segunda-feira, agosto 20, 2012

50 livros que toda a gente deve ler, segundo o Actual do Expresso - e uma sugestão para que a lista seja mais completa. E um pouco de 'dá-lhe beijos um cão' de Manuel S. Fonseca (uma das mais livres e modernas vozes do Actual)


Música, por favor



Pablo Casals, de quem amanhã ou depois vos falarei,  interpreta "The Swan (O cisne)" de Saint-Saens em 1925

(A pessoa que colocou o video no YouTube refere que I put the silent film footage of the famous Russian Ballerina, Anna Pawlowa (1881.2.12 ~ 1931.1.23), dancing her most famous work, "The Dying Swan", choreographed for her by Michel Fokine in 1905. This footage was filmed by Pathe Freres company on June 18th, 1907)

*


50 Livros que toda a gente deve ler


Volto ao suplemento Actual do Expresso desta semana. 50 livros que toda a gente deve ler. Ana Cristina Leonardo, Clara Ferreira Alves, Henrique Monteiro, José Mário Silva, Luísa Mellid-Franco e Pedro Mexia pronunciam-se e João Cristóvão ilustra (e ilustra muito bem!).



Franz Kafka, autor de O Processo, um dos 50 recomendados


Sobre esta lista de 50 livros já Eduardo Pitta se pronunciou notando a falta de Os Lusíadas e do Livro do Desassossego e reparando que apenas 5 dos 50 são de autores de língua portuguesa. Também eu tinha notado isso.

Nestas alturas de veraneio é costume os jornais ou revistas aparecerem com sugestões de leituras para férias e, portanto, aparecem aqueles livros mais ligeiros, publicações recentes, coisa para se pegar entre uma sesta e uma ida à praia.

Não é isso que aparece aqui nesta lista de 50 livros. Aqui aparecem, sobretudo, os clássicos, as grandes obras. E compreende-se.



Da esquerda para a direita: Virgina Woolf, Marcel Proust, Emily Brontë, James Joyce


Um ou outro dos chamados a sugerir ousou um pouco e avançou para terrenos menos neutros, menos conservadores. Mas, de forma geral, os livros que aqui aparecem são os pilares (Odisseia), os grandes russos (Guerra e Paz, Crime e Castigo), os grandes murais, as epopeias, as grandes vivências humanas (Os Miseráveis, A Montanha Mágica, Ulisses, A Divina Comédia,...), os grandes dramas românticos (O Monte dos Vendavais, Madame Bovary, Retrato de uma Senhora), etc, etc, etc.

Em português de Portugal temos apenas O ano de Ricardo Reis de Saramago, Os Maias de Eça de Queirós, a Poesia de Álvaro de Campos, a Obra Poética de Sophia de Mello Breyner Andresen. Tão pouco.



Fernando Pessoa (ou, mais concretamente, dado que foi o escolhido, Álvaro de Campos) e Eça de Queirós


Claro que construir uma lista dos 50 melhores livros de sempre é uma ingrata tarefa, é uma coisa redutora, forçosamente injusta. Mas custou-me muito ver tantos livros extraordinários deixados de fora e, sem chauvinismo o digo, uma tão fraca representação portuguesa quando a nossa literatura é tão rica.

Mas o mal (se é que de mal se pode falar numa coisa destas) não está nos jurados mas na missão. Um conjunto de apenas cinquenta livros é forçosamente uma amostra pequena demais. Quem tem que escolher tão poucos, tende, forçosamente, a jogar pelo seguro, pelo indiscutível.

Além do mais, penso que ajudaria o leitor (ou o potencial leitor pois penso que é, sobretudo, a potenciais leitores que um artigo destes mais interessa) se houvesse uma arrumação em géneros, já que quem não é muito dado a leituras, vai lá mais facilmente se for dirigido.

No entanto, que não se pense que estou a achar negativa a iniciativa de recomendar os melhores livros. Não, pelo contrário. Acho este exercício muito interessante e acho que deveria ser aprofundado. Sugeriria que se estabelecessem, pois, tipos ou géneros e, dentro de cada um, então se seleccionassem uns quantos, uns dez talvez. Penso que seria útil que, ao longo das semanas, fossem saindo, com formato idêntico ao desta edição - isto é, convidando vários entendidos em que, cada um, faria a resenha do que escolhesse.

Por exemplo: os 10 melhores policiais; os 10 melhores livros de poesia universal; os 10 melhores livros de poesia em língua portuguesa; as 10 melhores biografias ou autobiografias; os 10 melhores romances russos; os 10 melhores romances portugueses; etc, etc.



A árdua tarefa de escolher um livro ou a árdua tarefa de arrumar livros


Acho que seria uma preciosa ajuda para quem deseja constituir de uma forma avisada uma biblioteca bem estruturada.

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Boudu caminha ao lado do Sena em passos lascados, saltos de cabra velha, um Baco de barbas hirsutas e anárquicas. 



Boudu vai matar-se.

O cão que beijando-o o lambia, o único húmido focinho a que ele dava beijos, fugiu-lhe ou perdeu-o ele na sua labiríntica liberdade. O desgosto atira-o ao rio.

Seria a morte de Boudu, se Monsieur Lestingois, tão refinado livreiro como voyeur, não estivesse, para desespero da ciumenta criada sua amante, a espreitar por um óculo as damas das margens do Sena. O livreiro lança-se ao rio e desafoga o vagabundo. 

Lestingois é um reformista nato. Olha para Boudu, magnífico animal, e antevê a obra civilizadora: transformar a besta em cavalheiro.

Boudu tem uma electricidade neurológica caótica: inferniza a mesa do jantar, cospe com naturalidade nas doces páginas da 'Fisiologia do Casamento' de Balzac e, saudade dos beijos de cão, tenta beijar a boca de Anne-Marie, a amante do seu salvador. 



Boudu em acção
(representado pelo actor Michel Simon que, segundo referido no texto,
é ele mesmo anarquista, pornógrafo e misantropo


Beijará sim, fazendo soar trombetas, a boca de Madame Lestingois, bem precisada de uma brisa no decote e de uma musiquinha de realejo nos ouvidos.

No fim, o admirável troglodita (...) regressará, sem adeus e muito menos agradecimento, à sua desabrigada liberdade. Monsieur Lestingois consola-se a olhar o rio, o carinhoso braço direito apertando a criada, o esquerdo a terna esposa, um degrau de felicidade acima no firmamento balzaquiano.


Este excerto - extraído da crónica semanal O cinema dá o que a vida rouba com o saboroso título 'Dá-lhe beijos um cão', que se refere a um filme de Renoir - apesar de ser um pequeno e salteado excerto, mostra bem a qualidade de escrita de Manuel S. Fonseca, um dos mais interessantes cronistas do suplemento Actual do Expresso, um dos que, em minha opinião, melhor escreve, sempre com uma liberdade e uma frescura que se repete de semana para semana, ou melhor, que vem em crescendo de semana para semana. Manuel S. Fonseca escreve também no blogue Escrever é Triste e os seus textos são sempre uma maravilha. 

*

E, para já, nada mais. Uma nova semana de Agosto está a começar e eu desejo-vos que, para vós, comece muito bem. Uma boa segunda-feira!

9 comentários:

Tété disse...

Estive dois dias sem aqui vir e hoje li de rajada.
Adorei tudo, como sempre, mas salientei o discurso do presidente do Uruguai. Que bom se o Mundo se regesse por estes princípios, mas com a ganancia do mais e mais e o costume do olhar para o próprio umbigo, duvido que alguma vez exista este tipo de felicidade.
Depois, achei o máximo ter feito um curso de grafologia. Eu adoro todas as coisas que saem dos hábitos comuns. Há cerca de 30 anos era impensável aprender Espanhol, mas eu, como moro na rua onde foi construido o Instituto Español, assim que soube que tinham inaugurado um curso de espanhol, pós-laboral, apressei-me a inscrever-me e nessa altura era uma correria para chegar do emprego, organizar as coisas minimamente e correr rua abaixo para as aulas. Andei lá dois anos e só não fiz o terceiro e ultimo porque nessa altura, além das complicações por falta de tempo,a matéria incidia sobre geografia e história porque dava a possibilidade de dar aulas. Achei que não era isso que eu queria, mas hoje arrependo-me porque até teria sido uma mais valia para complementar hoje a minha reforma. Por vezes quando somos novas não conseguimos avistar o futuroo que nos parece longínquo e fazemos mais as contas ao presente e ao futuro próximo.
Também gostava de dar uma palavrinha à Mary. Será que posso enviar-lhe um mail?
Se souber e puder escreva no meu s.f.f.
Muitos beijinhos

jrd disse...

UJM olá,

Quanto aos livros, dos clássicos mencionados, concordo com todos, mas não deixaria de acrescentar, assim de repente, por exemplo: Gargantua e Pantagruel, D. Quixote, Memórias de Adriano.
Já nos portugueses, O Delfim. Levantados do chão e as obras poéticas de José Gomes Ferreira, Eugénio de Andrade e Herberto Helder.

E depois, apenas acrescento que isto de ter desistido de comprar jornais, está a ter custos muito penosos, porque me deixa seco, na margem. de muita e boa opinião que por aí corre.
Votos de boa semana.

Um Jeito Manso disse...

Olá Teresa-Teté,

Aquele discurso quase parece uma coisa fora do tempo de tal forma usa palavras e conceitos que parecem ter caído em desuso junto da classe política, não é?

De vez em quando, quando me interesso por um assunto, nada me empolga mais do que ir à descoberta... Foi o que aconteceu quando fiz este curso. Foram uns meses deliciosos. Saía do trabalho e ia para as aulas de grafologia. Saía de lá às 8 e picos da noite, toda feliz.

Para além do interesse do curso, do interesse do professor que é uma pessoa cheia de interesse e da beleza do edifício, há também o local. O Centro Nacional de Cultura é ali ao Chiado. Por isso, se chegava antes da hora ia dar uma voltinha. Outras vezes dava uma volta ao cair da noitinha.

Gostei mesmo muito e tenho sempre vontade de praticar e aprofundar o estudo. Mandei vir livros de fora, pela Amazon, porque não havia cá.

E, agora que fala nisso, quem sabe um dia, mais tarde, não me dedico ao assunto de forma mais profissional...?

Quanto ao seu Espanhol, ainda está a tempo de complementar os estudos. Não seria interessante voltar a estudar?

Quanto ao endereço da Mary, acho que ela não se importará mas vou perguntar-lhe, está bem? Depois darei notícias.

E um beijinho, Teresa-Teté!

Um Jeito Manso disse...

Olá Caro jrd,

Eu, a nível de jornais, restrinjo-me ao Expresso. É o meu vício dos sábados. Posso irritar-me com algumas faltas de objectividade, por vezes com coisas que quase parecem manipulação mas, seja como for, desde há muitos anos que só descanso quando o leio quase de ponta a ponta (...bem, passo o desporto e uma ou outra coisita...).

Seja como for, o suplemento Actual tem contributos muito interessantes.

Quanto aos melhores livros é uma coisa 'tramada' porque se é para alguém que não sabe por que ponta começar, é credível que vá ler a Odisseia, A Divina Comédia, Ulisses? Se estamos a pensar em potenciais leitores, interessados, mas que não têm grandes hábitos de leitura será expectável que leiam livros de 1000 páginas?

Por isso, me parece que se se segmentasse o vasto mundo dos livros, talvez que se conseguisse recomendar os melhores dentro de géneros e assim talvez fosse mais fácil ir de encontro aos gostos de cada um.

É sempre muito subjectivo; por isso me parece correcto ouvir a opinião de várias pessoas.

Concordo com as suas escolhas mas eu juntaria outros e ousaria avançar para alguns mais recentes. Por exemplo, acho o Rubem Fonseca um magistral mestre da língua portuguesa (não foi à toa que lhe foi atribuído o Prémio Camões).

O D. Quixote faz parte da lista dos 50 livros, foi um dos recomendados por José Mário Silva.

Mas a ausência das Memórias de Adriano também me espantou. Em relação ao Saramago, para mim, um livro que me marcou e muito foi o Ensaio sobre a Cegueira.

Ainda não há muito, aquando foi aquela promoção do Pingo Doce, me lembrei deste livro:

http://umjeitomanso.blogspot.pt/2012/05/das-cenas-do-1-de-maio-no-pingo-doce-ao.html


Gosto imenso de falar de livros. Aqui no UJM já falei muitas vezes, incluindo temas mais laterais como a sua arrumação, a sua distribuição por temas/estantes, etc.

Aqui na mesa onde escrevo e ao meu lado tenho sempre algumas pilhas de livros e já nem vejo isto como desarrumação. é antes uma companhia, uma presença aqui bem junto a mim.

Votos de uma boa semana também para si (apesar deste calor que nos retira um bocado a energia, não é?).

jrd disse...

UJM,
Volto para lhe dizer que "isto" (risos)anda mal distribuído.
Enquanto a UJM escreve e bem, muito bem, eu escrevinho assim assim, 'short' e por vezes 'sharp'.
É manifesto o desequilíbrio, mas reconfortante saber que mereço a sua aprovação (não me refiro a todos os conteúdos, mas à forma).

Sim, o "Ensaio sobre a cegueira" é para mim a obra mais marcante de Saramago e uma das mais difíceis. Não a inclui e peço desculpa, mas cansei-me de polemizar sobre a mesma.
Ah! E ainda de Mário de Carvalho, "Um Deus passeando pela brisa da tarde".
Boa noite

Um Jeito Manso disse...

Caro jrd, again,

A quantidade não é sinónimo de qualidade.

Eu adoro poesia e nem me atrevo a escrever porque acho que a boa poesia é também um extraordinário exercício de contenção e eu sou tudo menos contida.No entanto, aprecio nos outros a contenção.

A sua forma é precisa e concisa (short and sharp, justamente) e, como já o disse, aprecio-a bastante. Quanto ao conteúdo, do que tenho visto, tendo a concordar com quase tudo embora com um ou outro pequeno e irrelevante ponto de não total concordância.

Do Mário de Carvalho acho que incompreensivelmente ainda não li nenhum livro. Tenho cá muitos em casa mas, não consigo perceber porquê, folheio e há ali qualquer coisa que não me atrai. Se calhar, quando ceder, vou ficar rendida pois sei que é um grande escritor. Vou ver se tenho esse e, se não tiver, vou ver se o consigo arranjar. O título é lindo. Quando acabar de ler o que estou a ler agora ('Madame Hemingway') vou ver se leio esse. Obrigada.

Uma boa noite para si também, jrd.

Isabel disse...

Tenho muitos da lista dos 50 referidos, mas ainda li muito poucos.Quem me dera tê-los lido todos.

Um beijinho e boa semana

Um Jeito Manso disse...

Isabel,

Alguns dos livros da lista são, em minha opinião, as chamadas obras incontornáveis, os pilares, as grandes obras primas. No entanto, penso que não haverá muitas pessoas que os tenham lido a todos. Eu não li uns quantos e não sei se algum dia os irei ler. Talvez leia excertos, talvez os folheie mas dado que alguns têm centenas e centenas de páginas de letra miudinha, e dado que sinto que o meu tempo para ler tudo o que quero ler nesta vida vai escasseando, tenho que ir apertando o crivo e, declaradamente, ir deixando alguns para trás.

Mas tenho muita pena. De cada vez que ando aqui nas minhas estantes à procura do que ler, sinto como que um aperto no peito por sentir que talvez nunca vá ler grande parte destes livros.

E isso entristece-me verdadeiramente.

E, para não me entristecer mais, fico por aqui.

Um beijinho, Isabel e um bom dia para si!

Isabel disse...

Acontece-me o mesmo.

Como diz alguém "Tantos livros e tão pouco tempo".