Pouco evoluímos. É certo que estamos mais digitais e que isso é bom mas, na verdade, em concreto, não sei quantificar o aumento de felicidade que isso tem trazido à nossa vida. Ao longo de anos venho repetindo (em contexto profissional, claro) que o que não se pode medir é como se não existisse. Portanto, se não consigo quantificar o aumento de felicidade que a digitalização tem trazido às nossas vidas, mais vale nem dizer que é bom. Quanto muito, digo que é capaz de ser bom. No entanto, também não dizer bem dizer para quê. Ainda hoje ouvi umas pessoas sinistras dizerem, creio que na SIC, ufanas, que monitorizam por onde andamos e que conseguem prever tudo e mais alguma coisa. Tudo anonimizado, dizem. Deixámos, pois, de ser pessoas para sermos ID's, objectos que podem ser traceados -- rastreados, I mean --, meros dados que sustentam e validam algoritmos. Tão bom. Mas, enfim, há nisto da digitalização coisas mais poéticas. Por exemplo, estou a escrever e vejo que, neste preciso instante estão noventa e sete pessoas a ler o que por aqui vou escrevendo, setenta e sete das quais de Portugal. Mas também quatro da África do Sul, três dos Estados Unidos, dois do Brasil. Etc. Se não fosse isto da digitalização, estaria a escrever à mão, num caderno, e ninguém faria ideia do que eu estaria a garatujar. Mas em que é que ler o que eu escrevo traz felicidade a quem me lê? Eu gosto de ver que me lêem mas a verdade é que não sei quem são, não os conheço, não sei o que pensam do que escrevo. Algumas pessoas dizem que gostam e fico contente mas, também, de vez em quando, recebo comentários desagradáveis, gente que goza comigo, que me diz coisas ofensivas ou maldosas. Geralmente não publico essas coisas más. Não gosto de ser maltratada. Tento ignorar. Penso que se não gostam de aqui vir, porque vêm? Mas isto para dizer que, a bem dizer, também não posso concretizar de forma racional em que é que eu escrever aqui, à vista de toda a gente, é bom. É certo que há outros aspectos a reter nisto na digitalização: tudo desmaterializado, tudo circulando em cabos ou pelo ar, tudo ligado a tudo. É capaz de ser bom. Não sei é se, materialmente, isso tem contribuído para a nossa felicidade.
Também se tem evoluído na ciência. Mas um vírus da treta, uma variante de um corona que já por cá anda há que séculos, foi o suficiente para paralisar o mundo, para dar um coice em todo o sistema, para deixar toda a gente de máscara na cara e a ter medo de cada vez que alguém tosse perto do nosso cerco sanitário privativo. E uns dias isto cura-se com isto, outros com aquilo, e o brufen agudiza, o brufen cura, máscara não, máscara sim. Ninguém sabe. Um merdinhas de nada trocou as voltas à ciência toda, por junto. Até The Lancet, essa sumidade, meteu água e disse e desdisse que a hidroxicloroquina era e não era a solução ou parte dela. Portanto, ora abóbora.
E isto das supremacias, da religião disto e daquilo, crendices, seitas, grupos grupelhos -- tudo coisas que, por já terem provado ser atrasos de vida, burrices, crimes, já deveriam estar mortas e enterradas há séculos. Mas não, tudo vivinho da silva.
Um país como os Estados Unidos estar como está, nas mãos de um bronco que, por mais porcaria que faça, ainda continua a merecer o agrado de grande parte da população é coisa capaz de desmoralizar o mais optimista. Que tanta gente ainda seja tão alarvemente racista, tão alarvemente ignorante, tão alarvemente boçal, tão alarvemente abaixo de cão é coisa que me deixa doente.
Não estamos a caminhar no bom sentido. Começo a achar que a democracia abriu demasiado as portas aos não democratas, que a liberdade abriu demasiado as portas aos seus inimigos, que os civilizados abriram demasiado as portas às cavalgaduras.
Não estamos a evoluir. Pelo menos não no bom sentido. Digo eu.... E, pior, não sei se ainda vamos a tempo de arrepiar caminho. O mal está muito espalhado.
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Por exemplo: há quanto tempo foi isto aqui em baixo gravado? Ontem?
Ou há décadas?
Ou há décadas?
O que evoluímos desde então?
Por isso:
Lift every voice ando sing
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Fotografias de Robert Mapplethorpe ao som do piano de Nina Simone.
Fotografias de Robert Mapplethorpe ao som do piano de Nina Simone.
Excerto de "Ounce of Faith" de Darrell Grand Moultrie dançado por Khalia Campbell do Alvin Ailey American Dance Theater
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E é ir deslizando por aí abaixo.
E um bom domingo.
10 comentários:
Percebo o desânimo. Uma sugestão de leitura com alguma esperança:
https://www.hup.harvard.edu/catalog.php?isbn=9780674987593
"Capitalism is a risky system. But it is a human system. Our choices, and how clearly we see them, will determine how it serves us."
E deixo-lhe aqui uns vizinhos para animar:
https://youtu.be/jEKqtvG4EGA
Bom dia UJM,
De uma forma muito simples, porque não sou dada a textos muito elaborados, embora goste de os ler, vou dar-lhe a conhecer que todas as manhãs, religiosamente, me faz companhia ao pequeno-almoço. Gosto muito do que escreve e como escreve, fazem falta pessoas como a UJM com o coração e a cabeça no sitio. Adoro que adore, peço desculpa pela redundância, o seu bocadinho de paraíso verde, só quem experiência o que é adormecer e acordar na natureza percebe a sua verdadeira dimensão.
Infelizmente, comentadores sempre prontos a criticar, maldosos, mesquinhos e ofensivos vão sempre existir. Cada vez mais, tenho para mim o pensamento, de que o ser humano é mau por natureza, felizmente, existem pessoas como a UJM e outros que por aí andam que me fazem ter um pouco de fé no nosso destino, mas, não é fácil.
Agora, vou acabar o meu café, ao som do chilrear dos pássaros, que me chega da janela aberta na cidade.
Tenha um bom dia cheio de sabor a campo.
Carla Almeida
"Começo a achar que a democracia abriu demasiado as portas aos não democratas, que a liberdade abriu demasiado as portas aos seus inimigos, que os civilizados abriram demasiado as portas às cavalgaduras."
Aprove-se por unanimidade e registe-se em ata.
Que tenhamos frontalidade bastante para os desmascarar e expor suas ideias ao merecido opróbrio.
Um belo Domingo.
Olá UJM,
Estamos "mais digitais" mas desde há bastante tempo que isso - com ou sem decorrências poéticas - significa, essencialmente, estarmos cada vez mais vulneráveis a vigilância permanente. Em todos os detalhes da nossa vida privada e social. É verdade que neste "label" - ao qual, por alguma razão, chamei "Big Brother is not just watching you" - a grande maioria dos posts mais recentes refere-se â China mas isso só os torna mais relevantes: estamos a olhar para o nosso futuro.
http://lishbuna.blogspot.com/search/label/big%20brother%20is%20not%20just%20watching%20you
A Naomi Klein, aliás, fala da preocupação dos EUA com o avanço da China neste domínio...
Bom domingo.
Olá Paulo,
Já tinha saudades dos seus comentários sempre tão oportunos. Vou ver se leio que aqui recomenda. E gostei de ouvir a música. São sempre inesperadas as suas escolhas. Gosto.
E está tudo bem consigo?
Tempos novos os que aí estão e que merecem olhares novos. Para si e para os seus saberes, pode ser um belo desafio, não?
Abraço! E dias promissores para si, Paulo.
Olá Carla,
Muito agradeço a simpatia e delicadeza. E a generosidade. Eu que leio alguns blogues de que gosto raramente comento, sou comodista. Ou nem é isso. Acho que não vale a pena, que não quero parecer puxa-saco, ou que não acrescento nada. E, no entanto, quando leio palavras assim de alguém que me acompanha aí desse lado, fico toda contente. E fico a pensar que deveria fazer o mesmo noutros blogs. Mas geralmente acabo por não fazê-lo. Por isso, ainda mais agradeço a sua generosidade.
obrigada.
E vai daqui um abraço com votos de dias felizes1
Olá Francisco,
Precisamente.
Mas penso que tem que haver inteligência. Aos populistas que querem é palco (ex: André Ventura), não lhes ligar patavina, não reproduzir o que dizem, deixá-los a falarem sozinhos. Aos narcisistas e tarados (Trump ou Bolsonaro) gozar com eles, rir-lhes na cara, desdenhá-los à descarada. O Francisco melhor dirá qual o melhor antídoto para cada 'pancada'... :)
Abraço! E um belo dia.
Olá João,
A malta do império do meio tem muita coisa a seu favor: tem paciência, tem visão, tem descaramento, tem espírito de sacrifício. E têm uma notável capacidade de adaptação. E são obedientes e simpáticos.
Devemos temê-los, sim. São muitos e não brincam em serviço. Em Portugal já mandam em (quase) tudo o que é estratégico. Receberam-no de mão beijada. Nos Estados Unidos têm os americanos agarrados: detêm grande parte da dívida. Em cada local em estudam o que é estratégico e fácil de obter. E vão avançando.
Trump está à nora, claro. Não é Trump, são os donos ou pseudo-donos daquilo. Mas o que mais me custa é a Europa. Uma dama da nobreza, cheia de belas memórias mas já com muita artrite, pouca agilidade.
A tecnologia é um dos pontos em que os chineses jogaram forte. Com isso, controlam parte do mundo e cada vez mais o farão. Mas já têm também na mão as infraestruturas ortuárias, a distribuição de electricidade, bancos, seguros, hospitais. Terão autoestradas, terão comunicação social, terão farmacêuticas. Daqui por uns anos quem cá estiver olhará para trás e, se não for um mero instrumento, talvez se interrogue: como foi isto possível?
Mas foi. Está a ser.
uma radiosa terça-feira, João.
Se não viu, recomendo muito: https://lishbuna.blogspot.com/2019/10/blog-post_15.html
Óptimo dia de Marte!
Olá UJM,
Tenho vindo mas comentado muito pouco. Não tem sido fácil no trabalho (e só antevejo acalmar lá para o fim de Julho) e o pouco tempo que sobra tem sido passado a dar alguma atenção ao "meu" "heaven".
Não que tenha conseguido refletir muito, mas não "sinto" que estejamos num momento muito transformador (e mais desafiador do que já era). Tem potencial disruptivo, mas não me parece que para melhor - o desafio até acho mais esse: como evitar que a coisa pior. Vamos ver.
Bem, mas voltando a assuntos mais giros. Agora que passa mais tempo no heaven deixo-lhe duas sugestões (isto se usar telemóvel Android... Não sei se há para Apple): dê uma espreitadela nas seguintes apps para conhecer melhor a fauna e flora aí do sítio: birdNet, Merlin e PlantNet. Aliás, são após fantásticas também para os mais novos. Arranje os binóculos. Aposto que se vai maravilhar com o birdwatching caseiro (muito fácil com essas apps).
Deixo outra escolha, mais adequada:
https://youtu.be/0Q8FyyT2BnI
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