Um período de férias de apenas duas semanas é um tiro no pé. Mal começam, já está o fim à vista; três semanas é a conta certa (quatro, o ideal).
Este ano, por razões imprevistas, teve que ser assim mas a ver se não caio noutra. Ainda por cima, atarefadas que foram (mas boas!), recomecei a trabalhar mesmo a precisar de férias.
O que vale é que, para o sofrimento não ser excessivo, o tempo travestiu-se de Outono; até me parecia que tinha retrocedido no tempo e estava a voltar ao liceu depois das férias grandes, os dias mais curtos, uma chuva miudinha, a temperatura a pedir um agasalho.
Ou seja, back to the big city - o mesmo é dizer que, apesar de, quando em casa, estar mais perto do céu, já não estou in heaven.
Quando me levantei fui logo à janela, lavar o olhar no rio. Ah, que bom viver numa casa with a view.
A Ponte Vasco da Gama sobre um Tejo calmíssimo onde um navio ao largo parece um pequeno ponto de luz encarnada |
Pelo caminho, com pouca vontade de retomar já o trabalho, ia a pensar, ‘o que vale é que, à hora do almoço, me vou desforrar nos saldos’.
Era assim que eu já me via a regressar dos saldos |
Quando chegou a hora, saí, lampeira mas, quando cheguei ao local onde costumo almoçar, vi logo que a coisa não estava de feição. Gente e mais gente e mais gente. Com o tempo assim, em vez de irem para a praia, os veraneantes foram todos almoçar ao centro comercial e aos saldos. Só para almoçar estive uma hora: o restaurante a deitar por fora, um stress, o tempo a passar e eu ali à espera de ser servida.
A seguir, passei pelas lojas para que já estava de pezinho feito e… decepção: restos imprestáveis, um deprimente fim de festa.
Pensei, ‘nada de desesperos, há sempre a Zara, bora lá’.
Qual quê? Gente e mais gente e mais gente, mairitariamente africanos e brasileiros, famílias inteiras, crianças aos gritos, velhos infelizes, pelos cantos, cansados, carregados de sacos, velhas de olhar perdido a quererem gastar dinheiro e sem saberem para onde se virar, novas a remexerem freneticamente em tudo, carregadas de cabides a caminho dos provadores, outros de calção e chinelos como se tivessem saído de casa para ir à praia e, face à chuva, tivessem dado meia volta e ficado logo ali, num despreparo. Ou seja, uma confusão, uma barafunda, uma desmotivação.
Pensei: 'no problem, já enfrentei desafios bem mais complexos'.
Àquela hora já devia estar a caminho do emprego e ainda ali estava - tinha que justificar perante mim mesma a demora, tinha que ser capaz de comprar alguma coisa nos saldos. Persistência e olho vivo, mulher!
Qual quê? Quase tudo já roupa de Outono! No primeiro dia de verão e já quase só se encontra à venda roupa de Outono. Quem é que tem motivação, a meio do verão, para comprar roupa quente?
Zara Outono/Inverno |
Pensei, ‘Caraças, hei-de descobrir alguma coisa de verão’. Circulei, circulei, circulei e lá acabei por pegar numa tshirt preta com uma cabeça de pantera à frente, quase que só se vêem os contornos e os olhos verdes, gira, uma boa compra, 5,99€ mas que, of course, não vou poder usar no trabalho (noblesse oblige) e que, há pouco, ao chegar a casa, vi que é completamente transparente - ou seja, tem que ser vestida com um top por baixo o que é capaz de a tornar demasiado justa.
Ou seja, cheguei tarde e derrotada. Que chatice, isto tudo.
E depois, no carro só notícias de treta:
. O BPN vendido aos angolanos do BIC por tuta e meia (40 milhões) e o Estado ainda tem que meter lá 550 milhões de euros e ainda vai ter que indemnizar as centenas de pessoas que vão para a rua, despejadas juntamente com o passivo indesejável - e não sei porquê mas fico chocada com o rumo que isto está a tomar,
. O Álvaro muito compungido a dizer que ele, antes (presumo que no Canadá, quando ia dar aulas) ia de transportes públicos pelo que imagina que este aumento penalize as pessoas - e não sei porquê mas acho que este tipo não faz a mínima de que a vida em Portugal não tem nadinha a ver com a vida no Canadá,
. O inefável Miguel Relvas, com voz etéreo, a dizer que os resultados na RTP estão a ser muito agradáveis mas que a reestruturação não é incompatível com a privatização - e não sei porquê mas acho que mais que com um avental, ele está é com uma tremenda saia justa: se ficar o bicho pega, se correr o bicho come,
. Lá por fora, a crise vai brava por todo o lado: o HSCB vai despedir 30.000 pessoas nos próximos 2 anos - e isto assusta-me porque a economia a esfriar desta maneira é uma paragem no desenvolvimento,
. Os juros da dívida em Espanha e em Itália estão a disparar - e isto assusta-me porque se eles se afundam, não haverá como lhes deitar a mão,
. Obama, que conseguiu o acordo que evitou a bancarrota americana e a derrocada mundial, teve que vergar perante os republicanos, fazendo-lhes todas as vontades - e isto dá-me pena porque é um hiato (espero que apenas um hiato - não uma capitulação) na tentativa de justiça social que Obama tanto gostaria de imprimir nos EUA,
. Os russos e os chineses estão contentes com o acordo americano mas muito apreensivos com o escalar exponencial da dívida americana - e eu fico preocupada porque os EUA flutuam num colossal colchão de ar que é só dívida e, se um dia esse colchão estoura, não sobra para ninguém,
E agora digam-me vocês, se forem capazes: depois de umas míseras duas semanas de férias, depois de uma mísera sortida aos saldos, quem é que aguenta tanta desgraça, quem é que aguenta uma coisa destas?
(Também ouvi coisas boas como, por exemplo, que Bruxelas vai antecipar 630 milhões de euros em fundos para ver se reanima a economia portuguesa – mas o que é isso nas mãos desta gente que se mostra insensível, com uma visão desfocada da realidade, com uma mentalidade ultra liberal, que ignora a história e as consequências fatídicas que demandas desta natureza têm tido nas nações onde são perpetradas?)
Pronto, já perceberam, não foi? Estou com uma neura... Não vos maço mais.
Sem comentários:
Enviar um comentário