Virá o dia, talvez não muito longínquo, em que os russos, em geral, vão revoltar-se contra o que está a acontecer na Ucrânia. Quando as avós, as mães, as mulheres, as namoradas e as irmãs começarem a perceber que os seus bem amados jovens que foram para uma "operação especial" na fronteira e de quem nada sabem afinal não vão voltar, nem vivos e, se calhar, nem mortos, quando souberem que há dezenas de milhares de rapazes russos mortos nas morgues da Ucrânia que a Rússia não reclama, quando for público que, quando tinham tempo, oz próprioz colegaz de armaz queimavam os que tinham morrido ou os escondiam em valas comuns, a revolta vai ser incontrolável. In-con-tro-lá-vel.
Que ninguém subestime a ansiedade de uma mãe que não sabe do seu filho e a sua raiva quando suspeita que alguém o tratou mal. Todas as mães viram lobas, todas as mães lutam seja contra quem for pelos seus filhos. No receio e na raiva de que a vida dos seus filhos tenha sido ceifada, qualquer mãe arrisca tudo -- porque nada mais tem a perder.
Se agora os que se manifestam são presos -- e desde a invasão mais de 15.000 russos já foram presos --, depois será impossível reprimir a revolta popular e prender todos quantos se insurjam. As ruas encher-se-ão de gente que chorará, gritará, exigirá a verdade -- e os corpos dos seus filhos. As mulheres russas não perdoarão o que Putin fez aos seus meninos. Mesmo os meninos que sobrevivem, virão transformados, loucos de arrependimento pelos roubos, pelas violações, pelas torturas, pelas mortes que cometeram. Virão loucos de raiva pelo que foram obrigados a fazer. E as suas mães, as suas mulheres, não encontrarão desculpa para o que Putin obrigou os seus meninos a fazer.
Além disso, a contestação pública começa a ganhar novos contornos: na televisão estatal um comentador militar já teve coragem para assinalar o fracasso da dita "operação" bem como a rejeição mundial generalizada.
Os russos vão acordar. Vão perceber que afinal andaram a ser manipulados, enganados, vão perceber que estão mais pobres, mais isolados e que os seus familiares, involuntariamente, causaram crimes imperdoáveis contra um país que não tinha feito mal a ninguém.
Não vão perdoar.
Cercado, humilhado, derrotado em toda a linha, não haverá, então, quem defenda Putin.
Apenas aqui, na ponta da Europa, encostados ao Atlântico, uns quantos sobreviventes do comunismo lusitano continuarão a defendê-lo. Talvez não mais que uma dezena. Talvez ainda mais uns quantos, que se contarão pelos dedos da mão, de pessoas baralhadas, daquelas que, desnorteadas por teorias da conspiração e filosofias descontextualizadas, nunca sabem bem como interpretar o que se passa à sua volta.
Não sei como vai acabar Putin mas a sua história não terá um final feliz.
Entretanto, mais de oito milhões de pessoas foram desalojadas, muitas das quais fugindo do país, muitas das quais perderam empregos, casas, familiares. Pessoas mortas não têm ainda um número. Vão-se descobrindo. Gente que ficará traumatizada para o resto da vida é algo que talvez nunca se consiga contabilizar.
Gente que viu morrer outros, alguns viram morrer os pais, os filhos, as mães, os irmãos. E gente que viveu com familiares mortos ao seu lado. Dores que não se esquecem nem se perdoam.
E agora mais uma história: um de três irmãos sobreviveu depois de ter sido enterrado vivo. Os irmãos não sobreviveram.
E isto porquê? Porque Putin e a seita que o acoberta têm como ambição reconquistar os países que antes pertenceram à União Soviética, porque Putin e os seus só conhecem a força bruta, porque Putin e os seus ignoram a sua condição humana e a condição humana daqueles a quem destroem.
Entretanto, um dia ainda viremos a saber o que vai acontecer aos militares que saíram de Mariupol depois de heroicamente terem tentado defender a cidade das mãos dos russos.
Há quem pense que deveríamos todos ter achado muito bem que os russos os tivessem tentado matar à fome e à sede, destruindo, en passant, completamente um dos grandes complexos siderúrgicos da Ucrânia. Eu não penso. Há quem pense que são, todos eles, nazis. Eu não penso.
E acho que, independentemente de tudo, são heróis e comovo-me quando penso no que sofreram, tanto, tanto, e na sua inacreditável coragem.
É hoje claro e documentado que se alguns dos militares de Azov são da extrema direita há muitos que são apenas tropa de elite, militares de eleição, certamente muitos daqueles que gostam de lutar até ao fim, gente com alma de comando ou fuzileiro (conheço alguns, daqueles que falam com saudade de quando andavam a rastejar na lama, às escuras, daqueles que passavam fome e sede e não se queixavam, daqueles que achavam, e acham, que se a missão era defender um pedaço de terra ou levar até porto seguro os 'seus homens', era isso que fariam até ao último pingo de sangue).
Estes, nos subterrâneos da fábrica, defenderam os milhares de civis que lá se abrigaram, defenderam os camaradas que caíram feridos, defenderam aquele pedaço de terra, defenderam os corpos dos que morreram e lá ficaram. Defenderam o que puderam até que, humanamente, não conseguiram mais.
E quero aqui dizer uma coisa. Se o meu país estivesse a ser atacado, destruído, se a população do meu país estivesse a ser dizimada, se os russos atirassem mísseis e uma verdadeira chuva de munições sobre o meu país, se os russos quisessem anexar o meu país, se eu fosse corajosa como gostaria de ser eu aceitaria ajuda de quem nos quisesse ajudar a defender a nossa independência e a nossa liberdade, mesmo que fossem de extrema direita. Depois de expulso o agressor, eu e os de extrema direita ou de extrema esquerda ou quem quer que tivesse sobrevivido logo nos entenderíamos.
Contudo, há que ter em atenção que nas últimas eleições na Ucrânia, a extrema-direita ficou-se pelos 2% (quanto teve o Chega...? Tomáramos nós que tivesse tido apenas 2%).
Transcrevo do Guardian:
Vladimir Putin is himself a fascist autocrat, one who imprisons democratic opposition leaders and critics. He is the acknowledged leader of the global far right, which looks increasingly like a global fascist movement.
Ukraine does have a far-right movement, and its armed defenders include the Azov battalion, a far-right nationalist militia group. But no democratic country is free of far-right nationalist groups, including the United States. In the 2019 election, the Ukrainian far right was humiliated, receiving only 2% of the vote. This is far less support than far-right parties receive across western Europe, including inarguably democratic countries such as France and Germany.
Ukraine is a democratic country, whose popular president was elected, in a free and fair election, with over 70% of the vote. That president, Volodymyr Zelenskiy, is Jewish, and comes from a family partially wiped out in the Nazi Holocaust.
6 comentários:
UJM, depois de ler este seu grito de solidariedade e dor, com e em prol do povo ucraniano e de todas as Mães, ucranianas e russas, é com lágrimas nos olhos que lhe digo: a UJM tem colocado o seu dom de se expressar através da escrita, num acto de grande valor e coragem. É, sem sombra de dúvida, uma Mulher Corajosa. Tão corajosa quanto o são Todas as Mães que amam os seus filhos. Independentemente da sua nacionalidade.
Continue! Não se importe com as vozes pouco abonatórias que lhe possam chegar de renegados cegos e degenerados, eu, como tantos outros que a lêem, estamos consigo!
VIVA A UCRÂNIA!!
VIVA A FORÇA DAS MULHERES!!!
:)
Totalmente de acordo! Não preciso dizer mais nada! Admiro--a, gosto muito de ler as suas análises, sei que é altruísta e vê o lado certo do mundo.
Muito me angustia esta guerra e a situação difícil destes heróis de Azovstal. Tão novinhas as suas esposas, é esta situação que me está a tirar o sono, nestes dias... Maria
Ainda nos lembramos das mães dos tripulantes do submarino KURSK, nomeadamente a que foi barbaramente sedada enquanto protestava (em directo na TV) "Quanto tempo ainda teremos de esperar?", "O senhor tem filhos?”, "Arranque as suas medalhas!" …
(pena não ter encontrado o vídeo)
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2508200001.htm
Olá Janita,
Viramos lobas quando sentimos as nossas crias ameaçadas ou em perigo, não é?
E nem consigo imaginar a inquietação das mães cujos filhos vão para a guerra e que, às tantas, deixam de saber deles. Deve ser uma angústia imensa. Uma mãe que não saiba o que se passa com os seus filhos fica capaz de revirar o mundo.
Isto que está a passar revolve-me as entranhas. Consigo também acontece isto, não é?
Um abraço, Janita!
Olá Maria,
É verdade. E, ao vê-los a sair, vi também raparigas, gente jovem. Uns resistentes. Imagino o que passaram, imagino o que vai esperá-los, imagino a aflição das famílias.
Tudo isto me angustia.
Tudo isto para quê, não é?
Obrigada, Maria.
Um abraço.
Sim, pois é, a sonegação da informação, o silêncio sinistro, a forma violenta e intimidatória que usam contra se manifesta. Uma tirania brutal, assustadora. Como poderiam os ucranianos aceitar ser anexados pelos russos.
Muito obrigada por ter recordado este episódio.
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