Jesus Cristo é um homem corpulento, entroncado, perna grossa, cabelo escorrido, nariz pequeno. Sua mãe, Maria, mostra de quem ele herdou aqueles traços, aquela carnadura. Agiganta-se quando pega no seu filho; todas as mães descobrem forças, em si, quando se trata de fazer o que quer que seja pelo seu filho. Judas usa relógio e anel, criatura de índole duvidosa, basta olhar. Os soldados que o pregam à cruz são muito pequenos, insignificantes criaturas de que não reza a história.
Falo da exposição de Fernando Botero patente no Palácio da Ajuda. Fernando Botero é colombiano, tem 80 anos e é pintor e escultor. Que me perdoem os mais eruditos mas, para quem não conheça o artista, resumo de uma forma simplista: a sua obra caracteriza-se essencialmente por representar gente gorda.
Para além disso, deve ser dos pintores mais copiados. Há tempos, no sul de Espanha, numa zona frequentada essencialmente por gente com ferraris, bentleys e carros do género, a quantidade de falsos Boteros que ali vi à venda, cópias caríssimas, deixou-me perplexa.
Botero veio agora a Portugal integrado na incursão comercial empreendida pelo presidente do seu país, que Cavaco Silva recebeu no dia da greve geral. Botero é um homem com muito 'boa pinta'. Vive agora em Paris com a sua terceira mulher.
Esta exposição, composta por óleos de grande dimensão (o que não podia ser de outra forma, dadas as dimensões, ou melhor, as proporções das figuras) e por aguarelas e desenhos, fica muito bem no espaço nobre do palácio da Ajuda mas é, ao mesmo tempo, inesperada. E traz, pelo que é, um toque de modernidade a este belo e tradicional Palácio.
Ao contrário do que acontece noutros países, aqui as exposições, mesmo quando são de conceituados artistas de reputação internacional, quase passam despercebidas.
Não há sinalização nem para a exposição, nem sequer para o Palácio. Apesar de conhecermos bem o local, porque não fomos pelo caminho habitual, acabámos por ir parar à parte de cima do palácio, uma zona de habitação social, um bairro de lata, várias barracas, acampamentos ciganos, uma zona algo imprevista naquele local. De volta à rua de baixo, para a apanhar o acesso ao palácio, parecíamos estar numa daquelas zonas periféricas, muito periféricas, bem afastadas da civilização. Por exemplo, uma mulher lavava roupa dentro de um alguidar na beira da estrada.
E nem uma indicação, nem uma seta, uma tabuleta, 'Palácio da Ajuda', 'Exposição ViaCrucis de Botero', etc - nada!
Mas, claro, lá demos com a estrada de acesso.
E nem uma indicação, nem uma seta, uma tabuleta, 'Palácio da Ajuda', 'Exposição ViaCrucis de Botero', etc - nada!
Mas, claro, lá demos com a estrada de acesso.
Cá fora pouca gente, lá dentro também. Dá-me muita pena ver como, por cá, as pessoas se deixam ficar ensimesmadas, fechadas em casa, com pouca vontade de ir descobrir o que por cá ainda vai aparecendo.
O que vos mostro não segue a ordem correcta. Para mim, neste contexto, a ordem correcta é secundária dado que apenas estou a mostrar uma pequena parte das obras que compõem a Viacrucis.
Botero não pretende ser fiel ao tempo, ao lugar, à história tal como nos é contada, à fisionomia que nos habituámos a imaginar. Botero faz a sua própria representação, trazendo a figura de Cristo para dentro do nosso tempo mas, ao mesmo tempo, carregando a candura de representações quase infantilizadas. Assim é, se pensarmos bem, a fé: uma misto de imaginação e de crença.
Botero não pretende ser fiel ao tempo, ao lugar, à história tal como nos é contada, à fisionomia que nos habituámos a imaginar. Botero faz a sua própria representação, trazendo a figura de Cristo para dentro do nosso tempo mas, ao mesmo tempo, carregando a candura de representações quase infantilizadas. Assim é, se pensarmos bem, a fé: uma misto de imaginação e de crença.
O Cristo de Botero não é, pois, um ser santificado, abstracto. Pelo contrário, o que se vê é um ser humano, não idealizado, tocado pela história que o trouxe até aos nossos dias.
Agentes da autoridade carregando num pobre que avança, em castigo, pelas ruas; mulheres assustadas que espreitam atrás das portas e um Cristo infeliz e sofredor que, avança, humilhado, pelas ruas.
.
Cristo é um homem corpulento e ingénuo, como tantas vezes o são os homens corpulentos. Judas é um espertalhão, na verdade um crápula, os soldados estão ali apenas para cumprir ordens, os amigos assistem passivos como tantas vezes fazem os amigos perante uma ameaça que os deixa a eles de fora e aquele que executa a ordem e a quem Judas dá o sinal, é uma criatura pequena, um homem mesquinho, insignificante.
E, depois, há as mulheres.
Jesus Cristo em sofrimento. E as mulheres que o amam e protegem, sempre presentes. Mulheres fortes e ele, tão grande, tão frágil.
Maria, sua mãe sofredora, lábios caídos, lágrimas nos olhos, amparando o filho moribundo, o filho morto, o filho tão amado agora inerte, sangrando, lábios exangues.
Maria de olhos vermelhos de tanto chorar, lágrimas grossas, rosto todo ele num esgar de sofrimento. Maria, mãe de Jesus, Maria já sem esperança.
/\/\/\
Depois, já que lá estávamos, passámos ao Palácio em si. Há já algum tempo que não ia lá. É uma pena que locais tão belos, com tanta história, não fervilhem de gente. O que leva as nossas pessoas a não visitarem museus, palácios? Não sei.
Não é o preço porque ao domingo, até às 14 horas, a visita ao Palácio é gratuita. A visita à exposição de Botero, apesar de estar dentro do Palácio, não é gratuita: custa 5 € por pessoa; mas o que é isso quando comparado com o preço de um bilhete de cinema ou de um hamburguer no Mcdonald?
Para maiores de 65 anos é sempre gratuito.
Para maiores de 65 anos é sempre gratuito.
As várias salas estão muito bem conservadas e, em cada uma, há uma placa caracterizando, de forma muito clara e apelativa, a finalidade da sala à data da vida, no Palácio, de D. Maria Pia e D. Luís I.
Dá gosto visitar este palácio e imaginar o que era a vida real naqueles aposentos, os momentos de leitura e de música, com o rei a cantar, os convidados. E os quadros, e os candelabros, e os espelhos, e os sofás, e as louças, a mesa posta. Tudo muito cuidado, tudo bem apresentado, bem explicado.
Pena que o site seja tão pobrezinho. Pena que, pro bono, não se reúna um grupo de voluntários que faça um website à altura do belo Palácio da Ajuda.
<><><>
Uma palavra ainda para a interessante exposição, 'Um olhar sobre o Palácio', do jovem Diogo Navarro, no piso de cima do palácio. Um olhar desempoeirado, um olhar de quem mostra respeito mas que, depois, sacode o pó do tempo e faz o que lhe apetece. Ou seja, respeitador mas moderno.
Plástico, acrílico, tintas, dourados, vários formatos, vários suportes, tela, cartão.
Ao todo deveríamos ser umas sete ou oito pessoas. E, no entanto, não apenas pelo que está exposto, como pela nobreza e beleza do local, deveriam lá estar muitas pessoas, quase a acotevelar-se como se vê noutros países.
Não vos maço mais. Insisto apenas, uma vez mais, que vale a pena: esta é mais uma visita que muito vivamente vos sugiro. É um passeio agradável. A seguir, dali poderão descer até Belém, comer uns pastelitos quentinhos, com canela, espreitar para ver se vêm a D. Maria e o Professor Aníbal nos jardins do Palácio de Belém (esta parte eu não fiz, claro, mas, enfim, há gostos para tudo) e, depois, passar para o lado de lá, e ir passear à beira Tejo.
Se forem, depois me dirão de vossa justiça.
Se forem, depois me dirão de vossa justiça.
***
E, por hoje, nada mais. Apenas desejar-vos uma boa semana a começar já por esta segunda feira. Saúde e divertimento para vós e para os que vos são queridos.
5 comentários:
Gostava muito de ver.
Sabe até quando está a exposição, no palácio?
As fotos estão excelentes!
Um beijinho
Olá Isabel,
Está lá até 27 de Janeiro. A do Diogo Navarro acho que acaba antes.
Vale muito a pena esta visita, quer às exposições (Botero é um pintor muito conhecido e muito conceituado), quer ao Palácio da Ajuda. É muito bonito.
Se conseguir, acho que gostará.
Um beijinho, Isabel!
Olá,
Conheço a pintura do Fernando Botero mas não sabia que estava no Palácio da Ajuda. Vou tentar ver.
Ainda bem que nos fala sobre esta exposição pois há muita falta de informação...Estou a saber pela primeira vez através do seu post pois não ouvi nem li nada sobre ela. Mas esta visita guiada que nos descreveu através do seu Blogue já foi muito útil. Obrigada.
As fotos também estão muito boas!
Tenho-me esquecido de lhe dizer que o novo visual é muito bonito. É bom ver de vez enquando uma carinha nova e bonita...
Tenho que escolher um novo Modelo para o meu Blogue, pois o Blogger está sempre a avisar para o actualizar, mas ainda não me esclareci o suficiente para o poder fazer. Vai devagarinho.
Um grande beijinho
ME
Olá Maria Eduardo,
Isso: desça de Riba-Tejo e venha até aqui, à beira dele. Depois suba até à Ajuda e deguste com tempo. Vale bem a pena. Como a exposição do Botero se vê rapidamente (enfim, eu estive lá à volta de uma hora), depois dá para aproveitar e revisitar o Palácio que é lindo.
Quanto ao visual do blogue: eu gosto de mudar. escolho cores, imagens, faço contrastes. Dá-me muito prazer fazer isso. Não custa nada, é ir experimentando a vendo. De vez em quando sai uma coisa horrível e fica no ar. Aí é um stress, querer mudar à pressa. Mas eu, como gosto de pintar ou fazer coisas do género, é das coisas que, aqui, se tivesse mais tempo, mudava mais frequentemente. Enfim, cada maluco tem as suas manias, não é?
Um beijinho, Maria Eduardo!
Conheço um pouco de Botero. Tenho um livro.
Há uma escultura dele perto da Gulbenkien. Uma mãe com o filho ao colo, não é?
Espero conseguir ir ver. Não faço a minima ideia das distâncias, mas também gostava de ver a que está agora na Gulbenkien : "As idades do mar" ou algo parecido.
Vamos ver se conseguirei ir vê-las, mas já só em Janeiro.
Estive a ler os post desta semana.
Um beijinho e bom fim-de-semana
Enviar um comentário