Paulo Portas em campanha |
Mas preocupante mesmo é que dentro de pouco mais de um mês têm que começar a ser produzidos resultados de acordo com o exigido pela troika e, em vez de estarem já a estudar a forma de os obter ou em vez de - como sugeriu Medina Careira - estarem a constituir grupos de trabalho mistos, os partidos continuam a portar-se miseravelmente nesta campanha eleitoral que é de uma aterradora indigência política e intelectual.
Passos Coelho em campanha |
Os partidos, aparentemente, ainda não cairam na real. Entretêm-se a divertir-nos com as suas estúpidas tiradas, com sound bites destituídos de sentido.
Sócrates em campanha |
Assim como parte da população que parece ainda não se ter dado conta do risco que estamos a correr. Parece que já ninguém se lembra. E, enquanto anda meio mundo entretido com as trocas de galhardetes dos líderes partidários, já cá temos nova delegação da troika a trabalhar. É natural, a primeira fatia da verba acordada já chegou e há que garantir que vamos conseguir pagá-la (com juros, claro).
E a função pública? Já terão percebido que o paradigma em que têm vivido está prestes a sofrer um sobressalto?
Não me levem a mal os que me lêem e são funcionários públicos. Como já referi tenho na minha família próxima funcionários públicos ou reformados da função pública (professores, médicos, militares). Por isso, que não se pense que me move qualquer coisa contra os funcionários públicos em geral. Claro que não. Mas acho que grande parte dos que conheço se habituaram de tal forma a uma forma de estar que não lhes ocorre que algo pode estar prestes a mudar e não será para melhor (para eles).
Deixem que vos conte.
Há pouco tempo fui convidada para um evento de tipo seminário. Na minha mesa, por acaso, ficou uma pessoa da Administração Pública. Durante a conversa que se estabeleceu, essa pessoa referiu, com ar desconsolado, que continuam a dar cumprimento ao Siadap (coisa que, percebi depois, é o sistema de avaliação de desempenho da Função Pública) apesar de agora não ganharem nada com isso.
Perguntei-lhe o que é que costumavam ganhar.
Falou de prémios e de pontos que vão acumulando, o que permite evoluir na carreira. Uma coisa tipo pontos FNAC ou pontos Continente.
Pela forma como falava, percebi que achava natural esse método e que era com pesar que referia que isso agora estava suspenso, que ‘sabe-se lá quando será retomado’, ‘espera-se é que depois contem com estes pontos’.
Eu sei que mandam as regras de etiqueta que nestas ocasiões nos fiquemos pelo small talk, ninguém está nestas coisas para ser maçado. Mas eu não sou dada a converseta da treta pelo que, ou estou calada, ou digo o que penso. Geralmente digo.
E disse: onde eu trabalho e onde uma parte dos meus familiares, amigos e conhecidos trabalha, somos avaliados todos os anos e umas vezes isso traduz-se num prémio, outras vezes em coisa nenhuma. A avaliação individual é ponderada pelo grau de atingimento de resultados face ao previsto, pelo que podem todos ser uns crânios que, se não se atingirem os objectivos da empresa, azarinho, não há prémio para ninguém.
Quanto a carreira isso é conceito que não existe. Existem benchmarks nacionais e internacionais, existe o mérito, existem – quando existem – oportunidades para se mudar de função. Agora carreiras…? Quando se está num sector em que se tem que garantir a competitividade dos produtos que se vendem, as coisas funcionam numa lógica de racionalidade e não há nada que se possa tomar por garantido.
As pessoas podem mudar de local de trabalho vezes sem conta, as pessoas podem ter que fazer coisas que representam o dobro da responsabilidade ou terem o dobro do trabalho, e, monetariamente, não terem qualquer compensação por isso. Têm pena? Pois têm. Quem é que não gosta de ganhar mais? Mas se as pessoas compreendem que há que travar uma luta pela sobrevivência, então dar-se-ão por felizes por continuarem a travá-la.
Claro que era muito bom, então não era? se, de tantos em tantos anos, déssemos todos um pulo na carreira (leia-se no ordenado). Mas conseguiríamos reflectir esse acréscimo de custos directamente no preço de venda dos produtos? Claro que não. Os nossos clientes querem é produto de qualidade, serviço de primeira e tudo a bom preço. E todos nós percebemos isso, lutamos por isso.
Do nosso ordenado todos os meses é retirada uma parcela para fazer face aos gastos do estado (IRS). Dos resultados da empresa é também retirada uma verba para fazer face aos gastos do Estado (IRC). Uma parcela da verba proveniente das nossas vendas é entregue também para fazer face aos gastos do Estado (IVA). [E não falo também da parte retirada aos trabalhadores mais cerca do dobro disso paga pelos empregadores para o fundo de pensões (mais de 30% da massa salarial, entre empregados e empregadores) porque isso são outras contas].
Este desenho deve ser alusivo ao Brasil mas é igualmente válido por estas bandas |
Mas o que me deixa um pouco chocada é que, em parte, é do nosso ordenado que são pagos os ordenados da função pública – função pública essa que acha normal isso das progressões automáticas da carreira e outras mordomias com que nós, nas empresas privadas, nem sonhamos.
Na mesa alguém disse, para amenizar, que na função pública os ordenados são inferiores - mas, contas feitas, chegou-se à conclusão que também não.
Depois falou-se que a nível da classe dirigente há algumas diferenças para menos na função pública mas, então, a pessoa referiu que, lá, a partir do cargo de director-geral (se não estou enganada) há direito a carro com motorista e coisas do género. Carros com motoristas. Ou seja, mais postos de trabalho improdutivos. Quem é que nas empresas tem motoristas privativos? Ninguém ou quase ninguém, casos muito raros. E, no entanto, na função pública ou nas forças armadas, isso é também considerado normal.
Mas não é! É um consumo de dinheiro de impostos completamente disparatado.
Agora que estou a escrever isto estou a lembrar-me que aqui há tempo fiz uma pesquisa na net e fui parar à notícia de um evento (talvez comemorando o fim de um curso, não me lembro bem), do que percebi maioritariamente frequentado por professores universitários ou investigadores, evento esse que metia almoços e beberetes, passeio de barco pelo Tejo, etc.
E, ao ver as fotografias daquele grupo de gente animada, de copo na mão, confraternizando na boa, pensei como é diferente a vida dos funcionários públicos, que têm emprego garantido, que não precisam de se preocupar com a sobrevivência da entidade para a qual trabalham, que têm orçamento para estes happennings enquanto nós, nas empresas, cortamos em tudo, em formação, em newsletters, em encontros de quadros, em jantares de natal, cortamos, cortamos, cortamos para que as nossas empresas se aguentem vivas, para que haja dinheiro para pagar aos colaboradores e a fornecedores, para que se consiga amortizar dívida, para pagar os impostos.
Infelizmente, as contas públicas desequilibraram-se de tal maneira, a dívida ao exterior agravou-se de forma tão dramática que batemos no fundo e chegámos ao ponto humilhante de terem que vir técnicos de fora para nos dizer onde cortar.
E vamos mesmo ter que mudar de vida.
É todo um minset que tem que mudar, são contas que vão ser feitas numa outra base, por quem não quer saber de carreiras, de mordomias, de direitos adquiridos. E vai ser dado um apertão nos hábitos de consumo. Agora vai funcionar a aritmética básica. E, com isso, vai ser alterado o status-quo de muita gente. E em pouquíssimo tempo - porque o documento aprovado impõe metas exigentes, porque os nossos credores não vão dar tréguas e porque isto é uma questão de sobrevivência nacional.
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