terça-feira, novembro 29, 2022

Quando as casas nos escolhem

 



Uma coisa extraordinária nesta casa é que todos os móveis, candeeiros, quadros, espelhos, tapetes -- tudo o que estava na outra casa -- chegaram aqui e, como que por magia, encontraram o seu sítio. Aliás, parece que ainda estão melhor aqui do que estavam na outra casa. Quase parecem feitos ou escolhidos por medida. 

Se há uma parede em que, entre o interruptor e um ressalto, mede um metro e sete centímetros, agora acolhe uma estante com portinhas de vidro feita à medida para o hall do piso de cima da outra casa e que tem de comprimento um metro e três centímetros. Não podia estar mais ajustada, mais perfeitamente inserida. 

O pequeno móvel de madeira, uma pequena estante também com portinhas de vidro, em cima do qual está a televisão cabe, na justa medida, entre o aquecedor de parede e um outro ressalto na parede. 

A pequena cómoda de barriga, em pau santo, com tampo de mármore, em tempos comprada para um outro fim, está agora aqui ao lado deste sofá, lindinha, movelzinho de apoio, com gavetinhas onde guardo as coisas de costura, velas e outras coisinhas.

E estou apenas a olhar à minha volta. Mas isto acontece em toda a casa.

Esta casa tem vários recantos, é recortada como sempre gostei de casas, permitindo criar, dentro de si, para cada zona, lugarzinhos com identidade própria. E, apesar desta topografia irregular, tudo encontrou aqui o seu lugar certo, quase como se estivessem destinados a esta casa. É difícil explicar isto mas é verdade. 

O meu louceiro alto, comprado há muitos anos na Conceição Vaz Costa, ainda ela estava na Rua da Escola Politécnica, cabe milimetricamente na parede do recanto da sala de jantar. E o louceiro baixo, comprido, que tinha sido comprado à medida da outra sala de jantar, chegou aqui e ajustou-se entre duas janelas, devidamente descontado o espaço para os cortinados. Mas isto aconteceu com tudo. Como peças de um puzzle, tudo se foi encaixando.

Na altura, na fase de andarmos a ver casas, quando viemos vê-la, estava ainda mobilada. E a decoração, embora um pouco mais pesada do que a que normalmente me agrada, foi-me simpática. Deixava espaço livre, tinha cor, aproveitava a luz.

Quando decidimos comprá-la, andávamos nós numa azáfama com as mudanças, um verdadeiro pesadelo. Não acabava. Deitámos muita coisa fora, demos muita coisa, em especial roupa, mas tivemos que preparar infinitos sacos e caixotes. Nessa altura, estava sem tempo e pedi à minha filha que descarregasse as fotografias do site da agência antes que a casa, por ter sido comprada, saísse do ar. Receava que não soubesse bem como usar os meus móveis para aproveitá-los ao máximo e ver se não tinha que comprar muita coisa, e, para isso, julgava eu, talvez me ajudasse ver como os antigos proprietários tinham aproveitado os espaços.

Não foi preciso. Nem mais me lembrei disso.

Mas hoje lembrei-me de ver essas fotos. Lembro-me de, ao ver a casa ao vivo, ter pensado que, tendo a casa uma arquitectura tão peculiar requerendo uma decoração tão 'à medida', iria ter alguma dificuldade em aproveitar as minhas coisas. E, no entanto, agora, comparando-as, parece-me que as minhas coisas nasceram aqui. 

E penso muitas vezes que, se eu tivesse querido conceber uma casa para mim, não sairia tão bem como esta. É como se esta casa tivesse sido feita para mim. É como se, tal como aconteceu in heaven, a casa tivesse esperado por mim, me tivesse escolhido.

Hoje, ao fim da tarde, deu-me uma daquelas minhas vontades de mudança: mudar as coisas de sítio, fazer rearrumações, redecorar. No entanto, parece-me tudo tão exactamente bem colocado que não vejo nada em que mexer. Nem os quadros. Nem os bibelots que a minha filha escolheu de entre os existentes e colocou de uma maneira tão cirúrgica que não dá para mexer.

Percorri a casa, divisão por divisão, feliz por este milagre. Está aqui tudo e está tudo tão harmonioso, tão aconchegante, leve e alegre que não quero alterar nada. Se mexer, estrago.

(Só não sei como vou conformar-me por não ter como andar com as coisas às voltas...)

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Mas deixem que vos mostre duas casas muito bonitas -- uma na cidade, outra no campo -- em que a arquitectura e a decoração e o espaço envolvente e a luz se conjugam de forma harmoniosa e feliz. Foram ambas adaptadas de forma muito orgânica pela arquitecta e dona, Barbara Weiss.

Architect Barbara Weiss Takes Us On A Tour Of Her Upside-Down House, A Converted Pub In Westminster

Designing a home in central London comes with its fair share of challenges and considerations. See how architect Barbara Weiss has ingenuously overcome them, forging private spaces, a rooftop garden and soaring open plan living from an old pub.


Architect Barbara Weiss Invites Us To Her Inside-Out House, A Transformed Cottage In Wiltshire


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Pintura de Van Gog e peças em vidro de Murano na companhia de Jakub Józef Orliński que interpreta Sento In Seno de Vivaldi enquanto Kwinten Guilliams dança
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Um bom dia
Saúde. Harmonia. Paz.

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