segunda-feira, março 07, 2011

Não me parece nada bem que aceitem ser a geração à rasca, ou os parvos, ou que se vejam como pobrezinhos: não são. São apenas pessoas em início de vida profissional.

Recebi um comentário ao meu anterior post sobre a Geração à Rasca bastante pertinente e que, por me parecer ilustrativo do espírito dos que se propõem participar na manifestação de dia 12 de Março, não apenas o publiquei como me merece aqui um esclarecimento destacado.



O que o J. ali refere é a situação típica dos adultos em início de vida profissional. É assim agora e sempre assim foi.

Claro que deveremos exceptuar as situações de favor (começar a trabalhar logo num emprego brilhantemente remunerado, numa empresa ou instituição pública porque se é do partido ou amigo de alguém), de família (começar a trabalhar logo como chefe de alguém porque se é filho ou sobrinho ou primo do patrão) ou as situações absurdas de há una anos atrás (quando mal se acabava um curso e já se era consultor com bom ordenado e carro). Estas situações são excepções mesmo que em determinado período sejam quase a regra.

De resto, desde o princípio destes tempos mais recentes, o que descreve é o normal: acabar o curso, sofrer um bocado até que se arranje trabalho, entrando pelo baixo da escala remuneratória, muitas vezes um trabalho precário, mal tendo dinheiro para se autonomizar; alugar uma pequena casa, após algum tempo comprar um carro em 2ª mão, sacrifícios, supressão de idas frequentes ao cinema, a restaurantes, andar de transportes públicos na maior parte do tempo, fazer as contas ao cêntimo para ver se é possível assumir novas responsabilidades.

O caminho faz-se caminhando e é com a experiência que as pessoas adquirem o conhecimento prático que lhes permitirá ascender a funções de maior responsabilidade, melhor remuneradas.

O que se passa é que os jovens de hoje são filhos de uma geração que usou e abusou das facilidades do crédito abundante e barato, em que viagens, boas casas, bons e caros colégios, um carro para cada pessoa do agregado familia, tudo era possível e fácil.

Agora os juros estão altos e viver com recurso ao crédito é uma dor de cabeça e, pior, os bancos têm pouco dinheiro para emprestar.

E o que acontece com as famílias, acontece com as empresas. As empresas investiram à vontade, o crédito era um recurso totalmente acessível, barato. Agora não é. As empresas estão a sufocar com os encargos financeiros e estão aflitas para arranjar mais empréstimos. Como os clientes são menos e mais exigentes, querendo preços mais baixos, as empresas estão aflitas, a lutar para sobreviver. Têm que reduzir custos, não há volta a dar. Por isso, aumentar os postos de trabalho, nesta altura, só em casos muito pontuais.

A geração mais nova pode também ser levada a pensar que a culpa é dos mais velhos, que ocupam os lugares em vez de darem lugar aos mais novos. Mas vejamos. Mandar uma pessoa embora não é coisa fácil para uma empresa. Porque e como o faria? A lei protege os direitos dos trabalhadores. Só em casos complicados é que é possível, mas (claro!) indemnizando. Ora os que têm muitos anos de serviço, têm direito a indemnizações elevadas - e as empresas não têm dinheiro para isso. Além disso, para o País também não é bom, pois são pessoas com direito a subsídio de desemprego mais alto. Quer dizer, a solução também não passa por aqui.

Ou seja, a solução em tempos difíceis de retracção económica, não passa por decretar que se admitam jovens onde eles não fazem falta ou que se aumentem ordenados onde as empresas ou organismos de estado que mal podem cumprir com os compromissos que já existem.


A solução também não passa por cantarem o 'Parva que sou', de braço no ar (quiçá até de isqueiro aceso), ou manifestarem-se ou coisa do género. Muito menos passa pela instrumentalização que já está posta em marcha em que tudo o que é oportunite partidária: desde a JCP mais o Jerónimo de Sousa, aos demagogos air gauche e look fashion do Bloco de Esquerda, até ao descaramento mais inacreditável do PSD, tudo se cola aos deolindos Alexandre de Sousa Carvalho, António Frazão, Paula Gil e demais fb-mobilizadores. Puro acto de parasitismo oportunista, os populistas demagogos do costume sempre prontos para cavalgarem a onda do descontentamento, seja ele qual for.

A solução passa, em meu entender, por perceberem que não há facilidade nesta vida, nunca houve e agora ainda menos, com esta crise generalizada, com o mundo em sobressalto, com o petróleo a disparar, com os alimentos a preço de ouro. Este é um tempo de puxar pela cabeça, descobrir novos trabalhos, novas maneiras de viver, de abdicar do consumo fácil e desnecessário.

Cabe aos jovens perceber que, de cada crise, nascem oportunidades e que lhes cabe detectar oportunidades de negócio nestes tempos conturbados. Não podem exercer aquilo para que se prepararam (seja engenharia do ambiente, antropologia, jornalismo, terapia da fala, relações internacionais, seja o que for). Inventem produtos, inventem serviços, abdiquem de carro, de concertos, de jeans de marca, de restaurantes. A vida real é assim mesmo. Sacrifício, esforço, subir a vida a pulso. Não é de agora, sempre foi (tirando estes últimos e insanos tempos)

3 comentários:

J disse...

Comentário 1 de 2

Li recentemente um livro que achei muito interessante. Uma tese baseada numa análise cientifica sobre a pobreza em Portugal. Uma das conclusões que achei bestialmente relevante é que os políticos estão de mãos atadas na luta contra a pobreza porque a população no geral, especialmente aquela que constitui o maior centro de decisão popular, a classe média, não vê a pobreza como um problema sistémico fruto de uma condição social, mas antes como um problema individual (preguiça, incapacidade de agarrar oportunidades, etc.).

Está mais do que provado que o problema tem um fundamento social cuja a análise só se torna lógica quando do tipo macro. Filhos de pais pobres têm mais probabilidade de se tornarem pobres, porque abandonam a escola mais cedo, são menos acompanhados pelos pais, têm menos estímulos, mais maus exemplos, etc. Isolar casos em particular não faz qualquer sentido.

Neste caso é exactamente o mesmo. A lógica de que os jovens não têm razões de queixa, antes são mimados têm é de aprender a abdicar de saídas a noite, de restaurantes, aceitar o começo da vida por baixo, etc. mostra que a análise apresentada está longe de ser macro e longe de ir à raiz do problema.

Quem se queixa é a chamada geração quinhentista. São muitos. Conheço muitos. Tirar uma licenciatura, um mestrado, etc. e ganhar 500 ou 600 euros, num trabalho precário em regime de estágio numa qualquer empresas de sucesso, eis o que lhes espera. Na análise apresentada usa e abusa do exemplo das “licenciaturas que não servem para nada”, assim a espetar a agulha como quem não quer a coisa. Então e o que dizer de arquitectos e advogados que trabalham anos a fio num estado de absoluta precariedade quase de borla? Para chegarem aos 30 anos e perceberem que se querem uma vida decente toca a emigrar? Arquitectura e Direito são cursos que não servem para nada?

Ou o que dizer de um bom amigo meu que tirou um curso de gestão para agora finalmente arranjar trabalho – na Fnac – num bom cargo de gestão, na sede! Óptimo! Contrato 1 ano! Vencimento 0 euros! Saldo a felicidade possível por não estar em casa! Impecável! Viva a Fnac?

É difícil começar a vida claro. Mas a referência que cada um tem é a sua, construída na experiência que temos, é natural. Há 30 anos atrás o país vivia uma situação fabulosa. A época do idealismo. Sair de uma situação de miséria cultural e financeira e abraçar o último quarto do século cheio de sonhos e esperanças. Assim era o Portugal do pós 25 de Abril. E como é o Portugal do início do novo século? Totalmente deprimente, crise, crise, crise, bancarrota, a cauda da Europa; e não é natural que esse estado deprimente constantemente propagandeado pelos arautos da catástrofe que se apresentam em horário nobre, contagie a nova geração, a do amanhã?

Há 30 anos atrás a vida não era fácil, mas havia esperança, e hoje? Vamos a números. Um jovem casal pertence a essa geração quinhentista e digamos que aufere um vencimento líquido de 1000 ou 1200 euros. A tal casa alugada com que temos que nos contentar – concordo. Não sei se conheces umas casas T1 nas torres de Cacilhas? Há muitas para alugar. Um jovem casal meu amigo tem lá uma alugada, paga 400 euros. São logo aí 40% do vencimento. E a creche para os filhos, mais 300 euros. É tão simples quando isso já foram 70% do vencimento total. E estamos no nível do barato!

J disse...

Comentário 2/2

Como era à 30 anos? Casa e 1 filho levavam logo 70% do rendimento? Já era assim complicado?

Que motivações é que existem para sair da casa dos pais? Para ter filhos? Para tirar uma licenciatura quando o macdonalds também paga 500 euros por mês? Mais vale nem tentar!

Consequências: o desemprego numa década aumentou para o dobro, a natalidade baixou 25%. As condições pioraram, a precariedade aumentou, a emigração de jovens licenciados aumentou. Isto não é grave, não basta isolar estes 2 factos para encontrar razões de protesto? Não é o estado de sempre! Está pior! E se está tão mau como à 30 anos então o que é que vocês andaram a fazer com o País?

Se estamos em retrocesso social não temos de protestar? Não temos de sair para a rua?

É o tipo de estado capitalista à americana que não se preocupa com este estado de coisas que estamos a tentar defender como correcto? Respostas como – “o que podem as empresas fazer? O que pode o Estado fazer? Quem tem de se safar são os jovens! Criem empresas! Gerem riqueza! Safam-se ou morram! Believe in GOD! Save our freedom protect capitalism, kill socialism and national healthcare! Nunca ouviram falar em Darwin? Os fortes é que se safam!” – esse retórica está longe daquilo em que acredito!

Acredito que o Estado pode e deve promover o desenvolvimento da economia. Acredito que é necessário reforçar o aparelho produtivo! Não é preciso ter medo de papões – um bom exemplo: EDP e REN, capitais públicos, orientação do Estado, apostar nas renováveis – aposta ganha, dinamizar a economia, criar oportunidades para as PMEs, abrir portas no estrangeiro, criar novos mercados. De cima para baixo.

Duas últimas notas. Primeiro no livro que referi inicialmente aparece uma nota para aquilo que deveria ser visto como o verdadeiro problema para o insucesso das empresas portuguesas, dos reduzidos níveis de produtividade, reduzida penetração em mercados estrangeiros, etc. que é a má qualidade da gestão em Portugal detectada num estudo da Mckinsey. Comparando com muitos outros países conclui-se que Portugal não só tem um nível de qualidade de gestão inferior à média, mas também, muitas mais empresas com muito má gestão. É claro que em Portugal também os trabalhadores têm nível de formação técnica e cultural inferior, estão menos capacitados que a média europeia. Mas também não será isso um problema sistémico com uma análise cientifica que tem de passar pela qualidade dos políticos e dos seus investimentos?

A fazer fé no que disse no parágrafo anterior é natural que os jovens tenham de facto razões de queixa da geração que os antecedeu, nomeadamente, de políticos e gestores, que estão na raiz do estado miserável da economia portuguesa, que não consegue financiar as funções mais básicas do seu Estado – criar as condições necessárias para o progresso da sociedade, para a evolução demográfica e de estilo de vida. Antes ao que parece, pedem-se sacrifícios aos mais novos para manter intocáveis os que estão no poder.

Última nota para terminar – com os posts no blog tem vindo a evoluir um certo tipo de radicalismo anárquico individualista, que se opõe a qualquer forma de luta e contestação organizada por partidos, à mistura com um conservadorismo reaccionário com se opõe com palavras biliosas a qualquer forma de vontade de mudar o instalado, só porque é possível associar a chavões.

PS – A engenharia do ambiente é tão descartável como, sei lá, a terapia da fala? E eu a pensar que podíamos salvar os nossos netos do atolamento em trampa pondo pessoas competentes a tratar os nossos esgotos!!

J.

Um Jeito Manso disse...

Caro J., apreciei o vigor que colocou na defesa do seu ponto de vista. Esse vigor leva-o, no entanto, a não ler com atenção e sem preconceito aquilo que escrevo.

Não vou rebater os vários pontos que refere mas quero esclarecer que apenas referi engenharia do ambiente porque foi o caso que referiu no seu post. Acho engenharia do ambiente uma formação do maior interesse. Assim como acho útil a formação em terapia da fala, direito ou gestão, engenharia em geral, medicina ou animação cultural. Contudo há que adequar a oferta à procura. Por muito úteis que sejam, serão desadequados se não houver vagas em número suficiente para absorver as pessoas que se formam em determinadas áreas.

Outra coisa: gostava que me explicasse qual a solução para os males que refere - e que são reais - que vai sair de uma manif.

Critica-me quando digo que os jovens deverão contribuir para encontrar soluções, esforçando-se nesse sentido. Mas então o que pretende? Que sejam os paizinhos a encontrar a solução? Ou a solução nasce de geração espontânea em plena manif?

Nota 1: Felizmente para si que o Professor Cavaco concorda consigo. Os jovens descontentes devem estar encantados com este inesperado apoio.

Nota 2: Já agora uma pequena chamada de atenção: detenha-se por 1 segundo quando escreve 'á' porque por vezes é um tempo do verbo haver e acontece-lhe, de quando em vez, deixar que o h se evapore.