domingo, janeiro 27, 2013

In heaven, com o coração muito apertado


Estou in heaven mas com o coração apertado. Quando cheguei já o sol se punha, um sol glorioso.




Mas ainda deu para ver alguns dos estragos. No outro dia, já aqui tinha contado na resposta a um comentário, quando no domingo passado estávamos no cinema, ligou-nos um vizinho a dizer que estava um cipreste grande tombado para a estrada, que quase impedia a passagem de carros. O meu marido pediu que, se não houvesse alternativa, o cortassem. Com essa perspectiva fiquei logo preocupada mas, optimista como sou, alimentei a esperança que o tivessem conseguido salvar. Nem quis saber durante a semana, com medo do pior.

Afinal, quando chegámos - e tivemos que vir quase parados pois estava a passar um rebanho - logo ele nos alcançou ainda estávamos ao portão: vinha dizer que o tinham cortado. Olhei o sítio onde ele estava, muito desgostosa, a pensar se não teria, de facto, havido outra alternativa. Quase me recriminei por não ter saído do cinema, disparada, a ver se ainda o conseguia salvar, segurá-lo ao colo. Não vim mas, se calhar, não havia mesmo nada mais a fazer. Agora é um espaço vazio, muito triste. Um golpe de vento derrotou o meu elegante cipreste, plantado por mim há muitos anos. Mesmo que volte a plantar outro, levará muitos anos até que se faça como aquele. Agora estava ali, uns troncos ao longo da estrada, um corpo morto. O vizinho disse que o melhor é ser cortado para se aproveitar para a lareira. Apetece-me chorar só de pensar nisso. Que triste que isto é para mim.

Mas o vizinho disse que achava que o estrago não se devia ter ficado por aqui, que, aparentemente, pelo menos um pinheiro grande também devia ter tombado pois já não o viam da estrada. O meu coração quase gelou. Fui logo a correr, numa aflição. 

Mas afinal o meu grande pinheiro, o meu adorado pinheiro, aquele que uma Leitora disse que era o meu alter ego, estava de pé, esse estava de pé, pelo menos foi o que me pareceu de longe. Entretanto, escurecia rapidamente, já mal se via. 

A lua aparecia, eu via-a atrás do portão, perdida no meio da tipuana, e fotografei-a mas apenas para me distrair da minha tristeza.




É que tinha conseguido ver um outro pinheiro, com menos porte mas também já enorme, tombado por terra. Em tempos, quando tínhamos plantado, talvez há uns quinze anos, o meu pai tinha feito, a meu pedido, um banco de madeira, de ripinhas, pintado de verde escuro, à sua volta. Gostava de me sentar lá, à sua sombra, a ver as montanhas ao longe. Este verão lá estive com os meus meninos. Estiveram a apanhar pinhas, de pé em cima do banco.

Amanhã vem o vizinho para ajudar o meu marido, para verem o que se poderá fazer. Eu sugeri que lhe prendessem uma corda e o puxassem a ver se conseguem pô-lo de pé, mas temo que não seja possível, temo tanto. Estou a escrever isto com um nó na garganta, um aperto no coração. Talvez não compreendam. Para mim, ver aquele grande pinheiro em terra é como ver um cavalo muito amigo a sofrer no chão, é como temer que tenha que ser abatido. 

O vizinho diz que só com uma máquina o poderiam levantar mas uma máquina não chega ali. Eu tenho esperança que consigam erguê-lo a força de braços mas temo que não, pois é tão pesado. Uma dor, uma dor... Nem quero pensar. O banco que o meu pai vez também está partido, tudo aquilo está levantado. Como aqui o terreno é só pedra, as árvores devem ter as raízes muito à superfície. Não sei. Ou então foi o vento que foi forte demais.

O vizinho diz que também ficou sem uma oliveira e sem uma azinheira.

Tomara que a nós não tenha sucedido mais nada. Não conseguimos ver pois, entretanto, a noite tombou. Agora só de manhã. Que tristeza que eu sinto. São vidas que se perdem. O meu filho, a quem contei pelo telefone, também ficou triste, percebi-lhe pela voz, mas disse-me que é a natureza. Sei que é. Mas eu queria que estas árvores vivessem para sempre, que me sobrevivessem, que os meus filhos e os filhos dos meus filhos e os filhos dos filhos dos meus filhos sentissem o seu perfume, descansassem à sua sombra, passassem as suas mãos pelas seus troncos rugosos e eternos.

*

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um bom domingo.
E, por favor, torçam por mim, para que consigamos salvar o meu pinheiro e para que não tenha tombado mais nenhuma árvore.

18 comentários:

Olinda Melo disse...


Querida UJM

Desejo do coração que consigam salvar o seu Pinheiro. E tem razão, é uma vida que se perde.Ainda por cima perdeu o outro, que foi cortado. Este mau tempo tem feito estragos que é de fazer dó. Veem-se árvores por terra, culturas arrasadas, anos de trabalho perdidos. O seu filho diz bem, é a Natureza e, de vez em quando, mostra-nos a sua força.Nessas alturas sentimo-nos tão pequeninos.

Volto amanhã, para saber como estão as coisas. Hoje, apesar de tarde, não quis deixar de aqui vir com o eco da sua aflição a chegar aqui ao Xaile. Tinha acabado de chegar do cinema e tive a ideia de aceder ao blog.Ainda bem, porque assim posso enviar-lhe estas palavras, embora eu não possa remediar nada.

Beijinhos

Olinda

rosaamarela disse...

Compreendo-a muito bem, qdo cortaram o olival à minha porta para fazer "apartemants" fiquei um mês sem falar...

BOM DOMINGO!

Bartolomeu disse...

UJM, não tens por aó um vizinho ou dois, que possuam tractores?
Se tiveres, tentem com cordas, puxar o pinheiro no sentido contrário àquele em que está tombado.
Se o veio principal da raíz não tiver sido afectado, ele volta a agarrar-se à terra.
Boa sorte, minha amiga!

JOAQUIM CASTILHO disse...

Olá UJM!

Torço por si, claro! Também eu gosto muito desses seres silenciosos e circunspectos chamados árvores. Gosto de os ver, de os fotografar e até tenho uma amiga muito especial, uma árvore muito bela que mora na EPAL na Marquês da Fronteira ao cimo da Artilharia Um. É a mais linda árvore de Lisboa!

Faço votos para que consiga salvar o seu Amigo e companheiro o seu
amado Pinheiro!

um abraço

MCP disse...

Olá Amiga,
Este inverno tem sido muito rigoroso, hoje mais um dia de muita chuva...o temporal do fim de semana passado, foi horrível!!!
Oxalá consigam salvar o seu Pinheiro, já que o Cipreste não foi possível. É bem verdade, a Natureza tem destas coisas, ora nos dá maravilhas, ora nos tira as que tinhamos!!
Não perca o seu lado bom de ver as coisas...aquele que sempre partilha connosco.
Depois da tempestade vem a bonança.
Vai de certeza continuar a poder oferecer-nos fotos lindas do seu in heaven, com o coração aberto e alegre.
Um Abraço Grande e Solidário.
MCP

P.S. Gosto dos tons suaves do seu novo visual.

Anónimo disse...

Compreendo este tipo de sentimentos. Aqui há meia dúzia de anos, meus pais, que estavam na altura, creio que Maio, na nossa casa na Beira-Alta (onde passam cerca de 7 meses e picos por ano), telefonaram-nos: “olhem, estamos muito tristes, imaginem, a grande e velha figueira que o vosso avô (materno) tinha plantado, caíu, morreu, com a idade. Não havia nada a fazer, tivemos de a tirar dali, com imensa pena e muita saudade!” Achei aquelas palavras enternecedoras.
Temos inúmeras fotografias ali sentados, desde crianças, com nossos avós maternos, com nossos pais, só nós os irmã/irmãos, com sobrinhos e até de nosssos antepassados todos ali abrigados na sombra frondosa daquela figueira centenária. Enfim, um período que passou, como passamos todos. Triste.
Outro dia estive por lá e ali sentado no banco de pedra construído ao tempo da velha e saudosa figueira, deu-me para, com um dos meus irmãos, recordar tempos passados, da nossa meninice.
A velha figueira foi-se, mas ficaram os afectos e a saudade. Do que ela nos deu – sombra, figos, repousantes momentos, etc – e que não se esquecem. Tenho pena de não ter uma foto com o nosso neto, nela abrigado do sol.
Quem não gosta de árvores, não gosta de pessoas. Temos no nosso jardim por aqui umas 2 oliveiras, um pouco difícil para este clima por vezes ventoso e de influência marítima. Uma, talvez onde foi plantada, mais abrigada, cresceu bem, a outra – a minha, a quem eu quero particularmente – tem menos galhos, menos vegetação, mas lá vai. Já a salvei umas 2 vezes. E mantenho com ela um “diálogo” regular. De manhã, com o copo de café e leite na mão, ou aos fins de semana, falo-lhe “ao ouvido”, mas falo mesmo: “então, bom dia! Como vai a minha oliveira?” E afago-a. Pode achar uma palermice, mas tenho uma estima por aquele sofrida oliveira, não sei explicar, mas tenho. Uma espécie de afecto.
As árvores são capazes de nos dar mais do que muitas pessoas. E sem esperar retribuição!
P.Rufino
PS: minha Mulher gosta igualmente muito de um belo cipreste. Uma árvore que vi profusamente espalhada nas paisagens campestres da velha Toscânia italiana.

A Matéria dos Livros disse...

Compreendo a sua angústia, ainda que concorde com o seu filho quanto à obra da Natureza. É assim: a morte a e a vida sempre entrelaçadas. A nós, custa-nos, mas se pensarmos no ciclo do tempo natural, vemos que tudo é necessário à continuação dos seres e está bem.

As árvores, todavia, parecem muito próximas do nosso sentir mais profundo (são símbolos cósmicos, que estabelecem a ligação entre os vários planos do mundo), pelo que vê-las caídas perturba.

Também fiquei muito incomodada quando, sem aviso prévio, cortaram os jancaradás desta vila. E, nesse caso, não foi obra da Natureza, foi da modernice.

Espero que tenham conseguido salvar o seu pinheiro e que o seu coração já esteja mais leve.

Um abraço

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
Pelo visual semi esbatido do seu blogue, percebi que algo não estava bem consigo e que o seu coração não estava alegre como de costume. Comecei a ler o seu texto e fiquei também com um nó na garganta de comoção. A natureza dá-nos presentes e rouba-nos assim desta maneira, sem nos pedir licença. Pela maneira como fala da perda do seu Pinheiro que plantou e viu crescer, imagino a sua dor ao sentir agora a sua falta. Uma vida que foi prematuramente arrancada às entranhas da terra deixando um lugar vazio onde agora só restam as muitas recordações da sua infância. Estou a torcer para que o seu Pinheiro tombado se consiga pôr de pé, que se agarre de novo à vida e que a faça sorrir e possa continuar a sonhar à sua sombra.
E aqui vai uma pequenina oração de força:

Oh meu Pinheiro Querido,
levanta-te de mansinho,
ergue-te, respira o ar puro da serra,
enche os teus pulmões da luz da esperança,
Vá, espreguiça-te, ergue-te,
abre os braços e agarra-te a mim,
aperta-me bem forte,
assim, com garra,
e deixa que a minha energia penetre em ti e te dê
força de viver para voltares a ser VIDA!

Foi o que o meu coração ditou neste momento.
Um grande beijinho, UJM e que tudo corra conforme os seus desejos.
maria eduardo

Traçados sobre nós disse...

Caríssima UJM:

Creio que sei bem o que sente. Lamento, lamento muito! Na mesma altura, aqui na quinta que olha o sagrado da cidade, mas onde usualmente não moro, tive também devastação. Descrevi-a na primeira parte do poema "Temporal", cujo endereço aqui vou deixar. Num outro dia, algum tempo antes, tive que mandar abater dois pinheiros, um particularmente grande, secos por doença, que gostavam de embalar a casa e de me embalar. Escrevi, então, o poema "Deixaram de dedilhar as ondas", que a UJM comentou. Deixo também esse endereço onde creio que está o que sendo "nós" de nós parte...

Saudações cordiais,

J. Rodrigues Dias

http://joserodriguesdias.blogspot.pt/2013/01/deixaram-de-dedilhar-as-ondas.html

http://joserodriguesdias.blogspot.pt/2013/01/vendaval.html

jrd disse...

A Natureza usa os "elementos" para lembrar ao "homem" o mal que este lhe tem feito.

Apesar de me considerar inocente, a mim, "caiu-me" uma simples nespereira, veremos se a consigo recuperar.

Boa semana

Abraço

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
Volto aqui só para fazer uma pequena correção ao meu comentário anterior, pois só agora o reli. Queria dizer: Pela maneira como fala da perda do seu "Cipreste" e não Pinheiro...
Um Beijinho Grande de Solidariedade.
maria eduardo

Isabel disse...

Tenho imensa pena da sua árvore e espero que consigam salvar o pinheiro. Uma àrvore tem um valor imenso e uma árvore plantada por nós, que cresceu à nossa beira e com o nosso carinho a cuidá-la, é assim uma espécie de filho.
Compreendo perfeitamente a sua dor.

Gostei muito do tom suave do novo visual.
Um beijinho e espero que volte com boas notícias.

Anónimo disse...

Quando a leio,lembro-me de P.Valéry "...Que faire de tout ce passé?
Que faire d'un passé?Mais tu le sais bien!Des phrases!..."
As suas partilhas são tão ricas e variadas.Interpelam-nos e levam-nos a reflectir.
Certamente que deste registo ficará memória para todos.Acima de tudo fica a sua "marca de água"que nada nem ninguém apagará.Isso é o mais importante.
Não estou a relativizar a devastação do seu jardim feito de amor e memórias.Sei,dolorosamente,o que é a força destruidora dos ventos,das águas e das entranhas da terra.Sei,também o que é reconstruir e plantar a esperança em cada casa e em cada jardim,pomar e estufa.Dói,mas antes de nós,também os nossos antepassados o fizeram.Esse exemplo é um estímulo e,com os olhos postos no futuro dos nossos netos,a cada provação,recomeçamos com a mesma obstinação e força.Tentamos implicar toda a família nuclear nessas tarefas e espreitamos com enlevo e orgulho o que ajudámos a plantar ou a escolher.Olhamos albúns e fotografias.Recordamos família e amigos,festas e brincadeiras vividos nos espaços a reconstruir.Saímos enriquecidos e passamos testemunho.Sempre foi assim na minha infância,na dos meus filhos e,agora,também com os netos.Todos nós temos raízes enterradas em todos os nossos jardins.Haverá mais sábia maneira de existir? E em dias de temporal,os ramos agitados esboçam o começo de um voo...E nós ficamos suspensos da fúria dos deuses da Atlântida.

Aceite a minha solidariedade.
Maria Ana

Anónimo disse...

(colhido em António Ramos Rosa)
com a árvore partilhamos o mundo com os deuses”
UJM – mulher/deusa – para sempre, nos seus afectos, sentirá
o canto do vento[no seu cipreste]
(apanhado em Maria do Rosário Pedreira)
Em jeito de abraço/flor/fruto,
Del ciprés
Del ciprés enhiesto en la llanura
los días afilan las sombras.
La soledad, agachada, lo ve.
Y huye sin querer que se lo nombren.
Héctor Rosales


Ana de Sá

Maria disse...

Amiga:
Consegui ler em viés e percebi que a sua adorada casa sofreu estragos. Sabendo o que representa para si, quis dizer-lhe uma palavra de conforto. Coragem! Com tempo, tudo volta a ser o que era. Ainda bem que o seu pinheiro está de pé. O resto, a Natureza e a sua vontade, vão recuperar.
Abraço grande
Mary

Um Jeito Manso disse...

A todos,

Do coração vos agradeço. Tão sensibilizada fiquei, e fui lendo os vossos comentários (no telemóvel) ao longo do dia, que quis agradecer-vos de uma forma especial. Espero que percebam que foi a forma que encontrei para vos mostrar como as vossas palavras foram importantes para mim. São sempre.

Muito obrigada.

Anónimo disse...

Olá,

Neste momento de tristeza, o meu abraço amigo!

Cipreste: Há que plantar outro(s) e rapidamente! A UJM não é mulher para desistir, e ainda o vai ver enorme! E que bonito vai ficar numa 'Noite Estrelada'...

Banco: Espero que consiga recuperá-lo! Esta sim, uma grande perda, pois dificilmente o seu pai poderá construir outro...

Dê um abraço por mim ao seu alter-ego!

Coragem, boa amiga, e um beijinho grande,

Antonieta

ps: Gosto muito do novo visual.

Tété disse...

Só hoje me apercebi da sua perda. Também fui ao meu heaven a temer pelas minhas recordações e afinal, dentro de tudo, só caiu (e digo só porque a raiz ficou na terra e já despontam 3 rebentos) uma árvore da borracha que não era muito grande. O meu marido plantou noutro sítio a parte partida e a original lá se aguentou. Não desanime porque a Natureza dar-lhe-á outras de presente e pense quão difícil será enfrentar as outras grandes perdas que este temporal semeou.
Beijinhos e muita força porque a Jeitinho é a tal da grande garra.