Por mim nem me ocorreria comprar, mas ofereceram-me o livro de Miguel Carvalho, "Por dentro do Chega, a face oculta da extrema-direita em Portugal". Apesar de não ser o que consideraria primeira prioridade, a verdade é que resolvi dar uma espreitadela. Aliás, se há coisa que me desperta curiosidade é perceber o que leva tanta gente a aderir a um partido em que apenas uma pessoa tem representatividade e em que não se apontam soluções para nada, apenas se diz mal de tudo de forma exacerbada, frequentemente assentando tudo em mentiras e manipulações, e em que muitos do que lá se arregimentam praticam os crimes contra os quais tão inflamadamente se insurgem. Portanto, pensei que talvez encontrasse ali a resposta.
O que abaixo transcrevo não é o melhor pois ainda vou mais ou menos no início. O que tenho estado a fazer é, à medida que vou lendo, ir recortando, para aqui, aquilo que me chama mais a atenção.
Portanto, aqui vai um cheirinho.
Das citações referidas no início: «Dir-vos-ei o que me trouxe à posição que alcancei. Os nossos problemas políticos pareciam complicados. O povo alemão não podia fazer nada com eles [...] Eu, por outro lado, reduzi-os aos termos mais simples. As massas compreenderam isso e seguiram-me.», ADOLF HITLER
Se algo podemos verificar neste tipo de partido é o facto de projetar nos adversários os pecados e vícios que habitualmente comete longe dos holofotes.
A história do Chega é também a de um político forjado no sensacionalismo, com um poderoso microfone, dono de um discurso incendiário e de um partido que o aplaude em apoteose. Atrás do pano, essa mesma força política também se revela um cortejo de traições, intrigas, vendettas e disputas sanguinárias pelo poder, por vezes com relevância criminal.
(André Ventura mostra) trejeitos de profissional da stand-up comedy, de pastor evangélico ou guru das vendas diretas.
Um excerto do filme O Pub The Old Oak, do britânico Ken Loach, devolveu-me o retrato da clientela que André Ventura procura e que eu conhecia, em parte, das minhas andanças pelo país — e o porquê da adesão às suas narrativas. «Todos procuramos um bode expiatório quando estamos na merda», desabafa, a dada altura, a personagem T. J. Ballantine, dono do último pub de uma deprimida e antiga comunidade mineira do Reino Unido, onde, de surpresa, se instalam refugiados sírios. «Nunca olhamos para cima, olhamos sempre para baixo. E culpamos os desgraçados que estão abaixo de nós», continua T. J. «É sempre mais fácil esmurrar-lhes a cara.»
De 2014 até à primavera de 2020, Ventura comentou temas de crime, justiça e futebol na CMTV. Fê-lo em programas com mais de 100 mil espectadores por emissão, onde, por vezes, pouco faltava para espirrar sangue ou alguém levar um cartão vermelho. Com tempo e mestria, Ventura traduziu isso em votos.
(André Ventura) recorria a mentiras de bradar aos céus e meias-verdades viscosas, é certo, mas sem pontapés na gramática e com uma oratória imbatível, acessível às mentes menos reflexivas. Só quando sossegava a faceta de entertainer é que transparecia a megalomania. Vaidoso, procurava adoração e obediência. Não se importava que, de fora, o subestimassem — até preferia. O seu único receio era perder o «brinquedo», o partido através do qual catequizava descontentes, fanáticos, oportunistas e lunáticos em nome daquilo a que o sociólogo polaco Zygmunt Bauman chamou retrotopia: a nostalgia por um passado idealizado, e não vivido, que alastra de mãos dadas com a degradação das condições de vida, a instabilidade e a fragilidade do Estado Social. Tudo campo aberto para o tribalismo e uma guerra de todos contra todos. Parte desse povo via-se refletido no retrovisor de Ventura. «Em todas as democracias liberais», disse a cientista política australiana Karen Stenner, «cerca de um terço da população tem predisposição para o autoritarismo».
(No 2º livro de André Ventura) surgem metáforas sobre um marinheiro num «mar de pecado» e de «um guerreiro na planície conquistada». E, por fim, um «gemido demoníaco» e momentos de «torrente orgásmica» como um «riacho furioso». A juntar a tudo isto, Arafat é gay, tem «lábios grossos» e rodeia-se de homens «de ombros musculados» e seguranças de «corpo robusto e altamente trabalhado».
[e continua...]
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