Tem estado muito frio. Quando fomos caminhar, estava cortante, A temperatura percepcionada era substancialmente inferior à temperatura real. Levei o meu chapéu de feltro, a minha gola polar, o meu casacão fofo e quente que já conheceu muito baixas temperaturas. Não sei quantos anos terá, seguramente mais de uma dúzia de anos. Sempre que há frio a valer, ele sai à cena.
No telejornal da RTP 1, João Gouveia, médico intensivista, exemplar na contenção, falou no que poderão fazer para ampliar a capacidade hospitalar (por exemplo, ocupar os blocos operatórios ou as salas de recobro -- o que obviamente significa que muitas cirurgias não serão feitas durante esse período) mas que, a menos que haja uma quebra acentuada do número diário de novos infectados, o limite pode ser atingido a meio da semana que aí vem, com a necessidade dos médicos terem que escolher quem tem mais probabilidades de sobreviver.
Sobre a situação de dentro de dias os médicos já terem que optar entre quem 'merece' ser auxiliado a viver e qual deve ser deixado à sua sorte é tema que passa ao lado de quem traça a agenda das televisões. Mas quase ninguém já vê televisões: meio mundo se entretém com as netflixes ou com os facebooks, instagrams e tretas desta vida.
Já se sabe que pessoas de Lisboa já estão a ser transportadas para outros hospitais. Também me faz impressão. Bem sei que as pessoas não podem ter visitas mas faz-me muita impressão saber que estão sozinhas e, ainda por cima, longe de casa, longe da família.
Entretanto, ainda não estou completamente bem. Parei com a medicação, já estava no limite do que é possível. Junto ao pescoço e às omoplatas tenho os músculos doridos. E continuo com muito sono. No entanto, durante a tarde não adormeci, estive a ler, a espreitar a televisão, a ver se conseguia dormir. A preguiçar. São dias muito frágeis, sem história.
E hoje estivemos a transplantar a bromelia. Está sob um telheiro. Terá muita luz mas não luz directa e, estando junto a outra, ficará relativamente abrigada. A ver se se dá bem. Fotografei-a depois da operação, antes de varrer, com o chão ainda sujo de terra mas depois de regar, como se vê pela mancha no vaso..
Andei também a pôr umas pinguinhas de água em vasos que estão debaixo do outro telheiro, não apanhando chuva. Se calhar apanham a humidade da noite e talvez isso seja suficiente mas não sei e não quero que fiquem sequiosas. Também andei a apanhar tangerinas, laranjas, um limão para pôr no bacalhau cozido do almoço e uma lima para amanhã fazer um chá. E andei a fotografar. Estas fotografias.
Acredito que com as vacinas e com as temperaturas a subir e, portanto, com mais vida ao ar livre, lá mais para Maio, Junho, as coisas possam retomar alguma normalidade. A menos que surja mais alguma má novidade, penso que é isto, mais uns quatro meses e estaremos de volta a alguma normalidade. A ver é como resistiremos até lá, nós enquanto pessoas e nós enquanto sociedades.
No outro dia ligou-me um amigo. Estivemos à conversa e, às tantas, perguntei-lhe pela mãe. 'Morreu nos últimos dias do ano'. E ficou em silêncio. Eu também. Que coisa. A quantidade de pessoas que conheço a quem, nestes últimos tempos, morreu o pai ou a mãe...
Quero ser optimista, é da minha natureza. Mas tudo isto e o frio e este afastamento é coisa que pesa. O meu filho hoje dizia que poderíamos ir passear para a praia. Pois podíamos, e se nós gostamos de praia. Mas junta-se este meu estado físico, ainda longe da minha forma física habitual. E tanto frio. Imagino o frio que deve estar na praia. Capaz de ainda vir de lá pior, sei lá, parece que não tenho vontade, receio piorar. Estivemos lá na antevéspera do ano novo, os miúdos até andaram em tronco nu, a brincar na água. Estava-se bem. Agora não se deve conseguir estar.
Enfim. Estou para aqui nesta conversa. Não se aproveita nada. Vou andando.
Fernando Pessoa :: A morte é a curva da estrada / Por Natália Luiza
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