Quando ontem escrevi sobre o buraco no fundo das pensões, antevendo novos cortes, não sabia que, poucas horas depois, o relatório do FMI sobre os cortes iria ser divulgado.
Tentei lê-lo mas é extenso e tudo o que lá está escrito é relevante. Por isso, não deu sequer para fazer uma rápida leitura transversal. Comecei e ainda li uma parte, talvez um terço, não sei bem.
De qualquer forma, sobre aquilo que já li, deixo aqui alguns apontamentos.
1. Apontamentos prévios
1.1. O estudo do FMI foi feito a pedido do Governo e teve como objectivo encontrar pontos de racionalização que permitam uma redução de gastos da ordem dos 4.000.000 euros. Ou seja, foi isto que lhes foi pedido e é a isto que o estudo tenta responder.
1. 2. Mas eu não sei - e o estudo não o explica (e, se calhar, não tinha que explicar) - quem é que definiu esse cabalístico número. Porquê 4 mil milhões?
1. 3. E para mim também não é líquido que, se o que está em causa é um défice fixo dessa ordem, a resolução tenha que vir de um corte das despesas. Numa subtração consegue influenciar-se o resultado agindo sobre qualquer das parcelas. Se a economia crescer, se houver mais contribuintes líquidos (por exemplo, reduzindo o número de desempregados) o resultado sairá igualmente beneficiado.
- Ou seja, tenho dúvidas sobre a qualidade do enunciado. Pode acontecer que a questão esteja mal colocada. E, assim sendo, qualquer análise que faça à resposta a esse enunciado sai, forçosamente, prejudicada.
1.4. Uma análise desta natureza é a que deve estar expressa em termos de programa eleitoral. Um partido que se submete a eleições deve fazer o seu trabalho de casa e deve propor ao eleitorado um conjunto de medidas. O povo vota e, quem ganhar, implementa essas políticas. Essas e não outras que invente a meio do 'jogo'.
- Ou seja, não concebo que uma análise de fundo como a que se refere, nomeadamente, a refundar os princípios do Estado Social apareça a meio de uma legislatura, às três pancadas, conhecida através dos jornais, com os ministros a darem palpites, com um júnior qualquer a dizer umas coisas, e com dois meses para apresentar conclusões a Bruxelas!
Eu, se fosse Presidente da República e, por qualquer estranha razão, ainda não tivesse feito nada perante os desmandos e as palhaçadas deste Governo, com uma destas chamava-o, continha-me para não lhe dar um par de estalos, e mandava-o para casa sem, sequer, perder muito tempo a explicar-lhe que quem faz uma destas é alguém tão destituído de tudo que nem valia a pena tentar explicar-lhe o que quer que fosse.
1.5. Independentemente do que disse atrás, acho que é relevante olhar para o País, olhar com uma visão crítica, aberta, ponderada, humanista.
Nunca como está a ser feito, nem na forma, nem no conteúdo, nem no timing. Mas, feita de outra forma, acho que uma análise deste tipo é imprescindível.
2. Apontamentos breves e superficiais sobre o que li
2.1. Do que li, e atendendo a que se restringem a responder ao que lhes foi pedido, parece-me um trabalho genericamente bem feito. É o típico trabalho de consultoria deste tipo. Hierarquizam-se gastos, fazem-se comparações com outras realidades, fazem-se propostas.
2.2. Aparecem frequentes recomendações relativas a cuidados a ter em atenção: que o objectivo seja uma maior eficiência, uma maior equidade, que se salvaguarde o consenso. Ou seja, apesar de ser uma análise 'economicista' não deixa de revelar alguns cuidados.
A dado ponto escreve-se: reduction of public spending is clearly needed, but it needs to be achieved with a view to safeguarding social cohesion. An active dialogue with the broader public should highlight potential benefits and the need for various reforms. Building consensus, offering effective social safety nets, and introducing clear procedures (e.g., means testing) can help to alter the perceived balance of costs and benefits of the spending reforms that are needed, and promote both higher economic growth and a more equitable distribution of income.
Ou seja, o relatório contempla cuidados que revelam bom senso e sensibilidade. Um bom senso que falta amiúde aos nossos governantes e a sensibilidade que Paulo Portas mendiga junto dos colegas de coligação.
2.3. Algumas das análises (se os valores forem correctos - o que não sei se são, a julgar pelo que o Ministro Pedro Mota Soares disse) e algumas das conclusões referem aspectos de iniquidade existentes, de que aqui já falei e cuja alteração me parece fazer sentido.
Refiro, por exemplo, a existência de um sistema de saúde específico para as Forças Armadas que concede melhores benefícios, recomendando-se a sua integração no sistema geral. Refere-se também maiores benefícios na Caixa Geral de Aposentações quando comparado com o Regime Geral e que, a ser verdade, me parece justo que se uniformize.
A nível da educação, o estudo começa por fazer uma série de constatações que, a serem verdade, parece poderem justificar alguma intervenção. Transcrevo: Taking education as an example, and notwithstanding recent reforms, the Portuguese state still attempts to do (almost) everything: it provides education, sets standards, evaluates (its own) performance, and enforces standards. Yet, the state has been falling behind in providing quality education: of the 50 top schools, 44 are private, 4 are charter schools, and only 2 are public schools.
Depois refere os gastos e volto a transcrever: The Ministry of Education (MEC) employs close to 230,000 workers (of which close to 160,000 are teachers and university professors). These numbers are high relative to other countries, particularly given a decreasing the number of students due to demographic trends. According to recent statistics, the ratio of students per teacher is much lower than in most other countries, and, without additional reforms, likely to drop further due to demographic trends (see Section VI). In addition, salaries in education are above the OECD average, particularly for the high end of the compensation scale, with a premium of 25 percent relative to the OECD average pay for primary school teachers, 11 percent for secondary school teachers, and 15 percent for university professors. Portugal was the country with the fourth-largest increase in teachers’ salaries among OECD countries between 2005 and 2010.
Depois, com base em premissas deste tipo, avançam para uma série de propostas. E, com outra gente, gente séria, culta, bem formada, com tempo, com sentido de responsabilidade, tudo isto deveria ser analisado com seriedade.
2.4. Tratando-se de um estudo técnico, que formula várias propostas alternativas, deverá ser visto como isso mesmo. E, como tal, deve ser visto com cuidado. Todos os dados de partida estarão correctos? As conclusões estarão correctas? Ou seja, é matéria que merece ser escalpelizada com objectividade. E, depois, tudo deve ser sopesado politicamente - porque não há soluções independentes de opções políticas.
3. Conclusões
3.1. Volto a dizer: este governo não tem legitimidade para se meter nestas cavalarias. Não fazia parte do seu programa eleitoral, ninguém votou neles para isto.
3.2. Não sei se o objectivo é chegar a 4 ou a 10 ou a 2 mil milhões de euros de poupança ou se, pelo contrário, não se deveria fazer estudos para ver como se haveria de pôr a economia a crescer para fazer face a um défice. Não foi ainda explicado nada disto pelo que a discussão, posta nos termos em que o foi, pode não fazer sentido.
3.3. Não é em dois meses que se fazem análises destas. Tudo tem que ser exposto, explicado, discutido, avaliado. Com transparência, com objectividade, com ponderação, com honestidade intelectual. Depois, o que houver a fazer, deve ser feito em diálogo com a sociedade, de forma justa, digna, inteligente, numa perspectiva de longo prazo.
Só gente incapaz poderia achar que isto é coisa que se despache em dois meses, nos jornais, com o Moedas a dizer coisas na televisão.
Isto é trabalho que leva tempo, que tem que levar tempo, tem que ser amadurecido, pensado, consensualizado. Decisões desta ordem, com grandes implicações sociais, humanas, não podem ser decisões mal fundamentadas, levianas.
E, mesmo que a Comissão Europeia venha dizer que quer isto pronto e decidido num mês, alguém lhes deverá dizer que lá por, nos últimos tempos, termos sido entroikados algumas vezes não quer dizer que gostemos e que, portanto, vão chatear outros. Não nos esqueçamos: quem muito se abaixa...
E, mesmo que a Comissão Europeia venha dizer que quer isto pronto e decidido num mês, alguém lhes deverá dizer que lá por, nos últimos tempos, termos sido entroikados algumas vezes não quer dizer que gostemos e que, portanto, vão chatear outros. Não nos esqueçamos: quem muito se abaixa...
3.4. O que eu acho que toda a gente responsável neste país deveria fazer era recusar-se liminarmente a discutir o que quer que seja disto com estes incompetentes e ignorantes.
Se querem avançar para uma coisa destas, então demitam-se do Governo e peçam ao Presidente da República para marcar eleições e, então, com um programa deste tipo, submetam-se a eleições. Se ganharem, então logo cumprem aquilo para que, nesse caso, terão sido mandatados. Ora não é, nem pouco mais ou menos, o presente caso.
Em democracia há regras - também não nos esqueçamos!
Por isso, tratemo-los como merecem ser tratados.
Se querem avançar para uma coisa destas, então demitam-se do Governo e peçam ao Presidente da República para marcar eleições e, então, com um programa deste tipo, submetam-se a eleições. Se ganharem, então logo cumprem aquilo para que, nesse caso, terão sido mandatados. Ora não é, nem pouco mais ou menos, o presente caso.
Em democracia há regras - também não nos esqueçamos!
Por isso, tratemo-los como merecem ser tratados.
3.5. No entanto, independentemente disto, acho que faz sentido que algumas iniquidadades sejam corrigidas, faz sentido que se repensem os sistemas de educação, de saúde, de segurança. Mas que se repensem numa lógica de melhor ensino, de melhor funcionamento geral, de melhor serviço, de maior eficiência. Os portugueses deveriam exigir isto, deveriam exigir que os partidos que se apresentam a eleições se pronunciassem claramente sobre estes aspectos e deveriam votar em quem apresentasse as melhores soluções, as mais justas, mais consistentes, mais sustentáveis.
*
Isto saíu sensaborão, não foi? Então, convido-vos a virem daí até ao meu Ginjal e Lisboa. Hoje a conversa anda em volta do mais boquiaberto dos ministros tal como o definiu Armando da Silva Carvalho, um ministro a quem as finanças doem como um calo. A música é um controverso bolero, um momento de dança que junta o Vitorino ao Septeto Habanero.
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E tenham, meus Caros Leitores, uma bela quinta feira!
13 comentários:
falta este blog aqui - http://aventar.eu/blogs-do-ano-2012/blogs-do-ano-2012-votacoes-1a-fase-14/
Olá Caro Anónimo,
Já fui ver agora um bocado à pressa. Não sei como se inscrevem nem se ainda iria a tempo. Se calhar são os leitores que propõem e não propuseram o meu....
Mas obrigada.
é pena pois dos que vejo só falta este.o que quer dizer que ando a ler coisas em condições-))
se consigar colocar o seu lá, pode-se arranjar maneira de recuperar o atraso-)).É em função do ip, será que eles não sabem que existe software que me muda o ip de minuto a minuto
"Cada leitor pode votar em todas as categorias a concurso, em cada categoria uma vez. O controlo da votação é o do WordPress/PollDaddy , impedindo a repetição do uso do mesmo IP no espaço de 24h. Sim, toda a gente pode votar uma vez por dia.
2
O estudo é do FMI ou do FIM?
Abraço
Com esta gente a soldo de interesses obscuros
só apetece falar vernáculo
Este desgoverno se não for demitido
só se demitirá
se tiver ordens dos interesses obscuros
Tartufos
Caro Anónimo,
Já lá fui ver, ao Aventar, e até fiquei com vontade de ir a votos embora admita que não me seria possível concorrer com blogues tão conhecidos, muitos com autorias múltiplas. Mas também não perdia nada. Só que as inscrições estão fechadas.
Que pena.
Mas obrigada pelas dicas.
Olá jrd,
O seu blogue agora já está bom. Até há pouco, quando tentava entrar, aparecia-me um aviso da McAfee a informar que o seu blogue tinha vírus ou coisa do género. Tentei entrar apesar disso e fui parar a um anúncio de uma coisa qualquer. Mas agora entrei já sem problemas. Eles andem aí...
Quanto ao FIM... pois, tomara que sim: o fim de tão nefasta praga!
Um abraço!
Olá Puma,
Eu ainda tenho a secreta esperança que aquela rapaziada desmorone por si, que se peguem à estalada uns com os outros, que o Gaspar destrate o Paulo Portas e este se passe, que o Relvas tire do sério a Paula Teixeira Pinto e ela lhe atire um copo de água à cara, que a Cristas lhe dê um enjoo e não se contenha, sujando um documento único e fundamental, que o fofinho do Álvaro se vicie em pastéis de nata e tenha que ser internado para ser tratado com metadona - coisas assim.
Não era engraçado: saírem pelas traseiras, e nós todos a rirmos à gargalhada...
Jeitinho, minha cara, a coisa em inglês ainda me irrita mais porque me obriga a cautela redobrada na análise. Vou tentar le-lo todo e não estragar o fim de semana.
Mas quero dizer-lhe que este o seu post foi tudo menos sensaborão. Foi uma análise justa que li com atenção e relerei quando tiver feito o meu trabalho de casa.
Abraço
Ai Helena, que tempos estes...
Qual a seriedade desta gente ao fazer uma coisa destas?
Que leviandade, que ligeireza, que insensibilidade (o seu filho bem se queixa), que ignorância. Mas quais os pressupostos daquilo? E receberam incumbência de quem para se proporem despedir, esfolar, desgraçar a vida de tanta gente? E quanto mais desemprego criam e quanto mais desconfiança instilam nos agentes económicos mais a Segurança Social se desequilibra.
E como é que fazem uma coisa destas desta forma, nos jornais, lançando gasolina em cima das pessoas e ateando um fósforo a seguir? é que são umas trás de outras. Mal acabamos de digerir uma, já está outra a cair-nos em cima. Nunca vi coisa assim.
E como é que admitem fazer uma coisa destas em dois meses?
Passo-me com isto. Esta gente não é séria. Destratam-nos de uma maneira que vai para além da conta.
Para o que haveríamos de estar guardados, senhores...
Bem, mas não a maço mais (começo a falar disto e fico tão revoltada que nem faz ideia).
Um abraço, Helena.
Excelente, UJM, gostei.
E não está nada sensaborão. É uma análise de alguém que sabe o que diz e, tem razão, tudo deve ser repensado e uniformizar o que deve ser uniformizado.Com tempo, com calma, tendo em conta os prós e os contras.
Beijinhos
Olinda
Lancelot
Vi a Ana Lourenço em Alta Definição.
Se todos os jornalistas fossem como ela, ou seja, sem ter que se lhes medir o pedestal para serem considerados grandes, andaríamos todos melhor informados.
Quanto àquele seu sorriso de Gioconda, o mesmo é para disfarçar a vontade que tem de rapar do "Gil Vicente" e mandá-los todos ...
Felizmente que o Rei Artur não lê estas tretas.
Cumprimentos do vosso amigo Lancelot
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