domingo, setembro 07, 2025

O relatório preliminar
-- Porque aconteceu a tragédia do Elevador da Glória? --

 

Estamos em território minado em que ninguém divulga documento nenhum sem que, primeiro, os advogados o mire à lupa, com mil olhos. 

Sabemos que o tema da responsabilidade civil e as respectivas consequências é o que agora estará a envolver todos intervenientes, e, quando falo em envolver, é isso mesmo: há que ter mil cuidados, pois qualquer ponta que se deixe solta será usada pelas seguradoras, pelos advogados das partes envolvidas, pela comunicação social, pelos partidos, para triturar impiedosamente o primeiro que se deixe apanhar 'a jeito'. É, pois, a altura de mitigar os efeitos dos danos de toda a ordem, nomeadamente os financeiros, os reputacionais, os políticos. Claro que em background estará sempre o drama dos mortos, dos acidentados. Mas isso já aconteceu. Já não há nada a fazer. Portanto, isso estará presente, claro que sim, mas em background. Quem não está habituado a isto, dirá que há muito cinismo, muita hipocrisia nisto. Talvez, sim. Mas não sei se é isso ou se é o instinto de sobrevivência dos intervenientes. Sei bem o stress que, em situações deste tipo (e nunca passei por nenhuma tão grave, nem nada que se pareça), costuma existir sobre todos: reuniões e mais reuniões, com os circuitos todos da gestão de risco a serem seguidos ferreamente.

Quanto ao relatório sobre o que aconteceu, mais do que saber que foi o cabo solto ou a ineficiência dos freios, é importante detectar a verdadeira causa-raiz que levou a que isso acontecesse. Seja o que for, da minha experiência, o que me parece óbvio é o seguinte: por muito que o relatório preliminar seja prudente e tente dar a entender que o que se passou foi uma fatalidade, pois os procedimentos de manutenção foram todos rigorosamente cumpridos e o condutor agiu como devia, uma coisa é certa: em acidentes desta natureza não há fatalidades -- há, sim, uma ou mais ocorrências como, por exemplo, desgaste dos materiais que não foi devidamente acautelado, falta de adequação dos materiais ou dos sistemas às funções, falta de manutenção com a profundidade, a tecnicidade ou a periodicidade devida, ou a não substituição atempada de peças, equipamentos ou sistemas. E um ou vários desses aspectos serão a causa directa. E é preciso identificá-los.

Mas depois há as segundas derivadas: ou seja, porque é que isso aconteceu? Sub-orçamentação, inexperiência ou inaptidão dos técnicos (quer os da Carris que fizeram o caderno de encargos ou que monitorizam a execução do contrato quer os da empresa externa que efectua o serviço), inadequação organizativa (quem monitoriza ou quem decide sobre falhas ou decisões a tomar), inaptidão da gestão da Carris?

Numa perspectiva séria, para apurar todas as razões (e não para alimentar o espectáculo da comunicação social mas, sim, para evitar que voltem a acontecer acidentes desta gravidade), haveria uma comissão de gente séria, experiente e objectiva, a varrer todas estas vertentes.

Não podem ser totós que embarquem em banalidades, que não vão ao fundo da questão, tem que ser gente que saiba desmontar os argumentos, que saiba pesquisar, averiguar:

- Faz sentido manter aqueles elevadores, lindos, com aqueles materiais, com aquela tecnologia, ainda estarem em funções? Não seria mais seguro haver réplicas perfeitas mas robustas, tecnologicamente modernas, seguras, monitorizáveis e controláveis?

- Faz sentido os serviços de Manutenção continuarem externalizadas? Em caso afirmativo, quem define os moldes em que é executada, quais as fronteiras de responsabilidade entre os serviços internos e os externos (por exemplo, quem assegura os serviços de Oficina, a gestão de peças, quem efectua inspecções periódicas, quem assegura a transmissão de conhecimentos e a formação dos técnicos)?

- etc...

E isto de que tenho falado é uma vertente. Mas há outra: não nos esqueçamos, uma empresa tem accionistas que nomeiam a administração e é a administração que leva ao terreno as orientações que recebe. É o accionista que aprova as linhas estratégicas, os orçamentos, as grandes decisões programáticas. No caso, o accionista é a Câmara de Lisboa. E quem está à frente da Câmara de Lisboa não é uma dinastia ou uma família: são pessoas eleitas, são políticos. Logo, antes de qualquer outra responsabilidade, há a de carácter político.

Carlos Moedas não pode esconder-se atrás das saias do falecido Papa, não pode encostar-se a Marcelo ou a Montenegro nem pode continuar a andar a correr atrás da comunicação social para se gabar de tudo o que mexe ou não mexe. Carlos Moeda, por uma vez, tem que se portar como um homenzinho. A menos que não saiba o que isso é.

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