Uma vez, numa entrevista em frente a um quadro, perguntaram a Paula Rego (uma fantástica encenadora)porque é que ela tinha pintado dois tomates ao pé de uma cama. Ela, com aquela ligeireza que se lhe conhece, riu e disse: “Sei lá…Não faço ideia de como foram ali parar.”
Num livro que já aqui referi e que me deu muito prazer ler, ‘Miró – Esta é a cor dos meus sonhos’, ele explica que muitas vezes ao sacudir a tinta dos pincéis, saltavam salpicos para a tela e que, a partir dali, ele compunha o resto; que, depois, os críticos e entendidos inventavam histórias para explicar a obra. Mas, a ele, era-lhe indiferente o que dissessem.
Há tempos, em casa de um pintor, vi alguém que lhe dizia que gostava muito de um quadro em particular e perguntava-lhe se aqueles pontos luminosos, na noite, eram olhos de gatos. O pintor sorriu e disse que podia ser, faria sentido se fosse mas que não tinha pensado nisso quando pintou.
Na altura apetece-lhes fazer uma coisa e, se lhes apetece, quem os impede?
O que significa? Podia contar-vos mil histórias diferentes. |
O bom destas coisas é que há alguém que se exprime como na altura lhe ocorre – sem razão, sem intenção, apenas porque foi o que calhou naquele momento – e a seguir outras pessoas fazem daquilo o espelho da sua própria imaginação.
É nesse jogo de falsos e múltiplos espelhos que reside o mistério e o fascínio da arte.
Pedro Tamen publicou mais um livro de poesia, Um teatro às escuras, e é difícil ficar-se-lhe indiferente.
Não são poemas avulsos mas sim uma história em poema. Aparentemente descreve o que se passa no decurso da representação de uma peça de teatro, envolvendo, na descrção, toda a equipa que leva à cena a dita peça, desde os actores, ao encenador e à equipa mais técnica. É uma ideia aparentemente simples mas, de acto, com um fantástico potencial de exploração.
Tal como sobre uma pintura, podemos fazer várias leituras e, provavelmente, com elas surpreender o autor.
Tenho lido fascinada este livro.
Aliás, toda a poesia de Pedro Tamen me fascina. É uma poesia organizada, inteligente, lógica – mas imaginativa, musical, envolvendo, com grande equilíbrio, o saber, a experiência e o sentimento (e a emoção, que é a forma imediata e aguda do sentimento). É uma poesia empática (pelo menos em relação a mim é-o).
Neste Teatro às escuras podemos ver o desalento de um amor que caminha para o fim porque os seus intérpretes caminham para o inexorável fim (ashes to ashes), ou podemos ver ali a descrição de amores clandestinos, vividos em segredo, à distância, tão imateriais que quase parece nem existirem, ou podemos ver a celebração do amor luminoso, podemos ver a encenação circunstancial que a vida pública de um relacionamento sempre é, ou podemos ver os comentários de quem assiste de fora a uma realidade que apenas faz sentido para o próprio casal, etc, etc. São múltiplas as leituras consoante a idade, o mundo, os genes de quem o lê – e ainda bem que assim é.
A leitura de Pedro Mexia no Expresso de dia 5 deste mês é uma leitura possível, lúcida e esclarecida como seria de esperar. A quem não leu, recomendo a sua leitura. E recomendo, sobretudo, a leitura de Um teatro às escuras. Abençoadas as pessoas que têm este dom de nos maravilhar com as palavras.
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