sábado, abril 26, 2025

Confiar em estranhos

 

Quando circulava mais, acontecia-me com alguma frequência um desconhecido começar a falar comigo e contar-me coisas profundamente pessoais. Eram situações completamente inesperadas que eu havia com atenção e respeito.

E isso parece ter-se estendido à blogosfera. Muitas pessoas têm-me escrito, ao longo destes anos, contando-me aspectos privados, alguns deveras complexos, outros muito íntimos, outros tocantes ou dramáticos. Já me aconteceu também receber apelos desesperados ou para lhes ligar por estarem no limite e não terem mais com quem falar ou para me ir encontrar com elas por estarem a viver uma situação muito complicada e não saberem com quem mais falar a não ser comigo. Nestes casos fico sempre aflita pois sei que não tenho preparação para lidar com situações limite e não quero assumir uma responsabilidade para a qual dificilmente estarei à altura.

Se eu pudesse compilar todas as 'histórias' que têm chegado até mim, quem me lesse diria que a minha imaginação é excessiva, talvez a tender demasiado para o drama, por vezes talvez delirante. Obviamente não o farei pois respeito em absoluto a confiança que ao longo de anos tantas pessoas têm depositado em mim.

Quando eu trabalhava, era frequente, quando havia alguma suspeição no ar, virem perguntar-me se eu sabia de alguma coisa pois diziam que o meu gabinete era o confessionário. Claro que, mesmo que soubesse, não contava nada -- a menos que, pela natureza da situação, me apetecesse colocar algumas achas na fogueira.

Ainda recentemente, num grupo de que faço parte, ao ter sabido da inesperada morte de uma amiga, expressei a minha surpresa e tristeza. Não sei se foi pelas minhas palavras ou se pela recordação de conversas antigas, a verdade é que, pouco depois, recebi uma longa mensagem de um amigo com quem não tinha conversas mais pessoais há anos contando-me situações da sua vida. E fiquei de queixo caído. Jamais imaginaria que ele tinha passado por tudo aquilo e que tinha desenvolvido uma 'filosofia' de vida tão adaptada a quem sente que vive no fio da navalha. Trocámos mensagens e eu estava absolutamente perplexa pela confiança que ele revelava ao contar-me tudo o que estava a desfiar. 

Muitas vezes dou por mim a pensar: porque é que isto acontece? Porque as outras pessoas percebem que me interesso genuinamente por elas? Ou que procuro compreender sem julgar? Ou por qualquer outra razão?

Claro que depois me penitencio por não conseguir desdobrar-me em mil para ter tempo para acompanhar todas as pessoas que me procuram. Tenho a minha vida, as minhas ocupações, e é impossível ter tempo para conviver, mesmo que por mail, com todos quantos têm mostrado confiar em mim como guardiã de segredos, angústias, maravilhas, sucessos, preocupações, mágoas. Faço o melhor que posso mas sei que, para muitos, isso não é suficiente. Espero que compreendam.

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Talvez por tudo isto gosto imenso de ver estes vídeos em que alguém aborda e filma estranhos e estes, sem hesitação, falam da sua vida, dos seus assuntos mais pessoais.

Jana: The Shy, Beautiful Girl in The Park


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Um dia feliz

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