sábado, dezembro 18, 2021

Saltos altos, Chanel Nº5 e as animadas ruas de Lisboa -- até me pareceram the good old times

 



Estive a dormir até há pouco. Um sono profundo. Já passa da uma da manhã e só agora acordei o suficiente para escrever qualquer coisa. Pedrada de sono. Depois de jantar, sentei-me aqui e apaguei.

Tive que me levantar muito cedo. A noite anterior tinha sido quase em branco e esta sexta-feira voltei a não ter tempo para dormir o suficiente. 

Ainda por cima, de véspera não tinha pensado na roupa, como dantes fazia. Levantei-me, estremunhada e sem ideia do que iria vestir.

Penteei-me e o cabelo estava solto e desordeiro demais. Pensei em prendê-lo em cima ou dos lados. Mas depois, pensando melhor, concluí que era assim mesmo que ia, na base da despenteação. 

Claro que, quando assim é, o resto não pode ficar atrás.

Ou seja, instantaneamente pensei que era dia de me montar em saltos altos. 

Fui à sapateira e hesitei entre uns de salto razoável e uns bem altos. Nestas coisas funciono na base da irracionalidade. Nem tento encontrar explicação. Experimentei e confirmei que era mesmo nas alturas que queria sentir-me. Depois, se os sapatos eram pretos, as calças teriam que ser pretas. Corte direito, levemente afunilado. Fiquei contente por ver que caibo tão bem nelas quanto antes de termos ingressado na era do novo normal. A seguir, pensei que aquele casaco meio comprido em verde-dourado ficaria a condizer com o meu estado de espírito. Matei o puzzle com blusa fina da mesma cor com umas leves flores abstractas em branco e uns quase inexistentes laivos de azul claro. 

Depois de assim vestida, procurei o colar. Um comprido com pérolas pequenas com umas quantas pedras em água-marinha. Pareceu-me que era o match perfeito.

Procurei uns brincos. Pequenas borboletas em verde, dourado e azul claro, com pedrinha de brilhante para os indispensáveis pontinhos de luz.

Já estava atrasada, não descobri a aliança. Levei um simples anel com uma água marinha.

Tive pena de ter que usar máscara pois a ocasião pedia uns lábios a rigor. Mas isto não vale a pena a gente querer o que não tem. Portanto, os lábios saíram da equação. Os olhos já estavam com o smoky grey. Nem máscara nas pestanas eu uso. Simples que te quero simples.

Para finalizar, fui ao closet e abri a porta da estante em que imperam os sentidos. Perfumes. Não hesitei. Número 5, como é óbvio. 

Mal me perfumei senti l'allure of the good old times. Não há outro perfume que pouse em mim desta forma íntima, alada, subtil.

Como tem acontecido noutras vezes, voltei a usar o parque público. Não apenas me permite caminhar a pé nas ruas da belle Lisbonne como, no edifício, consigo passar incógnita, sem que saibam que lá estou. Só aqueles com que me cruzo me detectam. Os outros, quando descobrem que lá estive, já lá não estou.

Comme d'habitude fui para o último piso, para uma das salinhas secretas. Das melhores vistas da cidade, do rio. 

A conversa durou até à hora de almoço e foi boa. Conversa muito franca, por vezes muito pessoal. As nossas fragilidades, as nossas inseguranças. A nossa alegria, apesar de tudo. Os próximos meses combinados, a estratégia montada. Dúvidas partilhadas num registo de confiança mútua.

Voltei à rua, voltei a caminhar de saltos bem altos nas frequentadas ruas de Lisboa. As esplanadas cheias, muita gente. Muita gente de máscara, muitas sem máscara. Se não fosse esse apontamento, dir-se-ia que tudo está normal. 

De tarde tive reuniões em que estive como se não estivesse delineada uma estratégia de que ninguém pode sequer desconfiar. Aprendi a viver num registo de duplicidade em que tenho que me dividir em caminhos paralelos de forma a que ninguém detete pontos de inconsistência. No final, como por milagre, os caminhos convergirão. Pelo menos, assim o espero. Mas, até lá, serei duas.

E há pouco, quando acordei, lembrei-me que tinha ficado de agendar uma conversa. Com receio de voltar a esquecer-me, agendei-a. Não gosto de enviar convites fora de horas. Mas pior será se me esquecer. Para a primeira semana do ano que vem. E fiquei a pensar que tudo isto é um absurdo. Não dei pela passagem deste ano. Pelo meio ainda tenho que pensar nas ementas da véspera e do dia de Natal, depois as da véspera e do dia de Ano Novo. E, no entanto, como se fosse um arco temporal virtual, ultrapasso essas semanas para marcar reunião para 2022. Absurdo, mil vezes absurdo. Mas é assim a minha vida, cheia de absurdos. Pior: absurdos que encaro com naturalidade.

Agora ao fim do dia, o meu marido montou a árvore de Natal. Como detesto perder tempo com coisas efémeras, esta actividade sempre foi com ele. E está muito bonita. Tem um gosto sóbrio, ele, que me agrada. Jantámos já com as luzinhas da árvore de Natal a piscarem.

[Vamos ver se o urso peludo não se atira a ela. Até ver ainda não e espero que até ao fim o não faça.]

Quando penso em Natal, tal como quando penso em festas de anos ou em almoços e jantares em família, penso numa mesa grande, grande, com toda a gente em volta. Sempre assim foi. A mesa a ter que esticar, as cadeiras e os bancos a terem que se ir aproximando para cabermos todos. Agora, nestas circunstâncias, dividimo-nos por mesas e eu sinto-me meio perdida pois gosto da proximidade e das conversas simultâneas e cruzadas e assim não é exactamente a mesma coisa. Mas, enfim, as coisas são o que são e nem vale a pena chorar sobre leite derramado. Se cá nevasse fazia-se cá ski. Como não neva, não se faz. Ou seja, quando as variantes se devorarem umas às outras já podemos apinhar-nos outra vez à volta das mesas. O que acontece é que, como na minha cabeça me parece que Natal assim não é exactamente Natal, também não me sinto inspirada para preparar repastos como se fosse Natal. 

Mas isto agora também não vem a propósito. Só que também não sei o que é que vem a propósito... Pior: chego ao fim sem saber sobre o que é que estive para aqui a escrever nem que título hei-de dar a isto. 

Portanto, com vossa licença, vou mas é dormir.

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Fotografias de Florian Hetz na companhia de Facesoul com All I Need

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Peço muita desculpa mas não consegui responder aos comentários nem aos mails. Como gostava mesmo de fazê-lo, a ver se este sábado o consigo. Não levem a mal, está bem?

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Desejo-vos um sábado à maneira. 

Tudo a correr pelo melhor.

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