Claro que o tema me deixa sempre um pouco perturbada. Posso não demonstrá-lo, aliás tento não demonstrar nada, mas claro que fico perturbada.
Quando ouvi que o Markl tinha tido um AVC senti um baque.
Só pensei: caraças, como é possível?
Quando li que tinha sido um AVC hemorrágico retrocedi uns anos. Não vou repetir com pormenor o que já aqui contei algumas vezes. O que se passou, os antecedentes, as consequências. A minha avó, mãe do meu pai, também teve um AVC. E o irmão dela também. E creio que antes deles a minha bisavó também. Mas o meu incómodo não vem só do receio que esse seja também o meu destino. O meu incómodo vem de não ter estado devidamente informada quando o meu pai teve os AIT que precederam o AVC e não ter sido informada das causas e dos riscos de que coisa maior pudesse estar para vir. O meu incómodo vem de não ter percebido que o meu pai devia seguir, à risca, uma medicação nem ter sabido que, por achar que estava tudo bem e controlado, de vez em quando não a tomava. E vem de não ter sabido que ele andava com arritmias acentuadas (ou taquicardias?) e que não foi ao médico. E vem de pensar que, na noite em que ele teve o grande AVC, ele e a minha mãe demoraram tempo de mais para chamar a ambulância sem perceberem o que estava a passar-se e que, por isso, as consequências foram tão devastadoras. Ainda me lembro de um médico, ao ver os exames, o felicitar e dizer que quem tem um assim, tão extenso, tão profundo, geralmente não fica cá para contar. Devíamos ter ficado contentes por ele ser a excepção à estatística mas as suas limitações eram tantas, tão arrasadoras, que naquela altura não havia notícias que nos animassem. E, por isso, o meu incómodo vem também de me lembrar de todos os horrores pelos quais passou: a perda de tantas faculdades, a perda da autonomia, a perda da dignidade.
Felizmente parece que o filho do Markl estava por perto e se apercebeu e ligou para o 112 e tudo decorreu dentro da janela temporal em que os danos são limitados e, espero, reversíveis.
Mas há efectivamente que estar atento até porque estamos sempre tão alheados das nossas fragilidades que, quando a coisa nos bate à porta, nem nos ocorre que uma coisa assim pode estar a acontecer.
E digo isto porque, há anos, passei por isso. Creio que também já o contei. Num certo dia, um dia de trabalho normal, o meu marido acordou a sentir-se estranho. Dizia que estava um pouco tonto. Não liguei muito e ele também não. De manhã tínhamos os minutos contados, despachávamo-nos apressadamente para não chegarmos tarde. Ele dizia que parecia que estava tonto e eu pensei que talvez estivesse com a tensão baixa. Sugeri que esperasse pelas nove horas para ir à farmácia ver a tensão. Ainda não tínhamos medidor em casa, estávamos tão longe dessas preocupações. Mas depois dizia que lhe doía já não me lembro se era o pescoço ou o ombro. Perguntei se teria dormido sobre aquele lado, se teria dado algum mau jeito na cama. Não me ocorreu, nem a ele, que esse sintoma estivesse relacionado com as tonturas. Ainda me lembro de ele se ter encostado à parede e isso não era nada normal nele. Estávamos ambos prontos para sair de casa. Mas depois ele disse que parecia que estava com um bocado de falta de ar. E eu, espantada, perguntei o que é que a falta de ar tinha a ver com o resto. Pareciam sintomas desencontrados, que nada tinham a ver uns com os outros. Felizmente calhou estarmos à porta do quarto do meu filho e por sorte ele ainda estava em casa e por sorte, apesar de estarmos a falar baixo, ele ouviu e, por sorte, foi mais inteligente que nós e, de um salto, vestiu-se e disse que ia com o pai ao hospital e nem sei como voou e levou o pai às urgências. E chegou a tempo. Não chegou a ser grave, foi medicado, interceptado a tempo, ficou em observação, e só então caímos na real e nos assustámos. E desde essa altura está medicado.
Ora como é que nós, pessoas informadas, não percebemos o que estava a passar-se? Custa a crer. Estávamos tão longe de que uma coisa assim nos poderia acontecer, a nós, ainda jovens, saudáveis, que não conseguimos ver uma coisa tão óbvia.
O testemunho que abaixo partilho é uma experiência diferente. No caso dela foram os médicos que desvalorizaram o que estava a passar-se. Poderia já cá não estar para contar. Impressiona.
A nossa vida é, tantas vezes, um milagre, uma questão de sorte por estarmos ao pé de quem nos acuda, por darmos com um médico que se interesse, que acerte no diagnóstico, por conseguirmos chegar a tempo e horas.
“Estava numa situação de bomba-relógio” | Quando a Minha Vida Mudou | Observador
Celmira Macedo tinha sintomas que ninguém valorizou. Sobreviveu a dois AVC até ter um diagnóstico e um tratamento adequado. Hoje vive com sintomas difíceis, mas invisíveis aos olhos dos outros.
Arterial é uma parceria do Observador com a Novartis. Tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.
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