quinta-feira, junho 23, 2011

Obras de arte comestíveis - o caso de Felix González-Torres que vi no Guggenheim Bilbao

No outro dia fiz esta fotografia, uma obra de arte. A seguir, para evitar que alguém tentasse reproduzir obra tão ímpar, comi o objecto fotografado.



Estou a brincar, é claro. De facto, trata-se de uma ameixa que apanhei, coloquei sobre um muro e fotografei antes de comer.

Mas isto lembrou-me um dia, há alguns anos, eram os meus filhos ainda miúdos, especialmente o mais novo.

Fomos conhecer o Guggenheim Bilbao.

Logo à chegada à cidade, de noite, íamos de carro numa avenida e ouvimos um carro a apitar e alguém a gritar lá de dentro, na nossa direcção. Olhámos muito admirados, devo dizer que eu um bocado assustada (crianças no carro, coração do país basco, atentados, noite tardia, ruas quase vazias, ...) . O carro ultrapassou-nos e, de dentro, quase todo de fora do carro, um sujeito gritava, ‘portugués soy yo, português soy yo’ e acenava exuberantemente. Não percebemos muito bem, provavelmente era alguém a viver há muito tempo em Espanha que reparou na matrícula do nosso carro, provavelmente com uns copos a mais, não sei. 

Museu Guggenheim Bilbao

Mas no dia seguinte lá fomos, então, visitar o museu que tem uma arquitectura espectacular, muito característica da obra de Frank Gehry e que, sem dúvida, mudou a cidade. Era uma cidade escura, industrial, e passou a um destino turístico procurado por um público apreciador de arte, uma cidade viva, com um museu prateado, à beira do rio, com pétalas ou velas, com um urso de flores à porta, muita gente sempre à volta, uma local alegre.

Desde que nasceram, os meus filhos foram habituados (algumas vezes contrariados, confesso….) a andar em exposições, em museus e, portanto, já nada os espanta(va). No entanto, há coisas e coisas.

Nesse dia, lá no Guggenheim, íamos vendo as obras expostas e, de andar para andar, subíamos as escadas.

Num dos pisos, ao chegar do piso anterior, fomos dar a uma pequena sala em que estava uma vigilante. A sala aparentemente estava vazia mas num canto estava qualquer coisa que, a princípio, nem percebi o que era. Mas o meu filho percebeu e correu para lá. Corremos atrás dele. Era um monte de rebuçados brancos, embrulhados em celofane branco. Reparámos que por cima existia uma pequena placa, das que identificam as obras. De imediato, o meu marido ou eu puxámo-lo pelo braço, pois estava prestes a atirar-se à obra de arte.

Contudo, a vigilante sorridente informou que podia mesmo retirar um rebuçado, que era uma obra de arte comestível. E, portanto, os meus filhos puderam mesmo vandalizar e comer um bocado da obra de arte.

Perguntei à rapariga se a obra se extinguia e ela explicou-me que não, que ao fim do dia a obra de arte era reposta.

"Untitled" (Portrait of Dad), 1991, caramelos blancos envueltos en celofán, abastecimiento ilimitado, peso ideal 79kg, dimensiones varían con instalación

Tratava-se da obra acima referida, no fundo um amontoado de ‘Rebuçados embrulhados em celofane transparente’ da autoria feliz González-Torres, artista nascido cubano, que viveu os últimos 17 anos nos Estados Unidos (1957 - 1996) e que recebeu vários prémios e teve (e tem) a sua obra exposta nos maiores museus.

Fez obras com lâmpadas, relógios, etc, mas ficou essencialmente conhecido pelas obras à volta de rebuçados, as quais tiveram variantes, quer quanto à cor e forma, com montes de varias formas e multicores, tapetes de rebuçados (seria mais correcto designar estas obras por 'instalações'; a ideia de usar objectos comuns para elaborar obras de arte veio a ter na nossa Joana Vasconcelos uma demosntração cabal de como a criativiade transforma objectos do dia a dia em obras de arte - como é o caso das panelas de alumínio, dos talheres de plástico, dos tampões, etc . No caso da Joana, convenhamos, há, no entanto, de facto, um trabalho mais elaborado que, na obra de Felix Gonzalez-Torrres, não existe). A este divertia-o o conceito mas, sobretudo, a ideia de que os visitantes pudessem 'chupar' a sua obra.

Portanto, lá explicámos aos miúdos o conceito. No que diz respeito a arte já estavam por tudo, nem estranharam.

Contudo, mais à frente, num recanto estava um balde com uma esfregona e eles, com naturalidade e sem ironia, perguntaram se também era obra de arte. Achávamos que claro que não mas já não nos sentíamos seguros. Confirmámos: não existia nenhuma placa, mas we never know - pelo sim, pelo não, indagámos junto da vigilante. Não, alguém tinha sujado o chão e a empregada da limpeza tinha trazido o balde e ainda não o tinha retirado. Uffff.

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