Várias ideias me ocorrem mas vou rejeitando umas por exigirem um espaço e uma ponderação diferentes deste canto em que escrevo e outras por temer não encontrar as palavras justas.
Vou antes falar das perplexidades que têm ocupado o meu pensamento nestes meus últimos dias. É certo e é devido que todos tenham direito a votar e que o voto de um marginal ou de um ignorante valha tanto quanto o de um trabalhador esforçado ou de um catedrático. Um voto é um voto e todos os votos são iguais. É um dado adquirido e penso que assim deve ser.
O que me custa é que não se perceba que é muito provável que os ignorantes, em especial os que nem têm consciência de quão ignorantes são ou os que gostam de viver nas margens da sociedade, tudo farão para se vingar dos outros, dos integrados, dos que estudam, dos que sabem.
Se há coisa que sei, até pela minha formação, é que só se podem fazer generalizações quando a amostra é significativa.
Para conhecer a opinião dos portugueses sobre dado assunto, não precisamos de ouvi-los a todos. Podemos apenas ouvir uns quantos. Mas temos que ouvir os que representem fielmente a população. Por exemplo, se x% são homem e y% são mulheres, tenho que ter essa percentagem representada na amostra. Se uns tantos são analfabetos, uns quantos têm o 9º, outros o 12º, uns a licenciatura e outros o doutoramento, é bom que a amostra também os contemple em idêntica percentagem. E se x% têm até 18 anos, y% estão entre os 18 e os 25, etc, etc, etc....(e por aí fora). Saber montar uma amostra significativa é uma tarefa exigente e requer que se saibam identificar os factores que influem na votação. Por exemplo: se os desempregados votam de uma maneira diferente dos que trabalham, então a amostra deve inclui-los na devida proporção. Ou, relevantíssimo pelo seu peso, os reformados/pensionistas que também devem estar presentes na proporção certa.
E agora vou dizer uma coisa que pode ser polémica e que, para eu poder fazer finca-pé, teria que validar. Ou seja, afirmo-o agora por mera intuição: creio que a população que se informa sobretudo via redes sociais deve ter um comportamento diferente da que vê televisão, lê jornais ou lê vários livros por ano. Seria interessante que este factor diferenciador fosse testado em estudos de opinião e, se se verificasse a diferenciação, que esse aspecto passasse a estar presente nas amostragens.
Ou seja, constituindo uma amostra significativa, se ouvir o que pensam, poderei generalizar ao todo, embora haja sempre uma certa margem de erro (que desejavelmente será bastante baixa).
Portanto, eu arrepiar-me com os disparates que ouço no balneário ou mesmo com alguns dislates que ouço a amigos, uns porque são mais conservadores, outros porque não pensam e se limitam a ser maria-vai-com-as-outras, não significa que isso seja amostra do que vai pelo país. Sei disso.
Mas, apesar de não poder generalizar, não posso ignorar. Não posso fazer uma estatística e atribuir probabilidades mas posso acreditar que o que ouço são indicadores.
E o que ouço são coisas descabeladas, sem pés na cabeça, fruto da mais profunda ignorância. Votam convictamente por assumirem como verdadeiros pressupostos que são disparates sem ponta por onde se pegue, fruto da mais profunda iliteracia económica ou social ou de ausência completa de estudo ou de raciocínio. Repetem mentiras já mil vezes desmascaradas, afirmam anormalidades que não são verdade nem aqui nem em parte nenhuma do mundo. Mas acham que, ao votarem no Chega, estão a fazer justiça. Uma dizia, ufana: 'Depois ainda não querem que a gente diga as verdades? Quem é que julgam que são para nos quererem impedir de dizer as verdades?'. E várias outras sorriam e acenavam que sim, que claro que sim, que a elas ninguém as calava. E eu pensava: 'Mas estão a falar de quê? De quem? Elegeram quem? Estão convencidas de quê?'
Passei no outro dia por um sítio em que ganhou o Chega e, olhando para aqueles prédios, pensei: 'Andares e andares de gente inculta, desinformada, ressabiada, ignorante. Vão votar sem perceberem que estão a dar tiros nos pés'.
A democracia contém todas as permissões para que, quem queira, a devore, a detone, a faça implodir.
Não acredito que seja benéfico nem quero que se restrinjam liberdades. Longe de mim.
Mas alguma aprendizagem estes ignorantes deveriam ter. Não sei como. Seria bom, num mundo ideal, utópico, certamente meio maluco, que, para se votar, as pessoas tivessem que estudar e passar num teste em que mostrassem saber o bê-a-bá do que é a sociedade, de como funcionam as instituições, de quais são as bases da Constituição, de quais são os riscos das sociedades anti-democráticas em que a liberdade individual não é respeitada, do que é a Economia e as Finanças, do que é a Justiça. E quem chumbasse, qual exame de Código, não poderia ir votar. Tão simples quanto isto.
Se calhar, está na altura de se pensar outra vez no Serviço Cívico ou nas Campanhas de Alfabetização. Engendre-se uma coisa adaptada aos tempos actuais, quiçá via redes sociais. Não sei.
Uma coisa é certa: alguma coisa deve ser feita. Senão, um dia destes estamos a ser governados por porcos que lá porque andam em duas patas e se vestem com calça e casaco já se julgam tão ou mais preparados que os humanos.
Haverá, entre quem me lê, quem ache que, dizendo isto, estou a revelar um elitismo descabido. Seja. Mas pense-se na qualidade dos primeiros deputados que pisaram a Assembleia da República a seguir ao 25 de Abril e compare-se com parte significativa dos que vão pisá-la dentro de dias. Uma diferença abissal. É como querer comparar o Género Humano com o Manuel Germano. Vamos continuar a aceitar que a democracia vá caminhando por esta rampa descendente que não se sabe onde vai levar (mas a bom sítio não é)?
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E parece que vem aí, outra vez, a chuva. E ainda bem. Faz falta sempre a agora, em particular, para lavar o ar que anda carregado de poeiras.
Que entre, pois, o genial Jacob Collier (que, aqui, vem acompanhado por: Madison Cunningham & Chris Thile).
5 comentários:
Adepta da Revolução Cultural? Consta que o Mao Tze-Tung também era e os resultados não foram famosos.
Pensar que se deve fazer tudo o que pudermos para elevar o nível médio não é uma ideia elitista. Paradoxalmente (na aparência apenas), elitismo é defender na praça pública que tudo e todos se equivalem enquanto, naturalmente, se guardam para si e para a sua classe os conhecimentos, a cultura mais elevada e se vive na expectativa de ficar "na sombra" a manobrar as massas (o sabonete do Emídio Rangel veio-me ao espírito, mas já era assim entre os Romanos). Em todo o caso, não sabemos se, vista no tempo longo, a democracia moderna terá sido mais do que um epifenómeno. Espero que não, mas não posso saber. Os historiadores futuros sabê-lo-ão.
Parece-me que a UJM está certa quanto ao diagnóstico. Quanto às soluções, não sei, se bem que essa do Serviço Cívico talvez tenha pernas para andar.
Recentemente, num comentário televisivo, penso que de António José Telo, falava-se do regresso da necessidade do serviço militar obrigatório. Dizia-se que mesmo que a parte militar acabasse por não se mostrar necessária, havia sempre a vantagem de ter gente preparada para um serviço cívico de que viéssemos a necessitar.
E toda esta aprendizagem, parece-me, também acabaria com a “grunhice” assimilada das redes sociais.
Obrigatório pensar, raciocinar. Obviamente sem lugar para chefes partidários sabichões, a transbordar sabedoria e arrogância.
Também podíamos voltar ao voto com base nos rendimentos, assim à século XIX. À época, se não erro, eram cem mil réis ao ano. Bom, hoje podíamos exigir três mil euros/mês líquidos para se poder votar e, digamos, cinco mil euros para se poder ser eleito.
Ah, já agora, para que haja sossego no lar, só homem é que deve votar. Elas que aproveitem o tempo para cozinhar que já nem isso sabem fazer. Nem queira saber as dificuldades que eu passo com botões e punhos de camisa.
E depois de todas essas indagações, porque não, um Bolero, com a excelência e mestria de Celibidache nas suas expressões...
https://www.youtube.com/watch?v=gy5Ve3338-E
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