Música, por favor
Madame Butterfly - Puccini
Era uma embriaguez deliciosa, um encanto irresístivel. É que, de facto, e deixando de lado os afagos do amor próprio, o jardim da neurologia brinda o investigador com espectáculos cativantes e emoções artísticas incomparáveis. Nele, os meus instintos estéticos encontraram plena satisfação. Como o entomólogo à caça de borboletas de matizes vistosos, a minha atenção perseguia, no pomar da massa cinzenta, células de formas delicadas e elegantes, as misteriosas borboletas da alma (...) a admiração ingénua da forma celular constituía um dos meus prazeres mais gratos. Porque, até do ponto de vista plástico, o tecido nervoso encerra belezas incomparáveis. Há nos nossos parques alguma árvore mais elegante e mais frondosa que o corpúsculo de Purkinje do cerebelo (...)?
Nasceu em 1852 e viveu até 1932 em Espanha o homem que escreveu aquele texto que faz parte do livro Recuerdos de mi Vida.
O homem que assim escrevia foi, pelo menos, pintor, ginasta, militar, barbeiro, professor e médico. Quando estudou foi rebelde, não aceitava autoritarismos, não aceitava limites à sua criatividade e vontade. Mais tarde casou, teve filhos, sete filhos. E foi ele que disse que um médico que só sabe medicina, nem medicina sabe. Em 1906 recebeu o Prémio Nobel da Medicina. Chamava-se Santiago Ramón y Cajal.
Estudou o cérebro, dizendo que os neurónios eram as borboletas da alma e desenhou-o em figuras que nos chegam belas, tão belas. Deixo-vos aqui um pequeno clip de um documentário que apresenta Ramon y Cajal.
Lembrei-me de falar nele ao tomar hoje conhecimento (na secção de Neurociências do portal Ciência Hoje) de um estudo realizado por uma equipa de investigadores da Universidade de Harvard liderado por Diana Tamir que recorreram a ressonâncias magnéticas para comprovar as suas análises. Como Ramon y Cajal gostaria de ter tido todos estes instrumentos na altura em que, com poucos meios, se deitava a intuir o funcionamento do cérebro...
Pois o referido estudo, conclui que entre 30 a 40% das conversas diárias, sejam faladas ou sejam escritas nas redes sociais, são sobre nós próprios. Conforme comprovaram através das ditas ressonâncias magnéticas, as zonas do cérebro activadas quando falamos de nós são as mesmas de quando obtemos satisfação através de outros meios habitualmente conhecidos pelo prazer que proporcionam.
A equipa de investigadores conduziu testes em laboratório e comprovou que a partilha de informação pessoal vem acompanhada por enorme actividade cerebral em determinadas regiões, resultante da dopamina libertada pelo sistema mesolímbico, o que está geralmente associado ao sentimento de recompensa e satisfação relacionado com comida, dinheiro ou sexo.
Deve ser por isso que grande parte dos blogues são intimistas, autobiográficos, e deve também ser isto que está na origem do êxito do Facebook, uma coisa fantástica em termos de crescimento, conforme se pode ver no clip abaixo:
Conforme já aqui o referi: não tenho conta no Facebook e, até hoje, não tinha conseguido descortinar o interesse em tal. Hoje, ao ler as conclusões deste estudo, percebi-o. E não me espanta porque, de facto, é gostoso falar das nossas recordações, das nossas agruras ou alegrias.
O cérebro humano é uma parte misteriosa e fascinante de nós próprios. Uma parte secreta que, por vezes, se ilumina de cores diferentes consoante as borboletas da nossa alma voem mais alto, descrevam etéreos bailes ou desçam até às profundezas mais recônditas do nosso prazer.
***
Por falar em borboletas da alma: hoje, lá no meu Ginjal azul, as minhas voam em volta de um belo poema de Inês Dias e ao som de Händel que desce do céu pela voz de Renée Fleming (um luxo). Vão até lá, se vos apetecer, está bem?
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E, meus amigos, por hoje é isto. Tenham uma bela terça feira.
Que as borboletas da vossa alma hoje estejam numa animação, coloridas e luminosas que só visto!
15 comentários:
Cara UJM:
Modéstia à parte, tenho uma empresa polivalente de informática há, aproximadamente, 30 anos. Montei e reparei milhares de computadores (hardware e software). Formei centenas de quadros quando a formação em informática era um meio muito escasso (antes dos dinheiros da Europa, esses não me interessaram...). Tenho software próprio ainda em funcionamento oito horas por dia. Deve ser a mais antiga empresa nacional de informática (ainda) em funcionamento (ou quase), embora agora com pequena actividade. Fui empreendedor universitário quando era mau ser um universitário empreendedor... Hoje tenho favas minhas, na altura paguei-as... Hoje sou aprendiz de poeta... Voltas da vida...
Tudo isto para dizer que, de há algum tempo para cá, não muito, sou também utilizador do Facebook... O que acho? Não sei...
Saudações cordiais,
J. Rodrigues Dias
Todo o post é muito interessante. Gostei imenso de ouvir a música.
Gostei do pequeno documentário e de ouvir sobre Ramon Y Cajal.
Achei os desenhos dele uma maravilha, principalmente o segundo.
Também não tenho conta no facebook, nem pretendo vir a ter. É coisa a que não acho o mínimo interesse. Mas claro que respeito quem me diz que acha o contrário.
Adorei o seu post!
Um beijinho
Amiga:
Estou cheia de coisas para fazer, mas o vicio, trouxe-me cá.
Meu pai tinha razão: Só a Natureza é perfeita. Ouvi a Butterfly, olhei imagem e pensei que era um desenho japonês. Depois comecei a ler e só parei no fim. Meu Deus, que maravilha! É ali, que reside toda a nossa vida!
Sempre gostei dos minuciosos desenhos japoneses. Ao pé disto, acho-os menos belos.
Como pode haver maldade, violência, num lugar tão belo!
Quando voltar, vou aprofundar os meus conhecimentos.
Obrigada, por me ter apresentado este senhor Ramon Y Cajal.
Beijinho
Mary
Jeitosamiga
Li atentamente este texto cuja problemática é essencial e motivante para quem tem meninges. Sobretudo para os possuidores de borboletas de alma. A propósito, apenas uma pergunta, que, afinal são duas:
1) Podem ser adquiridas nas lojas de conveniência ou nas dos cidadões'
2) Em caso negativo, agradeço que, se o souber, me diga quem as (mas) pode emprestar. E, já agora, o número de telemóvel da Tamir está na lista do Silva Carvalho?
Muito obrigado por antecipação e fico ansioso à espera das respostas. Estou na minha TRAVESSA onde conto ficar mais uns meses, devido à crise e à austeridade, não sei se a entrego ao Branco. Quem foi quem me emprestou umas ma$$a$ para a adquirir em bom estado de conservação - o que mantém, com muito prazer e honra o digo
Qjs = queijinhos = beijinhos
Olá Caro José Rodrigues Dias,
Achei imensa piada ao seu comentário.
Apetece-me dizer que informático que só sabe de informática, nem de informática sabe... Como se vê da sua polivalência, é homem multi-usos pelo que, sabendo de mais coisas, deve portanto ser bom a informática (na altura, coisa para aí em cobol ou coisa que o valha, não?)
Apetece-me também dizer que olhe a sua sorte por o Álvaro não o conhecer, senão convidava-o para Secretário de Estado da Inovação (que foi o que ele fez ao jovem Secretário de Estado que tinha no CV ter tido uma empresa de informática que, depois, vendeu)...
Mas vou antes dizer que de tudo nada me parece tão interessante como amanhar a terra, plantar e colher os frutos do seu labor e da terra-mãe.
Quanto ao facebook, muito sinceramente a mim não me motiva nem consigo ver qual o interesse. Dizem-me que é para estabelecer conversação com quem não se vê há muito tempo ou para coisas do género. Pois, a mim nada disso me motiva.
Dos excertos que vou vendo de outros parece-me um festival de futilidades ou coisas nem grande jeito mas, enfim, se calhar ainda não me debrucei o suficiente ou se calhar faz sentido em determinadas fases da vida. Não sei. Custa-me a ajuizar muito porque é coisa de que não vejo o interesse. Mas cada um é como cada qual... não é assim que se diz?
Saudações cordiais e fique sabendo que me fez ficar com inveja (mas uma inveja saudável, claro) com essa de ter favas plantadas por si. Gosto imenso de favas.
Saudações cordiais!
Olá Isabel,
O cérebro é coisa que me desperta um interesse infinito. Sou leiga na matéria e, portanto, tudo o que leio, leio com o deslumbramento de quem penetra num jardim proibido, intangível, misterioso. Mas que me desperta sempre mais interesse.
Ramon y Cajal é uma figura muito interessante, uma daquelas pessoas que 'saem da caixa', pouco convencionais. E brilhantes. E encontro na sua escrita fragmentos que são poesia, deleite, encantamento.
A música, bem a música é das mais belas (em minha opinião, claro). E descobri este vídeo que tem borboletas, que é um pouco abstracto, liga bem com os desenhos de Cajal.
Fico contente que tenha gostado.
Quanto ao Facebook, há tantos milhões de pessoas a dizerem like umas às outras que é capaz de ser bom. Nestas coisas gosto de tentar perceber para depois ajuizar. Até agora não me despertou interesse, não percebi, nem me apetece. Mas quem sabe se um dia destes não me dá uma volta qualquer na cabeça e não me alisto no facebook?
Um beijinho, Isabel e obrigada.
Olá Amiga Mary,
Gostei de a ver por cá. Pensava que andaria a fazer as malas pelo que a surpresa de a ver aqui foi ainda mais agradável.
Aquelas imagens da Butterfly são de uma elegância, não são? Vi-as e achei-as mesmo a calhar com as borboletas da alma, com os jardins de borboletas que temos na nossa cabeça.
Tem razão: como é que é possível que dali não saia só beleza, gentileza, generosidade?
A ver se um dia destes volto ao cérebro ou a Cajal pois são temas de que gosto de falar (e, sendo leiga, avanço pelos temas com a irresponsabilidade das crianças, com leveza e alegria).
Se ainda aqui vier antes de fechar o computador e as malas, desejo-lhe outra vez uns belíssimos dias, que tudo corra bem e que sejam dias de afectos e sorrisos.
Um beijinho, Mary!
Cara UJM, como médico não poderia deixar de comentar um pouco este seu belíssimo e oportuno artigo eivado de tonalidades imagéticas, próprias do seu espírito artístico. Também eu,”in illo tempore”, quando estudei estes rendilhados de Purkinje, imaginava, não as borboletas, mas as rendas de bilros e as teias mirabolantes dalgumas aranhas…sei lá porquê? Hoje rio-me um pouco, mas sei e acredito que, naquele emaranhado de células nervosas, revoluteiam milhares de borboletas das nossas fantasias e se enredam sonhos e pesadelos, numa dicotomia de mundos inexplorados. O ignoto labirinto do nosso cérebro continua uma indesvendável e inesgotável fonte de conhecimentos.
Para terminar gostaria de deixar um humilde reparo: aquela célebre frase que diz “um médico que só sabe medicina, nem medicina sabe” não parece ser de Santiago Ramón e Cajal. Também, em Portugal foi atribuída ao Prof. Abel Salazar, mas este apenas a adoptou como lema e até se encontra no salão de entrada do ICBAS, no Porto. A sua verdadeira autoria pertence, como poderá confirmar, ao também médico, filósofo e artista espanhol José de Letamendi (1828-1897).
Parabéns pelo tema e pelo poema de pedra do Ginjal.
Felicidades.
Caríssimo Henrique,
Já me fartei de rir e logo com o tratamento: Jeitosamiga... acho o máximo! Soa-me bem. É divertido.
Bem, então por partes:
1. Borboletas da alma não as há nem nas lojas de conveniência, nem nas dos chineses, nem nas dos 'cidadões', nem sei sequer se as há nas maçónicas. Presumo mesmo que apenas existem nos recônditos jardins secretos da alma de cada um.
2. Não creio que a Tamir desperte interesse ao ex-espião. Penso que ele não deve sequer saber que há borboletas da alma dado que, certamente, as não tem. Ou será que no caso dele as lagartas não chegaram a virar borboletas...?
Quanto a abandonar a sua Travessa, isso é que nunca. É poiso obrigatório. Não a entregue nunca senão levanta-se para aqui um novo cortejo de indignados.
Um abraço e vários Qjs.
Olá cara UJM:
Sentir "as borboletas da alma" bela imagem e fascinante explicação para o sucesso dos blogs e do Facebook.
Gostei muito das borboletas, quer de Puccini , quer de Ramon y Cajal.
Fascinante o nosso cérebro, e os que o revelam!
E fazendo jus ao estudo, de Diana Tamir, vamos lá sentir as borboletas da nossa alma:
PS – Lembro-me muito bem desses bons tempos … e conheci a Mira, hoje, ginecologista no S. João, mais velha do que eu 3 ou 4 anos, e recordo-me bem da equipa de voleibol que era treinada pela irmã Elisete, que vive, num Lar de Franciscanas, em Ermesinde. Não me lembro do Tózé, mas lembro-me duma irmã mais nova, que também estudou no colégio, a La Salete, que teria um problema de crescimento.
Costumava ir todos os anos ao encontro das antigas alunas, mas desde que o Colégio foi vendido, em 2008, não se fizeram mais encontros.
E tenham dias cheios de borboletas
Abraço amigo da Leanor formosa e segura
Olá Caro DBO,
Que bem escreve...
Ilustra bem aquela frase de Torga que dá nome àquele livro de que aqui falei no outro dia 'A caneta que escreve e a que prescreve'. Adorei ler o que escreveu.
Quanto ao cérebro, se tudo se resume a impulsos eléctricos, on e off, como explicar a beleza do que vemos, a poesia que alguns geram na sua mente? Gosto de acreditar que é como diz, borboletas a esvoaçarem, leves, coloridas, ou sombrias, iluminando as imagens que vemos ou sonhamos, ou a arrastar-nos para pesadelos tristes.
Está dentro de nós o cérebro e, no entanto, tantos segredos que ainda encerra... que mundo fascinante temos dentro de nós como se guardássemos uma caixa secreta, repletas de infindáveis tesouros.
Quanto à frase, ainda bem que corrigiu. Fui reler o texto que me tinha induzido em erro e o que lá diz, de facto, deve ser interpretado como que a referida expressão poderia aplicar-se para o descrever a ele na perfeição. Na altura, da forma como li, fui induzida em erro, pareceu-me que era que a frase dele o descrevia na perfeição.
Acho graça a essa expressão que, em boa verdade, poderia aplicar-se a todas as profissões pois quem mergulhe de cabeça num domínio para não ver mais nada à volta, vai perder perspectiva e, logo, vai ficar com uma visão empobrecida.
Mas, para um médico, que lida essencialmente com pessoas e, tantas vezes, com o lado mais frágil da natureza humana, é essencial uma componente humanista e diversificada (enfim, acho eu...)
Obrigada uma vez mais, Caro DBO.
PS: E obrigada também pela referência ao poema de pedra que nada no meu mundo azul.
Olá Leanor, formosa, segura e com borboletas em volta,
Não é uma possibilidade razoável: a de que as pessoas gostam tanto de falar de si próprias como de outros prazeres já devidamente catalogados e que, por isso, transformaram o facebook num processo viral, com milhões e milhões de pessoas a falarem de si própria e encheram a blogosfera (milhões de blogues por todo o mundo) com problemas íntimos, confissões, desabafos?
E não estou a dizer isto depreciativamente porque também por cá ando...
Mas, enfim, quem é que não gosta de sentir borboletas na alma?
Quanto aos vossos conhecimentos, ainda se há-de concluir que todos se conhecem uns aos outros e que a única desconhecida sou eu...
Mas, já sabem: faço como fiz com o Miradouro de S. Salvador do Mundo. Todos conheciam menos eu e resolvi isso. Agora já conheço.
Por isso, se um dia chegarem à conclusão que há aqui uma vasta comunidade de amigos e conhecidos e marcarem um encontro para se reverem... eu vou lá pespegar-me... também quero.
Um abraço amigo, Leanor e dias felizes para si!
Olá jeitinho.
Eu também não sou adepta do Facebook,e desde que ouvi uma teoria da conspiração que os nossos dados nunca são verdadeiramente apagados ainda fiquei com menos vontade de pertencer. Na tal teoria também se diz que através do facebook se tem acesso a informação, que nem a CIA nunca sonhou ter e dada de livre e espontânea vontade.
Não sei se sim ou se não, mas por via das dúvidas, não me apeteçe fazer parte só porque é moda e toda a gente tem.
Beijinho
Ana
Olá Ana,
Com um dia de atraso, aqui estou finalmente a responder.
É verdade que tudo fica guardado em potentes computadores e é verdade que tudo o que se escreve é interpretado informaticamente de modo a adaptar a publicidade ao 'perfil' de cada pessoa.
O facebook vive da publicidade, e a publicidade chega a cada pessoa consoante os temas que o próprio ou 'os amigos' abordam nas conversas.
Este é o modelo de negócio do Facebook e eu, muito francamente, não me apetece alinhar numa coisa destas.
Pode ser que algum dia veja interesse nisto mas, até ver, parece-me uma coisa frequentemente fútil e, sem que as pessoas se aprecebam, muito instrumentalizada.
E, claro, tudo fica lá registado...
Um beijinho, Ana.
Caro José Rodrigues Dias,
Ao voltar aqui para responder ao comentário da leitora Ana, passei os olhos pelos anteriores e dei-me conta que um parágrafo que eu tinha escrito na resposta ao seu desapareceu.
Como não acredito em bruxas, só posso concluir que devo ter trocado as mãos.
Mas, não interessa, escrevo de novo. Eu tinha escrito qualquer coisa como que era curioso como dos bits e bytes, megas e gigas, tenha passado para as palavras dóceis que voam quais borboletas da alma dentro da sua cabeça e que agora podemos ver nas suas poesias tão cheias de terra, de vida, que nascem como plantas cuidadosamente regadas.
Qualquer coisa como isto.
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