Alguma preguiça em cima de mim. Estava na dúvida em fazer ossobuco ou choquinhos com tinta para o almoço. Mas havia ainda tantos leftovers que disseram: come-se o que houver, não é preciso fazer nada. E francamente foi o que eu queria ouvir. Apetecia-me uma refeição mais ligeira, nomeadamente a nível da confecção.
Então, improvisei. Fiz assim:
Numa taça grande coloquei o resto do arroz (basmati) e o frango assado desfiado (ambas as coisas sobras do almoço de sábado). Depois cortei três maçãs de alcobaça aos cubinhos pequeninos, três tomates grandes maduros também aos cubinhos (e ao cortá-los o suco ia escorrendo), depois cortei às tirinhas finas o conteúdo de um pacote de salada exótica (rebentos disto e daquilo), piquei finamente um bom molhinho de coentros, temperei com orégãos e azeites. Envolvi tudo bem. Por cima. coloquei um queijo fresco de cabra cortados aos bocados, três ovos cozidos picados e vários figos às rodelas. Voltei a temperar com um fio de azeite.
E estava saborosa, uma salada fria da qual não sobrou nada. A seguir comeu-se melão e alguns mais gulosos também uma sobremesa doce.
Vale um passeio de propósito a Almada para escolher uns bons livros e estar à conversa com a Rosa Alface, livreira de gema e de uma simpatia inexcedível. E dali poderão partir para o Parque da Paz para lerem um livro à beira do lago ou para a Casa da Cerca ou, claro, para um passeio a pé até ao rio com derivação para o querido Ginjal de onde se tem a melhor vista sobre Lisboa.
Li o Sonechka de seguida, agradada. Não há rodriguinhos, histórias mirabolantes, reviravoltas inesperadas. Há simplesmente boa escrita, uma história com personagens credíveis e cujo desenrolar de vida gostei de acompanhar. Não conhecia Ludmila Ulitskaya mas uma coisa é certa: vai estar sob o meu radar.
Depois, como me apeteceu continuar de enfiada, peguei na A Praia de Cesar Pavese.
Estava calor mas não tão abrasador quanto no sábado. Penso que já o disse: até os arbustos do campo mostram as folhas enroladas e alguns parecem estar a querer secar. Uma coisa meio assustadora. A terra está seca, seca.
Claro que andei de cabeça no ar a ver se o descobria mas nem pouco mais ou menos. Os cedros são frondosos, impossível descortinar qualquer coisa cá de baixo e do lado de fora.
Para o jantar, resolvemos ir a uma das cidades mais próximas petiscar numa esplanada agradável onde se come bem. Para evitar os stresses do urso felpudo que é territorial e possessivo até em relação ao espaço da mesa à volta da qual nos sentamos, ficou em casa.
Não quisemos deixá-lo na rua não fosse meter-se em algum sarilho, enfiar-se nalguma gruta, cair da barreira, sabe-se lá, ou arranjar maneira de se escapulir para a estrada. Não é como a nossa querida cãzina que era tranquila, obediente, bem comportada. Este é temperamental, atrevido, teimoso.
Fomos cedo, por volta das sete. Dissemos-lhe o que sempre lhe dizemos: 'Fica a tomar conta da casa, está bem? Os donos já vêm'. Mas a dinâmica de saída desestabilizou-o porque não eram só os donos, era muita gente a entrar e sair, a entrar e sair. Depois de finalmente estar toda a gente cá fora e ele metido à traição dentro de casa, o meu marido viu que se tinha esquecido do álcool gel (coisa a que se afeiçoou) e um dos meninos também resolveu que queria ir beber água. Passado um minuto saíram de novo e, supostamente, o cão de guarda ficou dentro de casa. Eu, pelo menos não o vi sair.
Depois de jantar, não viemos logo, fomos ainda dar um passeio até ao parque onde havia música e bailarico.
Quando regressámos, não sei que horas seriam, talvez umas dez ou dez e tal, não sei, esperávamos vê-lo logo ao pé da porta. Mal ouve o portão ou o carro ou mexer na porta, vem sempre sentar-se à porta à nossa espera. Desta vez não. Nada dele.
Chamámos. Nada. Na volta tinha caído num sono profundo e não nos tinha ouvido chamar. Chamámos alto. Nada. Fomos acendendo luz após luz, chamando, espreitando. Nem na cozinha, nem na despensa, sala de jantar, nem na sala da lareira, nem na sala de baixo, nem na da televisão, nem no meu quarto, nem nas casas de banho. Nada.
Todos já assustados, a chamar por ele, preocupados com o que estaria a passar-se, temendo que algo de grave se tivesse passado.
Perguntei: 'Vocês viram-no de certeza, quando voltaram a casa?'. Sim, tinham-no visto, tinha ficado na cozinha. E eu, de facto, não o tinha visto sair.
Avançámos, então, para a parte antiga da casa onde, de novo, temos tido pernoitantes. A porta estava fechada. Estranho. Não é costume aquela porta estar fechada durante o dia. Chamámos. Nada.
Acendeu-se a luz. E lá estava ele, ao cima as escadas, encolhido, orelhas murchíssimas, imóvel, ar assustado. Não sabemos o que lhe aconteceu, como fechou a porta. E, claro, se a fechou, já não a conseguiu abrir que a porta é um pesadelo, enorme, de madeira maciça. Ali às escuras, no topo de umas escadas, sem acesso à zona da casa onde estão as portas da rua, e isto já para não dizer que também sem acesso à comida e à água, imagino como se sentiu infeliz.
Depois, quando subimos as escadas e fomos ter com ele, foi uma festa, todo agarrado a nós, o rabinho a dar a dar, só a pôr-se de pé para nos dar abracinhos e beijinhos, uma alegria. Parecia que ria a olhar para nós, todo contente. Respirámos de alívio e toda a gente lhe fez mil festinhas. A seguir, bebeu água como se não houvesse amanhã e comeu que se fartou. Pudera, tiraram-lhe um peso de cima, afinal, coitado do pobre infeliz, não tinha sido abandonado... Cãozinho mais fofo.
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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.
Saúde. Boas ondas. Boas vibes. Paz
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