quinta-feira, dezembro 23, 2010

Pedro Mexia, o poeta, e Manuel João Vieira



Gosto de ler os textos de Pedro Mexia, já aqui o disse.

Tem, sobre as coisas, uma visão inteligente, temperada com algum saudável cepticismo e por um precoce spleen, e complementada por um saber bastante bem doseado (digo doseado depois de muito pensar na palavra a usar pois, como disse há dias, talvez por preconceito, custa-me usar a palavra erudição em relação a alguém que nem 40 anos tem – é como dar a um aluno a nota 20 no primeiro período; se a seguir ele melhora, dá-se-lhe o quê?).

Mas confesso que tenho alguma desconfiança e falta de empatia em relação à sua poesia.

Para mim, que sou mera consumidora, uma consumidora leiga, a poesia é a tradução de um sentimento ou de um pensamento sob uma forma minimalista mas na qual se apercebe uma musicalidade; além disso, ao ler um poema temos que perceber que o encadeamento de palavras encerra um código invisível mas único (tal como o genoma é a fórmula que determina a identidade de um corpo, também na poesia deve ser possível reconhecer, ainda que, por vezes, de forma imperceptível, a identidade da escrita).

Enfim, é um je ne sais quoi que não sei explicar.

Ora acontece que, do que conheço, não encontro isso na poesia de Pedro Mexia. Acho os seus poemas de uma secura excessiva. As palavras dos seus poemas parece não se ligarem umas às outras, não há uma linha melódica, não há uma palavra a dar a mão à seguinte – as palavras em roda como meninos que cantam.

Leio alguns dos seus textos no(s) blogue(s) e, não raro, encontro ali sentimentos destilados, em estado puro. Ou sentimentos conjugados com reflexões, tudo muito bem articulado, cerzido com inteligência fina. E parece que, sujeitos ao crivo do blogue ou da crónica, é aí que os sentimentos ficam. O que sobra já foi decantado. E, quando passa para poesia, já não traz emoção, já só vem a extrema racionalidade, uma racionalidade por sua vez crivada pelo saber literário. Daí a concisão do aforismo, a secura da escrita descritiva racional.

No meu blogue Ginjal e Lisboa, a love affair coloco poesia de língua portuguesa e já fiz várias tentativas de aí inserir poemas dele mas esbarro sempre nesta minha reserva.

No entanto, em ‘A poesia ensina a cair’ do Eduardo Prado Coelho que ontem referi [e, sobre, PM diz EPC que "Pedro Mexia integrou-se definitivamente num sistema mediático que o elegeu como estrela emergente, mais no domínio da crítica e da reflexão do que da poesia. Devo dizer, com toda a sinceridade, que tudo isto me parece justo, dada a inteligência e o gosto que exibe em todas estas manifestações. Mas temo às vezes que a sua obra de poeta (…) passe para segundo plano. Há nela uma voz singular que merece a melhor atenção …], encontrei um poema que antes me deve ter passado despercebido (a gente quando adquire um pré-conceito, às tantas vê tudo através dessa lente...) e, deste poema, gostei.

É certo que apanhou a boleia musical de Fernando Pessoa, na 'Ceifeira', mas não interessa, saíu bem e isso é o que importa. E, portanto, foi desta que ultrapassei a barreira que me separava da sua poesia.

Aproveito ainda para dar uma outra explicação. No 'Ginjal e Lisboa' coloco sempre um apontamento musical (também a língua portuguesa ou artistas portugueses como critério) que tento que, de alguma forma, tenha alguma relação com a fotografia ou com o poema que se segue.

Neste caso, o que me ocorreu foi exactamente o contrário: Manuel João Vieira, aparentemente o anti- Pedro Mexia.

Não sei se são amigos, se mutuamente se admiram ou se se detestam, não faço ideia. No entanto, eu acho que faria muito bem ao Pedro Mexia um estágio com o Manuel João tout court ou, a espaços, com os seus heterónimos Orgasmo Carlos, Irmão Catita, Lello Universal, Candidato Vieira, Coração de Atum, e por aí vai. Acho que este(s) tiraria(m) Pedro Mexia da sua zona de conforto, o desinstalaria, o levaria para caminhos onde o seu autocontrolo seria posto à prova. Uma acção de coaching que antevejo como altamente salutar para o sóbrio, intelectual, ultra-racional poeta Pedro Mexia. Imagino que, depois de um estágio destes, a poesia de Pedro Mexia sairia desalinhada, emotiva, íntima ou exuberante, espontânea, musical, com aquele grão de imperfeição que dá espessura, textura, vivência às palavras. Não posso dizer se seria melhor poesia, quem sou eu?, mas acho que escrevê-la seria para o próprio Pedro Mexia um momento de maior felicidade do que hoje imagino que seja.

Em suma: hoje no 'Ginjal e Lisboa a love affair' temos Pedro Mexia e Manuel João Vieira.

Promete.

6 comentários:

Anónimo disse...

Portugal, país de poetas aos molhos, perde Pedro Mexia, poeta. Que pena...
É caso para dizer, e agora, como é que o país vai saír desta crise profunda que o oprime e arrasta para o maior buraco negro da sua história?

Um Jeito Manso disse...

Que eu saiba nem Portugal perde Pedro Mexia, o poeta, nem Pedro Mexia, o poeta, se perde de Portugal.

Felizmente Portugal é um país de poetas e, quantas vezes, ao longo da história, foi a poesia também uma arma?

Provavelmente não sairão dos poemas de Pedro Mexia receitas para salvar Portugal da crise mas talvez as palavras de Pedro Mexia - e de muitos outros que nasceram com o dom da palavra - nos ajudem a suportar melhor a crise que atravessamos.

E não sei se este é o pior buraco negro da história de Portugal. É mau mas não sei se é o pior. Guerras, surtos epidémicos, perda de soberania, etc, talvez tenham sido momentos piores.

Luis Eme disse...

era giro o Mexia ler isto.

e mais giro ainda comentar (essa então deve ser mesmo uma impossibilidade...)

Anónimo disse...

O nosso Primeiro tem o dom da palavra convencendo as mentes e os corações de muitos. De tal forma, que já vai havendo quem pense que já houve pior. O seu caso é um deles.

Um Jeito Manso disse...

Caro Anónimo, não é uma questão de convencimento, é uma questão de isenção face à história. Então não lhe parece que, desde que existe Portugal, já houve períodos mais sombrios, mais difíceis, com a população a atravessar provações e humilhações em mais elevado grau que agora...?

Anónimo disse...

M,
eu vivo aqui e agora e sinto na pele que a coisa está preta. Vejo- e desejo-me para honrar os meus compromissos e se o meu patrão fechar a loja, eu como não tenho canudo nem falo Inglês e o país não tem pesca, agricultura ou indústria nem sou sócia de um partido político, acha que é com intelectualidade ou lirismo que me vou manter?
Sorte a sua que não tem destes problemas e ainda bem, é menos uma pessoa a contar para as estatísticas.