domingo, maio 31, 2020

Vísur Vatnsenda Rósu em vez de máscaras





Ando há já alguns meses com uma encasquetada e agora ainda mais. Quando assim é, não me dou descanso. Então, quando tenho algum tempo livre, vou em busca disso. Gosto de mudanças. Podendo parecer que não, gosto de mudanças. Este sábado de manhã, fomos ver uma possibilidade. Mas as opiniões dividem-se e eu própria, que persigo um ideal, ando reticente. Agora não sei se já o encontrei ou se tenho que persistir na minha demanda. Estou debaixo daquela indecisão que, por vezes, precede as grandes decisões. Posso falar sobre mil coisas ou escrever sobre mil outros assuntos que, subjacente, corre o rio que chama por mim. Quando isso acontece, posso levar algum tempo, posso enfrentar dúvidas, contradições, contrariedades mas sei que hei-de conseguir chegar onde quero. Não há volta.
Nas entrevistas de emprego há ainda quem pergunte aos candidatos qual a sua maior qualidade e qual o defeito que os outros mais lhe apontam. Geralmente, os candidatos optam por escolher um defeito que, vendo bem as coisas, até pode ser visto como uma qualidade. Usualmente, dizem que são teimosos. Não ligo patavina a essas respostas formatadas até porque, para perguntas estúpidas, respostas estúpidas. Mas eu quase poderia dizer o mesmo de mim. Mas di-lo-ia pensando que não é por ser teimosa, é por ser lutadora, por não desistir daquilo que quero muito. Mas, na volta, pode ser teimosia. Tanto dá. As palavras às vezes são ociosas, preguiçosamente servem para tudo, não as podemos tomar à letra.

Tirando isso a água estava óptima. E o céu acinzentando-se, a parecer que o outono estava à espreita. A minha mãe bem mas inquieta com o confinamento e não só, indecisa, sentindo-se com as asas presas. Mas a vida continua e, havendo sempre o que fazer, as coisas vão melhor. Continuo a não conseguir arrancá-la de casa mas com esta cena do distanciamento tudo fica ainda mais difícil.

Ainda por cima, isto das máscaras. Se estou com ela, estou de máscara e quero que ela também esteja. A menos que estejamos no jardim e a alguma distância. Uma coisa contranatura. Com as crianças, então, é-me doloroso não os poder abraçar, puxar para o meu colo, enchê-los de beijos.

Sempre que tenho que andar de máscara, é um desatino. Agora, mal me parece que posso aliviar, tiro-a, dobro-a e ponho-a no soutien. O meu marido passa-se. Segue as recomendações by the book e ainda não viu lá esta cena, de se guardarem as máscaras no soutien. Não quero saber. Não tendo bolsos, acho preferível ali, guardadinha, do que andar com ela na mão, deixando-a cair, roçando em tudo, sei lá. Quando chegámos à praia, passado um bocado, viu-me sem ela e conferiu: onde é que puseste a máscara? Apontei-lhe: nas poitrines. Abanou a cabeça. Passado um bocado pediu: 'Dá cá, eu guardo, senão daqui a nada estás dentro de água e nem te lembras mais da porcaria da máscara'. Aquiesci. De facto, seria mais do que certo e sabido. 

De regresso ao campo, mal cheguei, senti o perfume a alfazema. Tão bom. Uma felicidade. Nestes dois dias as flores abriram, lilases, cheirosas.

Quando dei um passeio até lá ao fundo senti que o ar estava especialmente perfumado, os cheiros mais intensos. Os pinheiros, os cedos, os eucaliptos, o alecrim, o rosmaninho, o tomilho, os orégãos. Tudo tão limpo e perfumado. Talvez pelas nuvens, pelo calor, pela humidade, parece que as flores e as folhas destilavam o seu perfume com maior persuasão. 

Entretanto, o meu marido chamou-me para me mostrar uma daquelas borboletas magníficas. Fui buscar a máquina para a fotografar. Linda para além do compreensível. Não se percebe como nasce tamanha beleza. Penso sempre que se tamanho milagre acontece do nada muitos mais, a toda a hora, devem estar a acontecer e nós, distraídos, sem os vermos.
E agora fui á procura da máquina e não a encontro. Na volta, ficou lá fora. E agora não dá para ir à procura, Que chatice. A ver se nenhum bicho a leva. Esconde mil segredos. 

Depois varri a casa, sobretudo o quintal, e fiz algumas limpezas. Depois de tomar banho, deitei-me no sofá a passar os olhos por aí e, claro está, adormeci. 

Depois de jantar estivemos a ver a Grace & Frankie. Estamos a caminho de nos rendermos à Netflix. A pedido do meu marido, imagine-se!, do meu marido..., a minha filha inscreveu-nos. O primeiro mês é experimental e eu ainda estou na dúvida se a coisa vai vingar. Se calhar, vai. 

Tirando isso. Apenas coisas de nada. Invisíveis. A vida traz-me surpresas, palavras e músicas desconhecidas, cores, lugares, ideias novas, longinquidades. De mãos desconhecidas chegam-me presentes, enigmas, flores, subtilezas escritas numa língua nova, límpida como a mais pura das álgebras, outros mundos. Não sei o que me dizem nem quero descobrir o seu significado, nem quero saber que mundos são esses, se são subterràneos, labirínticos, se existem apenas em sonhos, se se evaporam como fiapos de nuvens, se se escondem como a luz quando quer parecer apenas sombra. Não sei. Tomara que se mantenham intangíveis, sempre envoltos em véus invisíveis, distantes, evanescentes; na prática, inexistentes.

E Maio, maduro Maio, está a chegar ao fim e, com a aproximação de Junho, continuam a chegar ainda as dúvidas. O mundo em chamas, em fúria. Crateras do tamanho do mundo. Mas, qualquer dia, ainda vamos descobrir que convivemos bem com elas e que uma fractura pode abrir-se sob os nossos pés que nós, habituados também a elas, continuamos como se não fosse nada, como se fossemos eternos e a fractura passageira. Mas também não digo que não seja a atitude mas inteligente. Cada vez sei menos e começo também a convencer-me que, em certos sentidos, a ignorância pode até ser uma coisa boa. Tem é que vir com inteligência e elegância à mistura porque, senão, fica coisa a cheirar a trump, a jair, a coisa boçal, a coisa podre, a bolsos cheios de vermes, a mãos cheias de sangue --  e isso, caraças, isso é que não.


My eyes and your eyes
Oh those beautiful stones
Mine was yours and yours was mine
you know what i mean
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Não sei a que propósito aqui me apareceu o Sandro Botticelli mas não faz mal, é sempre bem vindo.

Hector Zazou & Björk trazem Vísur Vatnsenda Rósu e isso eu sei porquê mas não digo
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A todos desejo um belo dia de domingo.

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