domingo, abril 18, 2021

Beatriz Gosta conta como conheceu Maria Luiza

 

Como é sabido simpatizo imenso com a Marta Bateira, aka Beatriz Gosta. Acho que tem graça, é genuína, tem a língua afiada e o raciocínio rápido. E farta-se de rir o que é coisa boa de ver numa pessoa.

Depois da série da Beatriz Gosta embaraçada em que descrevia a transformação que ia observando no seu corpo à medida que a sua bebé ia medrando no seu ventre eis que começa a série Beatriz Gosta (des)embaraçada, começando com a descrição do parto.

Gosto de ouvir falar de nascimentos e gosto de ver imagens de partos. Tenho pena que os partos dos meus filhos não tenham sido filmados. Gostava mesmo. Foram momentos gloriosos mas eu, lá em cima, torcendo-me de dores, não consegui ver o surgimento deles. Isso, sim, deve ter sido maravilhoso. Um milagre. 

Sem querer anestesias -- e com eles, grandes, subidos, sem descerem -- toda eu me sentia dilacerada. Dores, dores. Transpirava. A cama encharcada com a transpiração. Depois com as águas. Dores, dores. Das duas vezes, um dia inteiro de dores. Depois tirados a ferros. A sangue frio. Tinha pavor que, mais tarde, viesse a descobrir-se que as anestesias prejudicavam a saúde e o desenvolvimento das crianças. E achava que se os bichos, na natureza, têm partos naturais, sem anestesias ou ajudas, também eu haveria de tê-los. E tive-os.

E é como a Marta descreve: depois de horas a temer não resistir à violência das dores eis que, mal as crianças saem, todo o sofrimento se evapora e, como que por artes mágicas, ela -- tal como eu e provavelmente qualquer outra mãe -- fica apenas envolta em felicidade, em tranquilidade.

Estou agora curiosa com o que ela vai dizer do puerpério. Para mim também foi o pior. Ela não levou pontos. Eu, sim. Com aquelas tenazes a entrarem dentro de mim para puxarem as crianças, o médico, para evitar rasgões, cortou. Apesar de tudo, piece of cake quando comparado com o resto. Mas o puerpério com o incómodo vaginal, os pontos a picarem, tudo um bocado dorido, e, pior, com o leite a subir -- que a mim até me deu febre -- isso foi muito mau. Os peitos ficavam túrgidos, depois encaroçados, doíam até mais não. E depois os mamilos feridos. Qualquer deles puxava-os ao mamar, mas puxava-os com toda a força. Com o peito encaroçado, o leite se calhar não saía bem. Eles puxavam e eu torcia-me de dores, o peito doía demais, os mamilos sangravam.

Da primeira vez, fui à pediatra ao fim de poucos dias, antes da altura convencionada, porque já não me aguentava mais e receava que lhe fizesse mal o sangue que certamente ia junto com o leite. E as crianças têm cólicas, gritam, e lembro-me de se torcerem com dores das cólicas enquanto mamavam, ainda maltratando mais o peito. Na primeira vez, tinha vinte e três anos acabados de fazer: tudo era novo, tudo doía, tudo me preocupava com receio de não fazer bem. De lembrar que não havia internet para a gente poder informar-se em tempo real.

Mas, depois, ao fim de umas semanas, tudo se resolvia também: eles mamavam melhor, davam mais vazão ao leite produzido, o peito desencaroçava, os mamilos ganhavam resistência. Não sei se haverá mamilos mais resistentes que outros. Os meus são muito claros, de pele muito fina. Talvez, por isso, sejam mais sensíveis. Tenho sempre a impressão que quem os tem castanhos escuros e muito grandes deve padecer menos. Mas não sei, nunca tirei isso a limpo.

Mas, enfim, tudo passa e eu mal os incómodos passavam, logo os esquecia como se tudo fosse bom. Quando estava grávida do meu filho nem pensava sequer no incómodo que ia ser nem me ocorria que poderia ser tão doloroso quanto o da minha filha. E, tivessem as circunstâncias da minha vida sido outras, por exemplo se tivesse família por perto que me pudesse ajudar, teria tido certamente mais filhos. Trabalhava muito, na altura ainda andava de transportes públicas, Lisboa toda para atravessar, tudo longe e difícil, mal conseguia organizar-me para ir buscar um e outro, para chegar a horas, para não lhes faltar com o tempo, a atenção e dedicação que sempre foram a minha primeira e absoluta prioridade. No mínimo, gostava de ter tido três mas, na realidade, gostava mesmo era de ter tido uns cinco ou seis. Sempre me imaginei a ter uma catrefada de filhos, muitas crianças à minha volta. Se calhar, de cada vez que nascessem, iria ter o mesmo problema, o de não descerem facilmente, se calhar teriam que ser todos tirados a ferros e eu, de certeza, que ia sofrer horrores -- mas iria aguentar firme, logo me esquecendo das dores mal os tivesse em cima de mim, cheios de placenta, sangue e vontade de viver.

E estava a ouvir a Marta e a pensar nisto. Ela fala do que lhe custou mas toda ela irradia. Ela ri enquanto descreve o parto, ela ri enquanto fala das dores. Mas ri, feliz da vida. Já cá tem a sua Maria Luiza e isso é que importa.

Que sejam muito felizes, que a vida de ambas seja repleta de sorte e amor. E que a Marta, aka Beatriz, continue a divertir-nos com os seus relatos cheios de realismo e bom humor.

Um regresso muito aguardado: Beatriz Gosta já não está Embaraçada. Agora, reflete sobre esse festival gore chamado "parto". Se têm estômagos sensíveis e comeram bitoque malpassado, boa sorte. 


2 comentários:

João Lisboa disse...

"E achava que se os bichos, na natureza, têm partos naturais, sem anestesias ou ajudas, também eu haveria de tê-los"

Pois, mas "os bichos, na natureza" não têm o cránio desproporcionadamente grande que o sapiens - para o bem e para o mal - tem. O que só ajuda a demontrar o que dizia o Rui Reininho: "Horrorosa natureza, pseudo-mãe..." https://lishbuna.blogspot.com/2020/04/50-aniversario-do-dia-da-terra-e-ana.html

Santa Epidural vos valha!

João Lisboa disse...

... já agora: https://lishbuna.blogspot.com/2008/01/mother-nature-is-not-our-friend-sam.html

:-)