o que VPV queria dizer, pois Moura, sem tupete para o desenvolvimento do raciocínio daquele, que levava algum tempo a expressar-se, era o seu estilo, respeite-se - nada, todavia, comparado com o atrasado mental do Vitor Gaspacho, o Ministro da Fazenda - acabava sempre por o interromper, para estupefacção do pobre, que bem tentava, lentamente, à sua maneira, prosseguir, sem sucesso e deste modo ver-se obrigado a responder a outro tema e a nova pergunta, sabendo que Moura nunca lhe daria qualquer hipótese de a concluir. Ainda acreditei que um dia, VPV se chateava com aquela treta, dava um murro na mesa e mandava a Moura ás malvas, já que, sendo um cavalheiro, não se atreveria a mandá-la para outro sítio, mais apropriado.
A boca larga da Moura deixou-me alguns arrepios, designadamente sempre que esganiçava a voz quando atacava o “Reino do Mal”, ou seja, o país socrático em que se vivia. Cá em casa chamavamos-lhe a Moura-Pit Bull, pois não só “mordia” o Sócrates, não o largando, como pela dimensão das mandíbulas - salvo seja, no caso dela.
Pois é, isto de se estar na mó de cima e em voga, é como as marés. E quem não acreditar nisto engana-se redondamente. Assim espero que venha a suceder ao Pedrito de Massamá e ao seu governo autista. Leio, com alguma preocupação, o que disse o Governador do BdP e se nem as exportações nos salvam, quem será? O Todo-Poderoso? Ocupado com os afazeres do Grande Universo, nem se lembrará daqui do burgo, insignificante gota do mesmo Universo.
Ainda voltando à Guedes, nota-se alguma magreza nos braços (ou pelo menos num). Fome? Quanto ao casaco de peles, compreende-se. É Janeiro e está um frio de rachar. Tal como ela rachava o Sócrates. Se calhar, o melhor que ela faria era ir para Paris uns tempos, estudar, reconciliar-se com o Zézito e regressarem ambos, já amigos, quando as coisas por aqui tivessem amainado, o Governo de Passos-Gaspar-Moedas, etc já tivesse ido á vida, corrido com um pontapé no rabo pelo povo.
“Quer trabalhar”! Pois muitos milhares também querem, querida MMG! O melhor será integrar um sindicato, talvez a GGTP, que é mais aguerrida e ver se eles defendem a sua causa.
E vejo na revista que a Luciana Djaló luta pelo casamento. Uma luta que dá luta, ao que vejo. Mas, seguramente, muito menos difícil do que a da Guedes, pois lutar por obter emprego, ou trabalho, como ela diz, nos tempos de hoje é obra! Requer resiliência.
Pergunto-me o que a Manuela diria deste governo se ainda ali estivesse na TVI, se acharia que este governo, também era fascista como os alunos da Escola António Arroios chamaram a José Sócrates, para gozo da Moura.
P.Rufino


rosaamarela disse...

olá ! FELIZ 2013 !!!

A minha mãe dizia: "a minha mãe dizia, se queres levar a vida direita, não te adiantes nem te atrases.

abraço

jrd disse...

Sobre a personagem em foco, já debitei linhas que cheguem:

http://bonstemposhein-jrd.blogspot.pt/search/label/Manuela%20Moura%20Guedes

:)

GL disse...

Olá UJM,

Penso que um dos grandes dramas do Homem é não se aperceber das suas vulnerabilidades, e isto a todos os níveis.
O caso da sua ex-colega mostra, de forma inequívoca, a nossa pequenez neste imenso cosmos, a nossa fragilidade, a nossa impossibilidade de gerir a nossa vida de forma absoluta. Somos tão indefesos, mas tão indefesos!...
A Moura Guedes? Faz pena, sim! Mas sabe, cada vez mais penso (uma barbaridade, dirá!) que as pessoas, de uma certa forma, têm o que merecem. Sei que isto não é assim tão linear, mas creio que tem algum peso.

E, agora, vou até ao Gingal. Vou ver o que por lá se passa.

Beijinho.

Isabel disse...

Tenho esta noção da nossa insignificância, já desde há muito tempo, e por isso cada vez mais tento aproveitar as coisas que gosto e posso fazer. Procuro não chatear ninguém e não me chateio já com muitas coisitas que antigamente me tiravam o sono. Sou uma pessoa responsável e tento fazer bem as minhas obrigações, mas o resto...quero paz!

A vida pode mudar dum momento para o outro: uma doença, um acidente, perder o emprego...tanta coisa pode mudar completamente a nossa vida. Sem pensar muito nisso, tenho no entanto essa consciência.
"Viver o dia!"

A Moura Guedes pode já não ter para uma vida de luxo, como tinha, mas está de certeza muito melhor que milhares de portugueses desempregados.

Um beijinho

A Matéria dos Livros disse...

Somos mesmo pequeninos...

As melhoras da sua amiga

Um abraço

Pôr do Sol disse...

Parece que se confirma o ditado
"cá se fazem cá se pagam". Será que nestes tempos de solidão e desemprego se lembra das vidas/carreiras que ajudou a destruir, por inveja e despeito?

Não me alegra a infelicidade de ninguem.

Agora fico é com a esperança que o ditado se estenda ao grupo de malfeitores que nos desgoverna.

Um Jeito Manso disse...

Olá Joaquim,

Eu não conseguia ver os noticiários dela. Por vezes calhava, no zapping, passar por lá. Mas era tão arrogante, tão incomodativa, sempre a interromper toda a gente, cheia de insuportáveis trejeitos, que zarpávamos logo dali.

Achava que tinha o rei na barriga e a verdade é que nunca ninguém o tem.

Obrigada.

Um abraço.

Um Jeito Manso disse...

Oh P. Rufino,

O que já me ri com o que escreveu. Pois é, já nem me estava a lembrar daquelas intervenções a que o homem se sujeitava. Essa era mais uma que nos levavam a não conseguir ver aquilo. Aqui em casa, gente muito popular, ouviam-se logo gritos 'Essa gaja é que não!'

Tantas fez, tantas, que os telespectadoras se cansaram daquilo. Era mal educada mesmo. Aquilo não era jornalismo, nisso o Sócrates tinha razão, aquilo era uma coisa travestida de jornalismo. Parecia movida por raivas pessoais. convidava as pessoas para serem entrevistadas e depois maltratava-as.

E se a Judite de Sousa exagera nas toilettes e nas maquilhagens, ela, então, desde que aumentou as maçãs do rosto (porque aquela boca acho que é mesmo dela), toda pintalgada, era uma coisa excessiva, histriónica.

Quanto às previsões que agora aparecem são piores que as do governo. Mas, diga-me, já alguma vez o Gaspar acertou em alguma coisa? Nada. Tudo mal. Sempre.

Este OE 2013 está errado desde que foi feito, todo errado, todo baseado em pressupostos errados. é um logro.

E, pronto, calo-me já senão já não saio daqui. Falar nestes incompetentes é desatar-me a língua.

Boa noite, P. Rufino e, por favor, veja se não tem pesadelos com a pit bull...!

Um Jeito Manso disse...

Olá Rosita,

Bom 2013 também para si. E está muito a tempo, o 2013 ainda vai no adro.

Felicidades para si e para a sua filha.

Um abraço!

Um Jeito Manso disse...

Olá jrd,

Já me fartei de rir com a sua maldade. Mas não posso deixar de lhe dar razão.

Imagino, isso sim, para uma mulher como ela, o que ela foi, o que ela se achava, o que será agora estar em casa, sem ninguém lhe ligar patavina.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades - e ela, centrada em si própria como estava, não se lembrou disso, achava-se acima de tudo. Talvez esta travessia do deserto lhe traga alguma humildade.

Um abraço, jrd.

Um Jeito Manso disse...

Olá GL,

Pois, por vezes é verdade que as pessoas têm o que merecem. Mas nem sempre. Por vezes há coisas muito, muito injustas. No caso da minha amiga há mesmo uma tremenda injustiça. Uma pessoa como ela não merecia mesmo o que lhe aconteceu.

Mas outras vezes há em que a gente vê como a vida dá voltas que corrigem exageros ou distorções. O caso da Manuela Moura Guedes é isso. Era tão exagerada, tão desagradável com as pessoas que a vida se encarregou de lhe dar uma lição de humildade.

Mas, seja como for, que nunca nenhum de nós se esqueça que somos mesmo muito vulneráveis. E que a vida é curta.

Um abraço GL e muito obrigada!

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

Gosto do seu pragmatismo. É isso mesmo. Está desempregada e a sofrer de solidão e de estranheza face ao que lhe está a acontecer - mas está, de certeza, sem preocupações monetárias. E quantos desempregados podem manter o nível de vida que ela tem? Tem muita razão, Isabel.

E, no que se refere ao nível de vida, eu também penso assim. Sabemos lá o que nos vai acontecer no instante seguinte? Não desperdicemos, pois, nenhum momento. Não atentemos contra os outros nem contra a nossa consciência e vivamos com alegria o prazer de estarmos vivos num mundo que pode ser tão bonito.

Um beijinho, 'menina que estás à janela'!

Um Jeito Manso disse...

Olá Leitora,

Somos pequenos, insignificantes, vulneráveis, pontos de luz num universo repleto de biliões e biliões de outros pontos de luz. Como podem algumas pessoas achar-se estrelas únicas, não é?

Um beijinho, Leitora!

Um Jeito Manso disse...

Olá Pôr do Sol,

Ri-me com o que escreveu. Faço ideia o Sócrates, tão maltratado que foi por ela, a vê-la assim, decadente, queixosa... Bem que ele deve pensar mesmo isso.

E concordo o mais possível: tomara que a gente ainda venha a ver o Relvas na capa da revista Maria, de camisola interior de alças, beiçola caída, a queixar-se que está isolado em casa, sozinho, que os amigalhaços lhe viraram as costas.

Um abraço, Sol Nascente!