terça-feira, agosto 11, 2020

Ler. Escrever.





Há pessoas que, quando me recomendam um livro, me deixam logo com a certeza de que jamais o procurarei. Tenho um colega que, volta e meia, vem perguntar-me se já li um livro que lhe recomendaram como sendo imperdível, coisa do melhor que há. Nunca sei do que fala e só fico é com a certeza de que é coisa com a qual os meus olhos nunca perderão tempo.

Há, contudo, outras pessoas que, mal me recomendam um livro, logo fico numa inquietação para o ter. Inquietação mesmo. Urgência. Só descanso quando os tenho. Como medicamento sem o qual não conseguirei a cura.

Por exemplo, li o Ensaio sobre a Cegueira porque um amigo me disse: vai ter que ler, vai gostar. Cumpri a ordem, gostei muito. E de Leitores daqui, pessoas que não conheço senão daqui, também já fui atrás de conselhos, numa urgência -- e foi tiro certeiro. Não sei que afinidade é esta, que pontaria é esta que se desenha através de caminhos tão etéreos e indecifráveis.

É curioso isto dos livros, da escrita, da leitura. Para quem gosta é coisa sem a qual não se pode passar. É uma porta aberta que tem, porque tem, que ser transposta.

Por exemplo, eu agora. Ando numa daquelas alturas em que trabalho a dobrar e a triplicar. Ainda há bocado, eu aqui no sofá, a minha princesa mais linda encostadinha a mim (e não, não acabou o covid, mas temos cuidados e eles, depois de férias, foram fazer testes e estão todos 'limpos'), vendo-me a escrever um mail, por sinal em inglês, e percebendo que era assunto de trabalho, me perguntou porque é que eu estava a trabalhar àquela hora. Expliquei-lhe que, com o estado em que está a casa e com tanto que tenho que fazer, tenho que aproveitar todos os bocadinhos para despachar algumas das muitas pendências que vão aparecendo ao longo do dia. Ela encolheu os ombros, fez um ar meio desconsolado, como se não percebesse. Mas não tinha de que se queixar: antes já tínhamos estado ambas a maquilhar-nos mutuamente, ela a experimentar vestidos meus, eu a fazer-lhe penteados, etc. Mas, àquela hora, já o soninho a pedir-lhe miminho, estranhou que eu, em vez de me deixar estar, simplesmente, encostada a ela, estivesse a trabalhar.

E, de facto, caraças, cansada como chego a esta hora, não poderia eu agora estar quieta, já deitada? Mas, não senhora, para aqui estou a jogar conversa fora. Parece que os dedos precisam de para aqui estar neste sapateio inconsequente sobre o teclado. Vício de escrever. Dantes era vício de ler. Lia até quase madrugar. Agora não é a ler, é a escrever. Certo que também já foi misto: fazer tapete de arraiolos e ler. Ou pintar e ler. Parece que os meus dedos têm sempre que se agitar ao cair da noite. Mas agora, com tanto trabalho, só chego ao sofá muito tarde e ocupo o tempo a escrever, não sobra tempo para mais nada, quanto muito para visitar outros blogs e espreitar as notícias. Mas espreitar as notícias não é ler.

Mas tenho esperança de que um dia destes, a casa arrumadinha, consiga chegar ao fim do dia e sentar-me sossegadinha da vida a ler. Ou a escrever um romance. Ou uma história doida, doida varrida. Anseio por escrever histórias malucas. Ou um romance erótico. Qualquer coisa nessa base. Ou, então, volto aos arraiolos. Sempre era mais seguro. De mulheres que lêem ou escrevem diz-se que são perigosas. Das que fazem tapetes de arraiolos acho que não se diz nada disso.

E pronto, vou pregar para outra freguesia.


------------------------------------------------------------------------------------------

Pinturas de Turner para fazerem companhia a Melody Gardot, Good night

------------------------------------------------------------------------------------------

Espero que vocês aí desse lado sejam mais regrados que eu.

Uma bela terça-feira.

1 comentário:

Diogo Almeida disse...

A cultura é uma arma, sim.