domingo, setembro 27, 2020

Assim fala Pepe Mujica. Assim fala Nietzsche. Assim fala Garcia Márquez.

 


Gosto de ver as entrevistas de Pepe Mujica ou os apontamentos de reportagens com ele. Se eu tivesse duas vidas, por um lado via aquilo de que gosto e, por outro, ia informar-me sobre aquilo ou aqueles de que gosto. Por exemplo, iria informar-me sobre o seu desempenho como Presidente do Uruguai para além do lado mais pitoresco ou simbólico ligado ao seu despojamento e vida humilde. Mas o facto de não ter um conhecimento bem informado sobre o papel que a história do Uruguai lhe reservará não me impede de simpatizar com a pessoa. E nem é só a vida simples que leva ou as posições políticas que manteve enquanto desempenhou cargos públicos: é também, e não sei se sobretudo, a forma como fala. Há qualquer coisa de poético nas suas palavras, qualquer coisa que não tem que ver com a linguagem usada na comunicação social, qualquer coisa que não tem a ver com as tricas da actualidade mas com algo de mais profundo.

A vida apressada que levamos, a pressão que algumas exigências sociais (nomeadamente as que se prendem com um consumismo exacerbado) têm vindo a impor, a dedicação exagerada que algumas profissões requerem, tudo isso talvez tenha sofrido uma quebra com a pandemia. Talvez muita gente tenha percebido que isso, às tantas, pode não ser a melhor opção. Ao vermo-nos forçados ao recato, talvez muitos dos que antes eram dependentes de estímulos externos, tenham percebido que a vida é possível mesmo quando vivida com maior vagar, com algum resguardo, entre amigos e, sobretudo, no calor afectuoso da família. 

O que eram as ditaduras dos mercados que, de forma geral e com maior ou menor beneplácito de quase toda a sociedade, têm vindo a sofrer alguns abalos -- e com a dura consequência de muito desemprego em alguns sectores -- talvez percam alguma da sacrossanta protecção de que universalmente usufruíam.

Mas, muito antes da fractura que está a ser imposta pela pandemia, já Pepe Mujica se atinha ao essencial, mostrando estar muito longe das temáticas a que se agarra grande parte da população, no Uruguai e em todo o mundo.

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É neste contexto em que agora vivemos -- hoje sossegada em casa, entretendo-me a tratar da sua arrumação, a pôr a lavar, a estender, apanhar e engomar roupa, a cozinhar, a regar, a dispor estacas de alfazema em vasos e canteiros, neste tranquilo remanso de que, privilegiadamente, posso usufruir -- que me ponho a ler, a ver vídeos. Uma rica vidinha, a minha -- reconheço.

Acabei o Narciso e Goldmund, belo livro, e, de seguida, hesitei entre O Ouriço e a Raposa e o Exercícios de Admiração de Cioran. Mas tudo tem sempre a ver com a nossa disposição e disponibilidade. E hoje não me apeteceu delongar-me nem num nem noutro. Diria que chatos, não condicentes com os tons dourados deste sweet september. Ou talvez a requererem um recolhimento que as cores chamativas das buganvílias não me permitem. Lembrei-me então de ir à procura do Zaratrusta. Não encontrei. Não sei se está noutro sítio ou se se perdeu de mim. Do Nietzche encontrei o 'Para além do bem e do mal' e, para meu espanto, encontrei várias partes assinaladas. Já não me lembrava de as ter assinalado. Reparo que sobretudo é onde a ironia, o gozo e a diversão são mais evidentes que assinalei. Rio-me, sinto-me muito bem disposta ao ler aquilo. Algumas partes são mais extensas e tenho preguiça de aqui as colocar, levar-me-ia muito tempo, requereria de mim muita atenção. 

Transcrevo algumas partes mais breves.

67) O amor por um só é uma barbaridade: porque se exerce à custa de todos os outros. O mesmo quanto ao amor por Deus

74) Um homem de génio é insuportável se, além disso, não possuir pelo menos duas outras qualidades: gratidão e asseio.

84) A mulher aprende a odiar na medida em que desaprende de encantar.

97) Como? Um grande homem? Eu apenas vejo o actor, representando a seu próprio ideal.

153) O que se faz por amor, faz-se sempre para além do bem e do mal

154) A loucura é rara nos indívíduos -- mas é a regra nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas.

237) [...] Vestida de negro e calada, toda a mulher tem aspecto de -- inteligente


E agora, enquanto estava a ler o Nietzsche, pus-me a ouvir Garcia Márquez. Algumas entrevistas longas, com muita piada. Mas, para aqui, escolho um vídeo pequeno, com mesmo muito que se lhe diga.  Acresce que o Gabo é daqueles contadores de histórias de quem a gente quer sempre saber mais. (Virtudes dos vídeos, da net, de tudo -- falo como se ele estivesse vivo e, na verdade, é como se estivesse). Difíceis começos têm, por vezes, os grandes escritores. 

Como nasceu o Cem anos de solidão


Voltei a dar um banho às minhas fotografias, desta vez um banho de verde.

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A todos desejo um belo dia de domingo

5 comentários:

Diogo Almeida disse...



Sem querer encarnar o papel de advogado de qualquer das figuras, digo que apenas gosto com o gosto que se tem pelas coisas mais belas, de García Márquez. Deixou uma meia-dúzia de livros que são uma delícia. O Nietzsche é um parvalhão sem fim, que só acertava quando lhe dava para ser sismógrafo, mas mal. O Pepe também o será, mas por razões outras, que não opostas às do filósofo.



MARIPA disse...


São muitos os pedaços de prosa de G. García Marquez capazes de nos inspirar e provocar os mais diversos sentimentos. A sua escrita consegue traduzir a essência de um autor que tem a capacidade de fazer mágica com a realidade. Admiro o legado que deixou à literatura.

Pode dizer-me o nome das bagas que estão no prato? E o nome dos frutos da última foto?

As suas fografias são lindas!

Abraço amigo e tudo de bom, sempre.

Um Jeito Manso disse...

Olá aripa, Menina Bonita, bom dia,

Como referi na parte de baixo do texto, puxei por algumas cores nas fotografias pelo que, no conjunto, ficaram distorcidas em relação à imagem natural. Daí não dar para perceber... Não são bagas, são pinhões. Apanhámos pinhas de pinheiro manso e estivemos a extrair delas os pinhões. Estavam carregadas. Tenho ideia que foi de apenas duas ou três pinhas, imagine.

E as últimas são romãs. Ainda não estão bem maduras, ainda não ganharam cor na casca. Mas os baguinhos estão doces. O pior é que os pássaros se antecipam. Furam a casca e comem-nas todas por dentro. Algumas continuam nos ramos, parecem boas, mas quando as olhamos de outro ângulo verificamos que a casca tem um buraco e, por dentro, ocas. Digo que são pássaros porque acho que só pode mas, na verdade, não sei. Será que tenho algum esquilinho por aqui...?

Abraço e saiba que fico muito grata pelas suas palavras. Nem sempre tenho energia, ao fim do dia, para responder aos comentários mas leio-os sempre com carinho e atenção.

Muito obrigada pela presença amiga aí desse lado.

E um dia feliz para si e para os seus!

Um Jeito Manso disse...

Olá Maripa,

Peço desculpa mas na minha resposta anterior o teclado comeu o M, e saíu Aripa. Não que Aripa também não seja nome de menina bonita mas, seja como for, se é Maripa, é Maripa.

Abraço!

Tiago Gonçalves disse...

Olá UJM!
Muito melhor estariamos se houvesse se por aí houvessem mais Mujicas e menos Trumps, Erdogans, Putins, Xijinpings, Bolsonaros, Kims e por aí adiante...:)