Esta sexta-feira tive mais um daqueles dias.
Se não morrermos cedo, um dia damos por nós e estamos velhos. E não sei se é um processo progressivo em que vamos admitindo que, aos poucos, o nosso corpo vai ficando mais débil, ou se vamos indo, na boa, e, quando damos por ela, não queremos aceitar, julgamos que é maleita que deve ser tratada, imediatamente tratada, tratada com rigor, com ciência.
E, se for este o caso, como, por mais que nos tratemos, nos examinemos, nos aconselhemos, não sentimos que voltámos a ficar como éramos quando tínhamos menos vinte ou trinta anos, entramos num ciclo de ansiedade, medo, preocupação exacerbada. E queremos mais médicos, mais exames, mais cuidados.
Se calhar uns são assim, outros são de outra maneira.
Tenho uma amiga cuja mãe está perto dos cem e, segundo ela, a mãe, apesar das muitas limitações, nunca se queixa, mostra-se sempre agradecida e bem disposta.
Não sei como será comigo. Nem sei se chegarei lá. Mas, se chegar, do que me conheço, o que desejo é estar ocupada e animada, agradecendo todos os dias as flores, os frutos, as palavras, a luz, os sorrisos. E, se me vir limitada (como, por exemplo, o meu pai tão radicalmente se viu), recolher-me ao meu interior, às minhas memórias, viver apaziguada e não revoltada.
Mas não sabemos, de facto.
Acontece que, portanto, o meu dia foi outra vez assim.
Os meus amigos, no grupo, questionaram o que era feito de mim que não dava ar de minha graça. Pois. Não é fácil ter tempo para o que tem que ser e, depois, ter disposição para o resto.
Ao fim do dia, a televisão a mostrar o impensável. Não há explicação nem perdão para quem faz tanto mal aos outros. Mas uns fazem porque os outros começaram e os outros fazem porque não podem admitir e têm que vingar e os outros fazem porque os outros também fazem. E, no fim, agora, o ponto em que estamos, o mal anda à solta porque tem que ser.
E, quando o mal parece obrigatório e incontornável, onde podemos encontrar o espaço para a bondade, para o afecto, para a humanidade?
Em lado nenhum...?
Claro que é o que o Corvo diz num comentário abaixo. Nós, na nossa cultura, agarramo-nos, com unhas e dentes, à vida. Mas há aqueles para quem a vida vale zero e bom é morrer a lutar pela fé. Não há convergência possível.
Nem faz sentido, perante isto, tentar perceber quem são os bons e quem são os maus porque haverá sempre quem venha com uma adversativa diabólica justificar que o sangue e o horror são devidos porque antes houve quem também o fizesse.
Mas há uma coisa que talvez possamos convencionar: não faz sentido o fanatismo religioso, não faz sentido considerar as mulheres como um animal de segunda, não faz sentido a pena de morte ou a tortura. Etc. Coisas assim. Talvez a gente possa, em casos limites, quando não há consenso sobre quem começou ou quem são os maus e os bons da fita, dizer que regimes assentes em conceitos maus a gente não quer. E pôr aí a linha vermelha.
Mas a verdade é que, no meio de consecutivos bombardeamentos, de tantas e tantas casas destruídas, de tantos mortos, de tanto terror, de tantas ameaças, do pavor pelo que ainda está por vir, do pó que tudo cobre de ruína e dor, não há espaço para pensar em nada.
Nunca pensei chegar a esta fase da minha vida, em pleno 2023, e viver num mundo tão perigoso, tão insano, tão desumano. Nunca pensei que o mundo em que os meus filhos e netos iriam viver seria este lugar tão cheio de maldade e falta de esperança.
Por mais que puxe pelo meu optimismo, não estou a conseguir ver uma saída feliz para a tragédia que se abateu sobre tantos países, sobre tantos milhões de pessoas.
Que tristeza.
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Estava a querer acabar isto com um toque de bom ânimo mas não vejo como. O melhor que consigo é ir buscar a Chuva, até porque o dia esteve sombrio e, ao anoitecer, choveu que se fartou.
3 comentários:
Obrigada pela partilha desta reflexão.
Concordo inteiramente.
💜💙💚💛🧡❤️🖤🤎
Mena
maiordesessenta
UJM
Valha-nos esta musica no meio de tanta desumanidade que nos entra casa dentro.
https://www.youtube.com/watch?v=71Gt46aX9Z4
Já agora,
https://www.youtube.com/watch?v=wTgWX_62paE
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